Ia arriscar-me a um exercício perigoso, o de extrapolar os resultados de domingo para uma previsão das legislativas. Em primeiro lugar, muita água vai passar por debaixo das pontes e, inclusivamente, dois pequenos resultados podem vir a sofrer evoluções imprevisíveis. Falo do MPT (repetir-se-á nas legislativas o efeito Marinho e Pinto, então em Estrasburgo?) e do Livre. Em segundo lugar, não é nada fácil transpor os resultados de umas eleições com 66,1% de abstenções para legislativas que, na última edição, tiveram muito menos, 41%.
Uma possibilidade seria a de distribuir essa diferença de 25,1% de abstencionistas proporcionalmente aos resultados dos partidos, domingo. Não é correcto, porque é muito provável que a transferência de partidos para a abstenção tenha sido longe de uniforme. Provavelmente, foi mais forte nos partidos do abusivamente chamado “arco da governação” (melhor é dizer os partidos do memorando) do que nos partidos mais coesos ideologicamente, que fixam mais o seu eleitorado (mais o PCP/CDU e agora o Livre, menos o BE). Também me parece haver maior fluidez entre abstenções e votos brancos e nulos.
Depois desse exercício, senti-me mais tranquilo por ter sido divulgada uma sondagem para as legislativas (se tivessem sido no domingo) que não se afasta consideravelmente (3% no máximo em alguns resultados) das minhas projecções. Essa diferenças são facilmente explicáveis por a sondagem não ter considerado com destaque o fenómeno Marinho e Pinto e por apresentar uma percentagem exorbitante de brancos e nulos (2,5 vezes a percentagem das europeias),
Para o que se segue, vou portanto basear-me nesses dados que calculei: PS – 32,2%; PSD+CDS – 28,5%; CDU – 12,6%; MPT – 5,7%; BE – 4,6%; Livre – 2,2%; outros – 6,7%; brancos e nulos – 7,6%; abstenção (pressupostamente igual a 2011) – 41,0%.
A menos que venha a haver até às legislativas uma situação nova, crítica, estes resultados mostram uma situação política bloqueada, frustrante, que provavelmente só terá expressão de insatisfação em saídas marginais ao sistema partidário estabelecido: abstenção, brancos e nulos ou aparecimento/crescimento de pequenos partidos, por si ou por encosto a figuras com popularidade, à Marinho Pinto (deixo agora de lado a questão do populismo). Ao menos, felizmente, nada faz prever a emergência a curto prazo de partidos fascistas.
O que não parece merecer dúvida é que o “arco troikiano” (também tenho direito a usar a palavra arco…), nestes três anos, perdeu imenso terreno, passando de 80% em 2011 para 59,2%, domingo passado. E somando-se a isto que do arco só a aliança do governo é que se atreve a continuar mais papista do que o papa, já que o PS tem feito um grande esforço para fazer esquecer o seu apoio ao memorando e para apresentar propostas anti-austeridade, mesmo que ambíguas e pouco substanciadas.
O povo está descontente e revoltou-se pelo voto contra esta política troikiana. Mas porque não pela positiva, votando maciçamente na esquerda, e principalmente na esquerda consequente? É preciso ter em conta principalmente dois factores. Primeiro, é sabido que as situações de sofrimento e de empobrecimento, mas também com incerteza, medo e precariedade no trabalho, nem sempre acalentam posições subjectivamente revolucionárias. Se às condições objectivas correspondessem sempre condições subjectivas, seria óptimo e Gramsci não teria precisado de tanto esforço para discorrer sobre isso.
Em segundo lugar, e especificamente a nível nacional, temos uma esquerda radical que sobe sempre nestas situações, de forma significativa, mas nunca de forma a constituir-se, em termos institucionais, como alternativa de poder, não chegando aos 20% de votos (CDU+BE). Para já não falar no seu combate difícil contra alguma noção instilada, ideologicamente e comunicacionalmente, da inutilidade do seu voto, por ser uma esquerda só de protesto, insensata, irresponsável e incapaz de fazer alianças. Para além, claro, da herança de todas as malfeitorias, “se não foste tu foi o teu pai”. Mas não foram ignorantes, insensatos, emotivos no seu protesto os “sans culottes” de 1789?
Dito isto, há outra forma de ver esses 20% da esquerda radical. É que impedem o PS de ter maioria absoluta. Os 32,2% que prevejo para o PS (a tal sondagem da semana passada dá-lhe 29,1%) estão muito longe daquilo que se estima ser, em virtude do método de Hondt, o limiar para maioria absoluta, cerca de 43%. A questão crucial vai ser a das alianças pré ou pós-eleitorais. Que a direita, derrotada, estará disponível para uma aliança de “consenso nacional” com o PS, apadrinhada por Cavaco, é evidente. E o que escolherá o PS? É a discussão essencial, como criar condições para que o PS opte por uma aliança à esquerda. A meu ver, é ilusório, pensar-se que os 11% que faltam ao PS para a maioria absoluta possam ser fornecidos, por exemplo, pelo Livre. E seria a canibalização de um tal aliado.
Mas antes, um outro aspecto pouco discutido. Habituámo-nos a ouvir que ganhar as eleições é ficar em primeiro lugar. Daí que, dizem, para que a direita não continue a governar, é preciso fazer ganhar o PS. Isto pode ter efeitos propagandísticos mas, em termos políticos, para formação do governo, é totalmente errado, em muitos casos. É preciso não esquecer que não é "quem ganha a corrida ganha o prémio todo”, estilo eleições inglesas. E que qualquer governo pode nem sequer iniciar funções se for reprovada uma moção de rejeição do seu programa.
Vejamos os dados que apresentei. O PS não tem maioria absoluta mas, segundo a tradição, é convidado a propor um governo. Não parece lógico que todos os outros partidos se unam para rejeitar um governo dirigido pelo PS. Como nada aconselha, nesta situação política e económica, um governo minoritário, que até provavelmente seria recusado pelo PR, fica a questão de que aliança, como discutiremos a seguir.
Mas admita-se que, dado o quase empate, é o PSD, sozinho ou em coligação, que ganha. Novamente, não tem maioria absoluta, mas não tem outra hipótese para uma aliança que não o PS. Admitamos que o PS não quer, preferindo ficar em águas mornas. Simplesmente, o PS tem de considerar que é certo que o PCP+PEV e o BE apresentariam uma moção de rejeição. O que faria o PS? Abster-se era mais um grande passo para a sua descredibilização. Aprovar só lhe deixaria, logicamente, a alternativa de uma aliança à esquerda. Veja-se, portanto, que, em termos friamente objectivos, “ganhar” o PSD até nem era obrigatoriamente uma desgraça.
Escrevi “ficar o PS em águas mornas”. Foi a actuação e discurso típicos de Seguro durante todo este tempo e viu-se. Olhando só impressionistamente para os resultados e ensaiando algumas hipóteses de transferências, não vejo sinais de ganhos do PS à custa da aliança do governo. As transferências devem ter sido mais complicadas. Por isto, também é complicado, e imprevisível, saber-se onde se vai buscar votos para colmatar a diferença de mais de 25% entre as europeias e as legislativas. O esforço vai ser maior à esquerda-esquerda, sempre menos penalizada pela abstenção e que não deve ter perdido muito nas europeias. Os abstencionistas e os votantes do MPT provavelmente vêm do bloco central. Como se repartirão os que, nas legislativas, voltarem às urnas?
A outra incógnita é a descida do BE. Para onde foram metade dos seus votos (menos, se considerarmos as legislativas e autárquicas)? Em princípio, não é um eleitorado potencialmente abstencionista – embora possam ter engrossado, à “anarca”, os nulos – e não estou a vê-los votar Marinho e Pinto. Mais fácil me parece que tenham ido para o Livre, um partido também tipicamente de jovens intelectuais da pequena burguesia (desculpem o chavão…). Onde é, e como, que o BE pode recuperar? Não me fico por explicações tão superficiais como a direcção bicéfala ou a falta da imagem de Louçã, que também é uma pessoa irritante para muita gente.
Em relação à direita, importa também contar com o seu provável comportamento eleitoralista, como se vê pelo DEO. Muita gente que conheço não pesou muito o aumento do IVA e da TSU, aparentemente pequenas percentagens. Ficaram impressionados foi com os 20% de reposição na função pública e com a redução da contribuição de solidariedade sobre as reformas. Também não viram que muitas coisas no DEO dependem de cortes indefinidos e que a UE tudo fará para apoiar o governo, que também beneficiará da tendência geral europeia de descida das taxas de juro, para cuja causa o governo em nada contribuiu.
De tudo isto, resulta claro que, para uma solução a curto prazo (mas também há outras escalas de tempo, em política – escreverei sobre isto), a situação está bloqueada numa simples alternativa, em que é decisivo o papel pendular do PS: ou se alia à direita ou à esquerda. Não há outra solução, nem sequer a de outros tempos em que se podia pescar à linha cada votação, mesmo com queijos limianos.
E, que me perdoe o Sr de la Palisse, para uma solução de esquerda/centro-esquerda, são indispensáveis tanto o PS como os partidos à sua esquerda (e movimentos ou expressões de intervenção política social). O mal será, como se diz, que “eles não se entendem”? O que significa isto, o que é preciso para que se entendam? Darei a seguir a minha modesta opinião.
NOTA – este texto cai sobre a disponibilização de António Costa para se candidatar a secretário-geral do PS. Vou ficar atento, até porque conheço muito pouco do que pensa António Costa sobre as três questões centrais que abordarei na próxima entrada: o tratado orçamental, a reestruturação da dívida e a política de alianças. Em todo o caso, nestes tempos de política de marketing de imagem e “boa imprensa”, parece-me que Costa é melhor trunfo para o PS. Mas, como não tenho nada a ver com o PS, directamente, fico-me por aqui.
(Imagem – a conjuntura de Poincaré)
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