quinta-feira, 23 de maio de 2013

Clarificação necessária

A Assembleia da República foi hoje palco de uma importante clarificação política, por parte do PCP. Não ouvi a declaração do deputado Honório Novo mas, quando me chamaram a atenção, ainda ouvi o debate seguinte. Deu para julgar perceber o que foi a declaração do PCP sobre a saída da zona euro. Na verdade, o essencial já tinha sido dito em outros locais e por responsáveis do PCP, mas não com tanta ênfase e em tão importante tribuna.

Lembrou a posição desde início do PCP sobre os riscos de uma moeda única sem as condições de uma zona económica ótima e à revelia de todos os estudos e das bases científicas e económicas, deparando-se desde início com grandes diferenças entre os países membros quanto às suas economnias, às suas estruturas produtivas e os seus estados de desenvolvimento. Eram inevitáveis os choques assimétricos, sempre em prejuízo dos países periféricos e sendo inevitável a sua repetição cíclica, a cada vez agravando as divergências económicas.

Segundo o PCP – e muitos mais setores políticos e de opinião – tudo isto conduz a uma tentativa de desvalorização interna com cortes nos rendimentos e com desemprego, que só deixa alternativa real ao desmantelamento da União Económica e Monetária (UEM) e ao fim do euro. Este processo, ou o processo unilateral de saída do euro, tem custos, mas que o PCP antecipa serem sempre menores do que os custos da situação que estamos a atravessar e que continuaremos a atravessar. Em síntese, o PCP defende no imediato a preparação da eventualidade da saída do euro, com o estudo dos seus custos.

A perspetiva da saída do euro tem sido o grande papão desta crise e principalmente nos países em que a alternativa mais se coloca, em particular Grécia e Portugal. É preciso admitir que esta ação tem sido eficaz. Nas últimas eleições gregas, a Syriza teve grande apoio eleitoral com a sua oposição ao acordo com a troika mas, ao mesmo tempo, as sondagens mostravam que a defesa da saída do euro era minoritária. Não me custa a crer que o mesmo se passe em Portugal. Isto levou a que, depois das eleições, a Syriza tenha moderado bastante as suas posições, com a sua proposta em cinco pontos, nenhum dos quais inclui a renegociação da dívida, nem sequer a sua reestruturação, muito menos, é claro, a eventualidade de saída do euro.

Eu próprio, como muitos outros, aliás a maioria dos participantes, votei no Congresso Democrático das Alternativas contra a inclusão taxativa no documento final de uma proposta de saída do euro. A meu ver, seria extemporânea (até pela falta de estudos) por não ter ainda suficiente acatamento popular e poderia mesmo dividir os próprios participantes no Congresso. Por isto, ficou só a proposta – ela própria aliás avançada – de denúncia do memorando, embora, para mim, seja quase inevitável que uma coisa leve à outra.

A saída do euro tem custos, como esta declaração do PCP admite. Em nada na vida há risco zero; é coisa que bem se sabe na minha medicina, em que tem sempre de se fazer o balanço entre o tratamento e os efeitos secundários. É o mesmo em política, nas decisões financeiras, nos investimentos, etc. O que há é que estudar bem os prós e contras e pesá-los. Não é o que se está a passar com o tema da saída do euro em que os políticos do setor troikiano, mesmo os que já começam a criticar os excessos austeritários, nem deixam espaço de discussão sobre a eventualidade – repito, eventualidade! – da saída do euro. Isto, claro, com o coro dos acólitos comunicativos. “É uma solução inaceitável, é uma tragédia impensável, é coisa de loucura”. Porquê? Porque é… 

Isto instila-se em todos os ouvidos, na gente da rua, mesmo que interessados em política. Há dias, conversando com uma pessoa que se considera informada, não lhe consegui arrancar um único argumento contra a saída do euro que não fosse “toda a gente sabe que seria muito mau”. 

Também não há quem não venha com a Argentina, que seria um caso excecional de rotura com uma paridade monetária fixa, mas com um sucesso que custou uma enormidade (será?). Há muitos trabalhos que demonstram o contrário, que não é um caso excecional, que não dependeu, como se diz, da capacidade de produção agrícola e que resultou numa recuperação económica notável. Deixo como exemplo de material de estudo o estudo de Weisbrot e Sandoval, de 2007. No entanto, mesmo entre nós e com autoridade académica, publicaram-se inacreditáveis deturpações dos factos, mesmo da simples cronologia.

De facto, não conheço um único texto que negue os custos da saída do euro. Exemplo expressivo é o de João Ferreira do Amaral, que sempre criticou a adesão ao euro e agora defende a saída, mas considerando muito importante que ela se faça em condições ótimas, de negociação e de situação económica europeia. Simplesmente, como em tudo mas principalmente em política, muitas vezes o ótimo é inimigo do bom.

Quem fica bastante em aperto é o Bloco de Esquerda, que parece não se ter dado ainda conta de como a atitude das várias forças políticas e movimentos sociais quanto à política troikista dos de fora e dos de dentro tem evoluído aceleradamente. Desde Manuela Ferreira Leite a Pacheco Pereira, Peneda, Bagão Félix, articulistas como Sousa Tavares, economistas antes bem alinhados, como Sarsfield Cabral e, pasme-se!, João Duque, já se desmarcam do fanatismo gaspariano.

Mas mais importante é o PS, onde hoje parece ser lugar comum, com maior ou menor ênfase e clareza, a aceitação de uma forma de “renegociação”, com alívio das constrições relacionadas com as maturidades e juros, mas sem pôr em causa o montante da dívida, como seria no quadro de uma verdadeira “reestruturação”. Para mim, esta posição do PS é inconsequente e irrealista, não constitui uma verdadeira alternativa, mas ela existe e temos de imaginar que valor terá no “mercado” político e eleitoral.

O BE, que mantém uma posição semelhante – ou, se não é, creio que ninguém percebe a diferença – está a ficar entalado. Começou a defender em 2011 uma pseudo-renegociação dando a entender que era uma reestruturação e ainda não dei por nenhuma modificação essencial dessa sua posição, a não ser, na moção vencedora da última convenção, o apoio à auditoria cidadã da dívida, uma iniciativa não partidária interessante e empenhada, mas com reduzido impacto político. Louçã, que ainda deve ter grande influência interna, é transparente, como mais uma vez num artigo no último número do Monde Diplomatique: saída do euro, nunca!

Por isto, parece-me que o BE foi hoje apanhado em contra-pé no Parlamento. O líder da bancada, Pedro Filipe Soares, titubeou, reconhecendo os malefícios do euro mas, em forma de pergunta a Honório Novo, falou de expetativas que ainda se podem ter em relação a novas políticas europeias, nomeadamente por ação do BCE. E que, não sendo a Europa resgatável pelas suas elites, não poderá sê-lo pelos seus povos? E se o que a esquerda deve dizer não é que a solução é a destruição do projeto europeu mas uma alternativa? O discurso da fada do europeismo milagroso…

Dito tudo isto, resta saber se a posição de hoje do PCP foi taticamente acertada. Não terá sido precipitada ou prematura, sem adesão popular mínima garantida? Não prejudicará a possibilidade de diálogo à esquerda? Creio que não. As clarificações são sempre vantajosas. Obrigam os parceiros de jogo (neste caso, não quero dizer adversários) a “ir a jogo” e, mais importante, fazem as pessoas refletir e motivam-nas. 

Também não me parece uma declaração prematura, porque está a haver uma confusão grande de posições, como disse, principalmente no PS, que pode dar a ideia de que o PS tem uma alternativa real à política de austeridade. Assim, o PCP aparece marcando a distância. Para mais, poderá vir a ser importante o encontro “unitário” promovido por Mário Soares e o PCP não pode ir sem uma posição bem diferenciadora. Tem uma grande experiência de compromisso difícil entre cedências unitárias e firmeza de posições próprias.

Finalmente, recordemos que há uma palavra que não existe em política: nunca. Tanto quanto entendi, o PCP não se está a comprometer com uma saída do euro. Diz que tudo indica que os custos dessa saída serão menores e que precisam de ser avaliados, como preparação para a eventualidade da saída. A diferença é que mais nenhum partido aceita essa saída nem sequer como eventualidade.

P. S. – Afinal, acabei por ouvir a declaração, na gravação "postada" no Tempo das Cerejas.

1 comentário:

  1. Para mim era expectável esta declaração politica do PCP. Aparece num momento oportuno.Nas vésperas do encontro promovido para Mário Soares para dia 30 na Reitoria,e num momento em que muitos começam a ser eurocépticos,particularmente em Portugal.Em breve vamos ver os Verdes também tomar posição idêntica.Claro que estamos perante uma matéria sensível,e agora já nos apercebemos que o euro foi desenhado,mais para servir a Alemanha às voltas com a unificação,do que muitos dos países aderentes na altura à CE.
    O PCP sempre pensou em ver -nos fora do euro, tanto no tempo da extinta URSS,como depois.
    De facto pensa em nós como uma Cuba da Europa,e como uma vingança, crua e fria, pela implosão da -URSS.Fora da Europa, seremos com toda a certeza, uma presa mais fácil para um partido organizado como é o PCP que tem muita razão em muitas das criticas que faz,e está há anos à espera da sua vez.

    2-Quanto ao CONGRESSO das ALTERNATIVAS,devo dizer que a sua declaração final apareceu truncada e à revelia dos votos expressos na sua sessão final,que me parece, agora serviu para inglês ver.
    De facto, as minhas três propostas de alteração/acrescentos para constar na declaração final, todos votados ,e aceites por uma quase unanimidade de todos os presente,a favor da inclusão dos Direitos Humanos,da temática das Mulheres e das Minorias,afinal, não aparecem incluídos do texto final que nos foi enviado há dias, por mail. No quadro mostrado ao público durante a sessão final estavam já incluídos na redacção.Agrao foram apagados.Já apresentei o meu protesto,sem resposta pelo menos até agora,mas acho grave este tratamento dado ao assunto.António Serzedelo.

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