Tem sido vastíssima a discussão sobre a eventualidade de abandono do euro por parte dos países da periferia em dificuldades, assim como sobre as prováveis ou possíveis consequências (certas, ninguém sabe) dessa saída para esses países, para a zona euro e, logo, para os restantes países da eurozona. Tudo isto por se considerar a dificuldade, senão impossibilidade, de coexistência, com a mesma moeda, de economias excedentárias, como a alemã e economias deficitárias e não competitivas, como as dos países periféricos.
Mas se não podem estar juntos na mesma casa, tem de ser obrigatoriamente o Sul a sair? Ou, teoricamente, o mesmo efeito não é obtido pela saída da Alemanha? Pode parecer brincadeira, mas é tese desde há algum tempo defendida pelo especulador financeiro George Soros. Igualmente, é a principal base programática do novo partido alemão “Alternativa para a Alemanha” (AfD), “credibilizado” pelos seus reputados economistas fundadores.
Essa falta do sentido de simetria, mesmo que como simples exercício argumentativo, tem a ver também com a discussão que houve entre nós quando a direita rejubilou com a opinião de Paul Krugman de que havia uma indesejável diferença de 20% entre os custos unitários de trabalho de Portugal e da Alemanha. Temos de os diminuir em Portugal, disse o coro de economistas e opinadores de serviço. Mas porque não deve ser a Alemanha a aumentar os seus? Claro que não estou a falar com realismo, mas de qualquer forma fica a pergunta, que nem é tola de todo: a Alemanha não beneficia a prazo de um reequilíbrio das economias europeias?
Dir-me-ão que não há risco de a Alemanha sair do euro e, com isso, provavelmente destrui-lo (ou não? pelo contrário, salvá-lo, a um euro então desvalorizado). É o que se depreende de todas as firmes declarações de fé da chanceler e dos principais políticos alemães. No entanto, há sinais preocupantes. Em primeiro lugar, esse apego alemão ao euro passa obviamente pela sujeição de toda a restante Europa, até da França, aos ditames alemães: obrigação da regra de ouro e do pacto orçamental, negação até agora da compra direta de dívida pelo BCE e fortíssimas restrições e penalização às operações de OMT, recusa de medidas do BCE que possam ser consideradas inflacionárias, resistência à descida das taxas de juro, etc.
Neste quadro, estranha-se que não tenha tido muito eco entre nós a última iniciativa alemã contra o euro, objetivamente, descrita e comentada no blogue de Yanis Varoufakis. Como se sabe, o banco central alemão, o Bundesbank, na gíria o Buba, é muitas vezes mais papista do que o papa, neste caso, a Sra Merkel e o seu governo. Não se esqueça que o anterior presidente, Axel Weber, se demitiu por discordância com a “moleza” do BCE e que o seu sucessor, Jens Weidmann, é o “wonder boy” do mais retinto ordoliberalismo-austeritarismo alemão.
Em resumo, segundo as informações e considerações de Varoufakis, que, como leigo, não vou discutir, o Buba impugnou junto do Tribunal Constitucional alemão a legalidade do programa de OMT que permitiu no verão passado aliviar transitoriamente a pressão sobre a economia do euro. Mesmo que o Tribunal não venha a corresponder totalmente à posição do Buba, poderá amarrar de tal forma o plano Draghi com condicionalismos que o podem tornar ineficaz. Para se ver até que ponto surrealista vai a visão fundamentalista do Buba – e falamos nós do dogmatismo fanático de Gaspar! – a impugnação inclui aspetos tão inesperados como considerar que não compete ao BCE preservar a integridade do euro; que o programa de OMT foi invalidado por o governo grego ter utilizado o seu próprio banco central; que, ao contrário da queixa de Draghi, é positivo que se tenha perdido a possibilidade de passagem à periferia das reduções da taxa de juro de refinanciamento.
Conclui Varoufakis: “O Sr. Weidman pode ver muito bem o que é apresentar esta deposição no campo constitucional, conscientemente e como parte de uma estratégia que leva o euro a uma morte por mil golpes quase silenciosos. Faça a sua escolha, caro leitor: vemos um grande erro do Bundesbank ou uma grande estratégia, cujo objetivo é trazer uma nova moeda forte a leste do Reno e ao norte dos Alpes, livre dos países deficitários e da França? Eu sei qual a interpretação em que eu iria apostar o meu dinheiro”.
NOTA – OMT, sigla de "outright monetary transactions": compra pelo BCE, no mercado secundário, de títulos de dívida pública emitidos pelos estados e sob condicionalismos penalizadores do tipo dos atuais resgates.
NOTA – OMT, sigla de "outright monetary transactions": compra pelo BCE, no mercado secundário, de títulos de dívida pública emitidos pelos estados e sob condicionalismos penalizadores do tipo dos atuais resgates.
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