segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Ao correr da pena

1. A palavra e a política

Há alguns dias, Manuel Alegre escreveu no Público um artigo intitulado “Palavras imensas. Defende que “a matriz das esquerdas é comum: reside na recusa daquilo a que Octavio Paz chamou ‘a injustiça inerente ao capitalismo.’ Essa é a sua essência”. Mas reconhece logo a seguir que “a divisão entre revolucionários e reformistas vem quase desde o início” e que se agravou quando, “com a guerra fria, os partidos da Internacional Socialista funcionaram como terceira via, por um lado contraponto em relação ao bloco comunista, por outro gestão moderadora do capitalismo, através do Estado providência e dos direitos sociais que significaram um considerável avanço civilizacional.” Conclui, e não discordo, que “os partidos socialistas ou se deixaram colonizar pelo neoliberalismo triunfante ou seguiram a moda pseudo-modernizadora do blairismo. (…) A queda do muro de Berlim não se traduziu na vitória da social democracia, mas no triunfo do capitalismo financeiro à escala global”. E confessa-se: “Sou, porventura, um socialista fora de moda. Mas não quero o socialismo fora da História e da própria linguagem. E muito menos da vida. Como escreveu Mário Cesariny: ‘Há palavras imensas, que esperam por nós.’ Mas não as palavras ideologicamente assépticas.

Desde o título, há neste artigo algum arrebatamento poético, que não é de estranhar. Mas até que ponto têm as palavras, por si, um valor transformador e revolucionário? Em contraponto, não há uma análise objectiva e teoricamente fundamentada das consequências para a acção prática actual da divisão que se processou ao longo de décadas, reduzindo a bandeira de palavras simbólicas a tal matriz comum. O seu artigo acaba por ser um simples enunciado de factos bem conhecidos, sem devida explicação. O que reconheço em Alegre é que assume a quota parte de responsabilidade histórica do seu lado partidário. 

Dias depois, responde-lhe Domingos Lopes, “Perseguir a imensa esperança”. “Há, na verdade, palavras imensas. Fico-me pela palavra socialismo. Palavra que aproxima as esquerdas. Socialismo, sonho, como outrora o de Cristo, antes de a Igreja se inclinar perante o poder dos Césares. (…) há palavras imensas que esperam por nós. Eu acrescentaria pelas quais nós esperamos em perseguição pelo ideal contido na palavra. Há palavras imensas que aproximam os homens e as que os afastam e os tornam inimigos uns dos outros.

Manuel Alegre analisa as várias rupturas nas esquerdas e até dentro delas, pois enquanto houver homens haverá sempre lugar a diferentes interpretações. Porém, ao acabar de ler e acalentado pela ‘fé’ na palavra que poeta não deixa morrer - socialismo - e tendo em conta a tese do autor de que vivemos num tempo em que os partidos tradicionais podem deixar de contar ou até desaparecer, dei comigo a pensar no futuro do PS com Seguro ao leme. Porquê? Porque se impõe perguntar qual o futuro do PS... E ainda porquê... porque o PS deixou cair os valores da esquerda que proclama ter... (…) O PS é um partido-chave para uma mudança (salvo se se entender que a mudança será sem eleições, do género revolucionário). Continuando, porém, a ser um actor que em muito pouco se distingue dos partidos do Governo, prosseguindo o caminho de incorporação na vaga ultraliberal que assola o mundo, liquidará o sonho social-democrata de muitos aderentes daquele partido.

(…) A democracia precisa de um PS que não se vergue à onda conservadora que varre o mundo. O mundo precisa de mudar. E Portugal também. Há palavras imensas que temos de perseguir: liberdade, igualdade, justiça, socialismo. Há palavras terríveis que todos os dias açoitam os portugueses: empobrecimento, austeridade. Precisamos da imensidão da palavra esperança, desejavelmente com o PS. Se não, com quem tiver esperança. E futuro.

Julgo que Domingos Lopes tem uma formação e solidez ideológica superior à de Manuel Alegre, que é fundamentalmente um tribuno. A sua formação política emerge na aceitação de outra hipótese, comon se viu acima: “salvo se se entender que a mudança será sem eleições, do género revolucionário”. Mesmo assim, procurando corresponder, com espírito “unitário”, ao idealismo de Alegre, fica enredado na contradição principal da nossa “esquerda”: precisamos de um PS diferente mas o PS não quer ser diferente. E outros, que tenham esperança e futuro, de que fala Domingos Lopes, fica-se pelo vago. Contra isto, não há palavras imensas.

2. O BE e Angola

Dou de barato que o MPLA deixou de ser há muito o partido que, na minha juventude, era o exemplo da coerência na luta pela independência. Dou de barato que, principalmente a partir da guerra civil, ambos os lados usaram importantes recursos naturais para se armarem, o MPLA vendendo petróleo, a Unita diamantes. Dou de barato que, com isto, os generais fizeram fortunas que foram acalentadas por José Eduardo dos Santos, para lhes ganhar o apoio. Dou de barato que não é com um simples curso em Inglaterra e sem meios anteriores que Isabel dos Santos se transforma na mulher mais rica de África. Dou de barato que há farta corrupção em Angola, a par com o cumprimento dos slogans anunciados de que “os angolanos têm o direito a ser ricos” e “é necessária a acumulação primária do capital”. Dou de barato que Angola tem uma enorme assimetria económica e social.

Também é inegável que há capitais angolanos a entrar em Portugal (e portugueses em Angola), com destaque simbólico (mas não económico e financeiro) para a comunicação social. E que há uma ostentação de novo-riquismo de angolanas nas lojas de luxo da Av. da Liberdade.

Mas o que faz, disto tudo, proclamar-se repetidamente, como faz o BE, que Angola está a comprar Portugal? Está a dominar economicamente mais do que os ricos da eurolândia? Oprimem o povo português mais do que a troika? E que vantagem há em agitar este papão (xenófobo?) numa altura em que estão a emigrar para Angola centenas ou milhares de portugueses? Quando se chega à economia moral, não há diferença entre fanáticos, sejam eles Louçã ou Merkel, em extremos opostos. 

3. As lutas inglórias do BE

Esta nota vai quase sem palavras. Nos tempos que vamos vivendo, o piropo teve honras de tema nacional no recente debate do BE, “Socialismo 2013”. Se o ridículo matasse...

4. O que Krugman disse

Já foi há bastante tempo que foi muito badalada a afirmação de Paul Krugman no sentido de que os salários (melhor, os custos unitários de trabalho) em Portugal e na Alemanha tinham entre si um desajustamento de 20%. As brilhantes mentes da casa nem foram ler o texto de Krugman, “German Wages and Portuguese Competitiveness (A Bit Wonkish)”(com explicação em português no Jornal de Negócios), mas deveriam ter logo pensado que se duas bengalas diferem em 20 cm tanto pode ser porque uma é 20 cm mais comprida ou a outra 20 cm mais curta (não estou a brincar, pensem bem).

Agora, tantos meses depois, é o inefável José Manuel Fernandes, saído do Público por uma porta e entrado por outra, que, cumprindo aquela norma prática de que arrogante de cabeça rígida fica sempre assim, primeiro como esquerdista depois como “neocon”, vem dizer o mesmo: “vejam lá, não era só António Borges que dizia, também o keynesiano Krugman diz que os salários portugueses têm de descer”. Não é verdade. Vão ao tal “post” e lerão que o que Krugman defende é que os salários alemães devem subir. Agora conseguir isto é outra história…

(A propósito: quais são os critérios do Público para a escolha dos seus colunistas? Se não me falha a memória, dois socialistas, Correia de Campos e Francisco Assis; um jornalista independente de esquerda, José Vítor Malheiros; um PSD, Paulo Rangel; um liberal conservador, João Carlos Espada; um eurodeputado alinhado com os verdes europeus, Rui Tavares; um jornalista de direita retinta, João Miguel Tavares, que só tem rival no seu colega do Expresso, Henrique Raposo – e cada vez mais Henrique Monteiro; finalmente, a figura inconcebível de ultramontanismo de cabeção, Gonçalo Portocarrera de Almada, que, curiosamente e contra o seu retrato, nunca se apresenta como padre católico e do Opus Dei.) 

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