Daniel Oliveira (DO) publica hoje no Expresso um artigo – “A China vai dar mais um passo, preparem-se para o terramoto” – em que analisa o significado de algumas medidas já conhecidas adoptadas pelo terceiro plenário do 18º Comité Central do Partido Comunista Chinês. O artigo é muito articulado e parece-me, como leigo, ter boa sustentação económica. No entanto, há uma parte, quase de conclusões, que me surpreende. Escreve DO:
“Por mais que me esforce, tenho dificuldade em imaginar a imensa China, multicultural, multirreligiosa e sem qualquer experiência levemente democrática no seu passado, a viver em paz com uma verdadeira democracia pluripartidária e livre nas próximas décadas. Pode ser que a democracia chinesa nasça muito lentamente, como quase tudo naquela imensa nação. Pode ser que viva, durante muitas décadas, em regime semidemocrático. E que isso até se transforme num padrão para todos nós. Não nos é difícil imaginar um capitalismo global construído à custa do enfraquecimento das democracias nacionais. E a esta democracia de baixa intensidade a China até pode adaptar-se com alguma facilidade.
Posso esforçar-me por imaginar que o aumento do consumo na China, o crescimento duma classe média poderosa e os novos padrões culturais que isso trará, mudarão os níveis de exigência democrática e social dos chineses. E que que isso venha a corresponder a um novo impulso à economia mundial e ao começo de uma nova era de esperança.”
O primeiro parágrafo citado parece-me realista, mas suscita-me algumas dúvidas. Como define DO um regime semidemocrático? Não me parece questão de somenos, porque DO admite que seja um padrão para todos nós. DO resigna-se, como inviabilidade histórica, a esse capitalismo global com semidemocracia ou tem alguma perspectiva de luta?
E em que sentido antevê DO que as previstas mudanças sociais na China, segundo ele (classe média poderosa e novos padrões culturais), mudem “os níveis de exigência democrática e social”? Para mais ou para menos? Se para mais, como imagino, isso é indiscutível que a classe média seja mais exigente em relação à democracia? E que classe média? Não tem nada a ver com estrutura de classes, principalmente num país já com décadas de socialismo? É homogénea? Tudo isto me parece uma simplificação perigosa se extrapolada para Portugal.
E em que sentido antevê DO que as previstas mudanças sociais na China, segundo ele (classe média poderosa e novos padrões culturais), mudem “os níveis de exigência democrática e social”? Para mais ou para menos? Se para mais, como imagino, isso é indiscutível que a classe média seja mais exigente em relação à democracia? E que classe média? Não tem nada a ver com estrutura de classes, principalmente num país já com décadas de socialismo? É homogénea? Tudo isto me parece uma simplificação perigosa se extrapolada para Portugal.
Que o desenvolvimento da “economia socialista de mercado”, do mercado interno e da procura na China seja, para DO, sinal de alívio da pressão competitiva chinesa que sofre boa parte da economia mundial, percebe-se. Mas que isto, fora de um quadro muito mais amplo de mudança; e, principalmente que, sem a clarificação do papel da China no movimento mundial – muito enfraquecido – das forças do socialismo, do trabalho, da paz, da solidariedade internacional, isso seja chamado, como DO aparentemente faz, de “nova era de esperança” é que, francamente me ultrapassa.
Repito, posso estar enganado, mas creio que o fez, como aqui refiro, numa perspectiva homogeneizante e esquemática de uma "classe média" inexistente e de forma alguma reduzindo a si a grande diversidade ideológica, cultural, de aspirações sociais, etc., das camadas de pequena burguesia tradicional, pequena burguesia dos serviços, funcionalismo, quadros assalariados, intelectuais desempregados ou precários, etc. Será para justificar uma base social de apoio para uma "unidade de esquerda" capaz de agregar toda uma massa amorfa de "classe média"?
Para quem teve bastante formação marxista, como presumo que foi o caso de DO, é estranho, ou então uma rejeição deliberada.
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