Vou começar a falar do projecto de novo partido, LIVRE (porquê maiúsculas, se não é um acrónimo?), hoje na generalidade, depois no concreto. Hesitei muito antes de escrever esta entrada. Estou certo de que a grande maioria das pessoas que está interessada na criação do LIVRE é gente de esquerda e que tem genuína intenção de contribuir para a luta contra a hegemonia da direita que se está a impor. Têm pleno direito de formar o partido que quiserem, sem interferências. Assim, eu não devia dizer nada sobre ele, deixar as coisas falarem por si.
No entanto, quando gente de esquerda com perspectivas diferentes deseja um novo partido, desde descontentes com o PS até desiludidos com o BE, mas também pessoas como eu, Jorge Bateira, José Manuel Correia Pinto, José Vítor Malheiros, João Carlos Graça, Eduardo Milheiro, etc., que têm teorizado, julgo que em termos inovadores e sem conciliação com uma visão de esquerda-pântano, sobre a necessidade de nova intervenção política – novo partido e muito mais – esta acção é comum e legitima o debate, porque iniciativas erradas – a meu ver – podem prejudicar a luta comum. Podemos estar, em termos de calendário de democracia institucional, num momento irredutível no curto prazo. O que tiver de ser criado, em favor da esquerda, deve ser muito bem criado.
Falando ainda dos interessados num novo partido, parece-me que a situação é envenenada por haver um contágio negativo de descontentamento. Um projecto novo ganhador faz-se com gente solta, não com descontentes da situação actual que não conseguem vencê-la, nos seus partidos (claro que principalmente PS, parece que com muitos seus militantes na reunião do S. Luís). Afinal, talvez seja a estes que, habilidosamente, Rui Tavares (RT) apela falando de uma “esquerda livre”.
É transparente a intenção de RT de captar descontentes do PS. É coisa velha, a criação do “verdadeiro partido socialista”. E sempre foi, mas muito mais nos tempos que correm, o álibi para muita gente na órbita do PS mas que tinha vergonha de se aliar ao "socialismo na gaveta". Não tenho nada contra os orbitantes do PS, a não ser quando, como me aconteceu com o namoro do grupo Pina Moura ao MDP a cuja direcção eu pertencia, havia por detrás evidente oportunismo interesseiro. Mas também nada tenho a ver com a questão interna do PS sobre a sua orientação social-democrata perdida e a sua rendição ao ordoliberalismo ou, pior, ao mais retinto neoliberalismo. É outra luta, na área do centro, que não tem a ver com esta, como bem me escreveu, há dias, Eurico Figueiredo.
(NOTA – E não me venham dizer, como um entusiasta do LIVRE, que estas coisas que estou a escrever são fantasias de teóricos, que não chegam aos que “não têm bases intelectuais”. Isto cheira-me logo a demagogia, a tartufismo, a desprezo pelo povo naturalmente “inculto”).
Mas também conheço pessoas que, com sólida consciência dos erros estruturais do PCP, não votam nele, mas só por isto, ao mesmo tempo que não concordam com a traição socialista contra os ideais e prática da tradicional social-democracia. Procuram uma esquerda nova, mas mesmo nova, moderna, mas não uma reconstrução de jogos antigos, sabendo muito bem ver como coisas como o LIVRE são velhas músicas orquestradas de novo. Votam branco.
Uma das minhas primeiras reservas em relação ao LIVRE é de ordem ética. Sou isento, porque, sendo estrénuo defensor da criação de um novo partido de verdadeira esquerda, ninguém poderá suspeitar de que tenho interesses pessoais investidos. No remanso de uma boa reforma, de reflexão e de escrita livre (livre é isto, RT, não o seu frenesim político), o que me faltava era pensar em protagonizar em qualquer grau um projecto político. Não tenho nenhum tacho a perder, não vejo a curto prazo acabar-se uma mordomia em Estrasburgo.
Mas, se me quisesse envolver, certamente que não construiria à minha volta e com mediatismo um projecto político. Seria sempre colectivo. E claro que nunca eu assumiria um papel de liderança num projecto tão conotado com eleições – as europeias de 2014 – em que precisaria de garantir um emprego de grande gosto e proveito.
Este partido nasce irremediavelmente contaminado com a fulanização. (NOTA – o que tem a vantagem de, mesmo antes de se conhecer bem o que pretende, ser legítimo criticá-lo em função das opiniões de RT). Por isto, sensatamente, disse Ana Benavente que “isto não está suficientemente maduro e não podemos estar aqui só com as nossas decepções. Tornar esta iniciativa como a iniciativa do Rui Tavares fragiliza-a, tem de ser um colectivo mais forte”.
Como escrevi há bastante tempo, RT tem condições muito favoráveis para impulsionar a criação de um novo partido. Como eurodeputado, tem facilidades estruturais e recursos, tem relações internacionais. Em Portugal, tem protagonismo mediático e certamente boa rede de relações com os media, como se vê por estes dias de notícias sobre o seu partido. É pena que não os consiga pôr ao serviço de um projecto colectivo, dialogante, humilde. E, já agora, de esquerda coerente e firme.
RT não vai além da mediocridade, um produto da máquina mediática de fabricação de opinadores. A história da sua saída do grupo europeu de deputados do BE é ridícula. Em qualquer país com alto nível de qualidade intelectual tê-lo-ia destruído. Eu não gostaria nada de ver tal pessoa a engrossar a mediocridade da nossa vida partidária.
A esquerda, e a política em geral, está a precisar de um homem grande, com visão, com sentido da história e do estado, eticamente irrepreensível. Um Cincinato. Obviamente, RT não o é. Só isto me bastaria para não desperdiçar o meu tempo calando-o com estas suas iniciativas, como já foram os seus deploráveis manifestos. Não me calo porque tenho deveres para com toda a gente generosa que está a ir nesta coisa.
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