A tendência geral, na análise dos resultados eleitorais, é a de contrapor principalmente o PS e a direita no governo. Talvez não seja a perspectiva mais significativa, em termos de grande tendência e do que pode vir aí como resultado das próximas legislativas.
Claro que o PS foi o principal oponente da direita, numas eleições em que, entrando em jogo muitos factores locais, também pesa o desejo de penalizar o governo e a sua política austeritária. Assim, linearmente, o PS parece capitalizar essa penalização.
Mas será assim, como tendência eleitoral, mormente em próximas legislativas e até nas europeias? Tenho dúvidas, porque, mesmo nas declarações de vitória do PS (com excepção do discurso “nacional”, muito hábil, de António Costa), não há nada que mostre o aproveitamento pelo PS destes resultados eleitorais para afirmar uma alternativa firme de política nacional e internacional. Não se confunda este plano com o plano simbólico dos casos exemplares, como Lisboa, Sintra ou Gaia.
A vitória do PS é inegável mas tem alguma coisa de vitória de Pirro. Não vou contar câmaras nem transferências de bastiões, ficando-me pelas percentagens nacionais. Sei que têm alguma coisa de enviesado, porque os factores locais pesam muito. Minimizando um pouco esse risco, vou usar os resultados para as assembleias municipais.
O PS obteve 35,02% dos votos em 2013 e 36,67% em 2009. Com 1.697.630 votos, perde um pouco mais de 386 mil votos (18,6%). Não se pode falar em derrota, mas também não é uma vitória, muito menos espectacular. A direita, PSD mais o CDS e as suas coligações, fica com 1.723.040 votos (39,87 %) e perde 590.575 votos (25,5%).
Isto são números relativos a movimentos dentro de um grande conjunto, o dos partidos troikianos, em versão dura ou em versão xaroposa. Não me interessando agora analisar essas pequenas oscilações intra-sistema, que nada contribuem para uma verdadeira alternativa, lembro que, nas eleições de 2011, em resultado tão elogiado por Gaspares e todo o clube de troikianos, esse “arco” – PS, PSD e CDS – teve os célebres 78,41% de votos apoiantes do resgate (também chamado de “ajuda externa, como se viu), em números absolutos 4.381.897 votos. Ontem, tiveram 3.420.670 votos, perdendo 22%. Para onde foram esses votos? O que significa a perda?
Foram para a abstenção? Ela cresceu de 4.035.539 votos (41,93%) em 2009 para ontem, 4.557.026 votos (47,35%). Estes cerca de 500,000 votos ficam a meio caminho de explicar a quebra de quase um milhão de votos do arco troikiano.
A meu ver, há duas principais razões da mudança eleitoral, com consequências previsíveis – saiba-se ver a tempo – para as legislativas: a votação na “esquerda radical” (não gosto do termo, mas uso-o por conveniência) e os grupos de cidadãos ou movimentos independentes (designação também dúbia).
O conjunto PCP-BE fortalece a sua posição. Se pudermos transpor isto para a escala nacional, significa a afirmação da alternativa política clara à política troikiana, mesmo que esta disfarçada com falinhas doces de menino de coro. Nas autárquicas de 2009, teve 706.795 votos (12,77%), agora 730.825 (13,08%), mais 24.030 (0,31%). Se corrigido para o aumento da abstenção, o aumento da votação foi de 0,35%. Note-se que nestes dados globais se tem de contar com a absorção pela CDU da quebra dos resultados do BE.
O PCP está a fortalecer-se, como oponente mais consequente (a meu ver) à política troikiana, face a um BE indeciso, sem posição clara sobre o euro e até sobre uma verdadeira reestruturação da dívida? Tentarei discutir isto mais tarde. Para já, é importante estudar uma situação que os actuais dados ainda não me revelam: o PCP ganhou posições só nos seus bastiões tradicionais, recuperando perdidos, ou também avançou em zonas determinantes, como as zonas urbanas litorais, de população mais jovem e de maior nível educacional e cultural?
Quanto ao BE, que se cuide!
O outro grande fenómeno foi o da participação de grupos de cidadãos, mais geralmente conhecidos como independentes (6,31%). É difícil a análise, porque tanto parecem significar apenas tricas partidárias internas, como em Portalegre, como genuínos aglutinadores de movimentações de massas, como no Porto ou em Matosinhos. A sua expressão eleitoral foi eloquente e mostra como as gentes se estão a libertar das tutelas partidárias. Mas não sem ambiguidades. Afinal, Rui Moreira, combatendo o candidato oficial da direita, é menos à direita do que Meneses? E o homem de Oeiras é exemplo para algum filho nosso que queiramos educar no respeito pela lei e pela ética? O podemos contar com estes novos actores políticos (novos caciques?), em lutas políticas a nível nacional?
Ainda uma nota sobre o voto em branco. É importante e passa muito cá em casa. Eu próprio, por razões de falta de informação, votei ontem um boletim, o de significado mais político geral, num partido e os outros dois em branco. É pena que ainda vá ficando derrotado pela incivilidade e comodismo da abstenção. Nestas eleições, o voto branco representou , muito à frente do de 2009 (1,99%). Uma grande diferença, que tem de ser tida em conta nas análises e nos espectáculos televisivos de noite eleitoral, que sempre a esquecem.
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