Quantas vezes já escrevi que tenho “mixed feelings” em relação à net? Indispensável instrumento, hoje, de acesso a uma enorme biblioteca ao alcance de um “click”, em tempo rápido. Ao mesmo tempo, instrumento de desinformação, de habituação das pessoas a um embotamento da sua capacidade crítica que Orwell nunca imaginou. Uma das coisas frequentes é a “invocação de autoridade” ou “os cucos da net”. Há anónimos que até escrevem coisas interessantes mas que, sei lá porquê, não as subscrevem, pondo esses ovos em ninhos com o rótulo de pessoas famosas.
Na maioria dos casos, alguma familiaridade com os interesses do invocado autor, com o seu estilo de escrita, alertariam logo para a fraude intelectual. Por exemplo, o célebre texto de João Ubaldo, depois reproduzido em Portugal como de Prado Coelho, era uma fraude evidente. Em qualquer caso, uma pesquisa no Google também ajuda muito. O que me espanta é como pessoas com indiscutíveis credenciais intelectuais se prestam ao jogo e espalham este lixo. Creio que porque tudo é bom para apoiar as suas próprias ideias, como se elas não valessem só por si, mesmo que sejam eles sozinhos contra tudo e todos.
Conheci relativamente bem Natália Correia, jantávamos em casa de uma amiga comum. Com essa minha patrícia açoriana, discuti muito a insularidade, até ver que era diálogo de surdos, entre quem tinha amadurecido nas ilhas e quem, como ela, tinha da terra uma visão de tenra infância e baseada na sua construção poética, embora invocando, a despropósito, Antero, Côrtes-Rodrigues e Nemésio (este último, é verdade, ela conhecia bem). Também tenho dela a opinião de uma poetisa de mérito, que leio com muito prazer, mas que, nas concepções políticas, se ficava sempre pelo manto diáfano da fantasia. Quanto a algum conhecimento, mínimo, de economia política, o que se conhece dela?
Por tudo isto, para mim e até prova em contrário, as “premonições” são mais um embuste. E insisto: eu não preciso de poemas de Drummond, artigos de João Ubaldo ou fantasias poéticas de Natália para ter as minhas próprias ideias.
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