Já muitas vezes aqui escrevi que tenho uma relação de amor-ódio com a net. Muito manifesta quando o poder de imposição do botão “send” obscurece toda a capacidade de análise. Uma pessoa que me dizem ser saudavelmente contestatário, eventualmente de esquerda, não deve fazer mais nada e envia-me diariamente dezenas de mensagens, muitas a meu ver agudas e sensatas, outras inconcebíveis de má qualidade, por vezes difamação e baixeza. Em regra, com forte dose de populismo, coisa que hoje substitui a luta política de nível e que passa à frente do mínimo de sentido crítico e de rigor intelectual.
Há dias, recebi dele uma mensagem com base no estafado documento de Cavaco a pedir à Pide acesso à consulta de documentos Nato reservados. Simplesmente, a mensagem transformava isto em prova de Cavaco ter sido colaborador (informador?) da Pide: “Após uma investigação aos arquivos da ex-PIDE depositados na Torre do Tombo em Lisboa, eis a cópia do original do Formulário Pessoal Pormenorizado do senhor Cavaco Silva, no qual, em 1967, o mesmo declarou a sua intenção em integrar a ex-PIDE da ditadura salazarista.” Qualquer meu leitor sabe que não tenho qualquer simpatia política por Cavaco. Nem sequer pessoal, quando todos os dias nos cruzávamos no Instituto Gulbenkian. Mas isto que recebi é abjecto e desqualifica moralmente quem difunde coisas destas.
É preciso deixar claro que um excremento destes não é de gente de esquerda. Propus a este meu correspondente traçar o caminho da mensagem em sentido oposto, com desmontagem da calúnia, até o autor ver que nem sempre a podridão compensa. Não o fez, o que me permite escrever aqui isto.
Ainda uma nota. Nessa mensagem, diz-se que “em 1964 o Silva ainda não era um PIDE seria só em 1967”. A referência a 1964 tem a ver com a legenda, feita pelo autor anónimo (mas por que responsabilizo legitimamente o meu correspondente) de uma fotografia de Cavaco como alferes em Moçambique, dizendo “rapaz de armas do exército português". Note-se que o termo "rapaz", neste contexto pejorativo, é retintamente colonialista (fascismo, colonialismo, populismo neofascismo, andam hoje de braço dado). Eu fui firme opositor da guerra colonial mas não insulto assim as centenas de milhar de jovens a quem o fascismo prejudicou tanto, enviando-os para a guerra. E quem escreveu este nojo de texto se calhar até, com a mentalidade fascistoide que ele revela, é que é apologista tardio da guerra colonial.
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