Começo por comentários factuais, passando amanhã para algumas conjecturas, forçosamente mais sujeitas a alguma subjectividade.
1. Já vai o tempo em que se dizia como coisa indiscutível que não se podia fazer fé nas sondagens. Neste caso das europeias, até se sabe que a sempre esperada grande abstenção retira rigor às sondagens. No entanto, as suas previsões foram bastante credíveis. Numa noite de balanço sobre vitórias e derrotas, as sondagens também ganharam.
2. Não me parece justificar-se surpresa – e talvez nem sequer preocupação excessiva – com a abstenção (65,3%). Vem de acordo com uma tendência de crescimento linear, também nas restantes eleições. Nas últimas europeias, a abstenção foi de 60,1% em 1999, 61,4% em 2004 e 63,3% em 2009. Repare-se que o aumento de 2% entre 2009 e 2015 foi o que já tinha havido entre 2004 e 2009.
Até esperava mais, numa situação em que não há diferenças claras de posição e propostas entre os dois pólos do centrão, ambos europeístas, adeptos das normas da economia europeia estabelecida (por exemplo, o pacto orçamental) e opostos a qualquer dissolução ou saída unilateral da zona euro. Falei com pessoas desta área central, que têm oscilado de voto e que desta vez se iam abster. Talvez o MPT tenha contribuído para levar às urnas alguns desses potenciais abstencionistas.
3. Não esperava os resultados brancos e nulos. Os brancos, considerados normalmente votos conscientes de manifestação de descontentamento geral, desceram 0,3%, de 4,7% para 4,3%. Já os nulos, muitas vezes tidos como de eleitores menos instruídos, que se enganam, subiram substancialmente (tanto quanto se podem comparar pequenas percentagens), 1,1%, de 2% para 3,1%. Talvez o voto nulo esteja a servir para deixar registado (em texto ou desenho) o protesto.
4. Por muito que a desonestidade intelectual da comunicação social de serviço esteja a tentar minimizar a derrota da direita, não há dúvida possível: teve uma derrota clamorosa. Uma queda de 12,4% (31% do seu eleitorado de 2009) e a perda de 3 deputados (em 10) só é “derrota relativa” num país de aldrabões. Até se chega a dizer que foi natural perder por o governo ter sido “obrigado” a governar duro. Claro, pois por isso perdeu. É como o clube que perde o jogo porque jogou mal.
5. Em contrapartida, sendo indiscutível que o PS ganhou, seria de esperar que a vitória tivesse sido muito mais expressiva. Mais 3,8% e mais 1 deputado parece-me muito curto para quem, como se viu em toda a campanha e ainda ontem, pôs todas as fichas na sua validação, desde já, como alternativa para o governo a formar-se em 2015. Creio que, como disse acima, isto reflecte a desconfiança de algum eleitorado do centro, oscilante, em relação à possibilidade de o PS ser uma verdadeira alternativa, tendo em conta a ambiguidade – e até demagogia – das suas propostas, a total falta de carisma de Seguro e o cansaço com um partido tão vicioso e carreirista como os de direita. Também não deve ter atraído eleitores mais à esquerda que, em outros tempos, votavam útil no PS, quando este, por exemplo com Guterres em 1995, foi uma alternativa possível à direita retinta.
6. Porque tem havido essa ambiguidade no centrão, porque tanto se fala num consenso europeu reflectido no “arco de governação” (uma expressão perversa em termos democráticos), também é interessante ver a evolução da votação conjunta dos três partidos que assinaram o memorando. Caíram 7,5%, de 66,7% para 59,2%. Para onde foram estes votos? Discutiremos mais adiante (10).
7. Do PCP/CDU pouco há a dizer: 12,7% (mais 2%) e 3 deputados (mais 1) são indesmentivelmente um resultado notável, mas gostava de salientar um aspecto que ainda não vi focado. O PCP arriscou muito, sendo o único partido a abordar frontalmente a questão do euro, embora de uma forma correcta e inevitavelmente prudente. Talvez tenha perdido votos com isto, até de uma zona de votantes BE em saída deste partido, mas essa eventual perda talvez tenha sido compensada por quem apreciou a coragem política que, com isso, o PCP demonstrou. Permitam-me uma nota pessoal: não sendo eu votante regular na CDU, desta vez foi esta posição sobre o euro que me fez votar.
8. Os números não permitem esconder que o BE está em queda acelerada, perdendo 2 deputados e 6,1% de votos (de 10,7% para 4,6%), 60% do seu eleitorado. Transferências para a CDU? Para a abstenção, de desanimados com a imagem de degradação do partido? Para o Livre? Efeito da mudança na direcção? Não sei, mas certamente que o BE vai ter de reflectir muito a sério. Espero que sim, porque, situando-me numa perspectiva unitária de esquerda consequente, não me agrada nada este resultado, ao contrário do da CDU.
9. A área da esquerda / centro-esquerda consegue 51% dos votos (juntando o Livre), subindo 2% em relação a 2009. Aritmeticamente (infelizmente, não significa politicamente) reforçam-se até as condições para um governo progressista e contra a política de austeridade, com maioria absoluta.
10. O fenómeno Marinho e Pinto ainda terá de ser bem estudado. Confesso que, talvez por ter acompanhado pouco a campanha, nunca me passou pela cabeça. O meu palpite é que os 7,1% de votos do MPT são essencialmente votos de iniciais abstencionistas do centrão. É o sector em que, como vimos, há uma perda equivalente e em que mais se esperava um aumento considerável da abstenção. Note-se que Marinho e Pinto, tanto quanto vi hoje em declarações durante a campanha, focou a sua campanha na crítica à ineficácia, falta de ética e falta de alternativas dos três partidos dessa área. Diga-se também que, ao contrário do que já se diz por toda a parte, não é linear que Marinho e Pinto seja um populista de direita, direita em que costuma situar-se o MPT. Não o vejo adoptar um discurso generalizadamente antipartidos, à Medina Carreira, muito menos antidemocrático. Mas que tem fortes laivos de demagogia e de um justicialismo primário, não me parece haver dúvida. Não creio que seja isto que precisamos e que justifique tão impressivo resultado eleitoral.
11. Apesar de não ter eleito nenhum deputado, justifica-se uma nota sobre o Livre. Os seus 2,2% de votos são um resultado interessante, para um partido jovem (mas ajudado por muito "boa imprensa"), e permitem-lhe um lugar em discussões à esquerda nestes tempos próximos.
Ficam então para amanhã as considerações políticas sobre o que pode ser o nosso futuro, à luz destes resultados – deixando claro que ainda estamos longe das legislativas e muita coisa pode acontecer até lá.
Esta parece-me uma análise lúcida, detalhada, e objectiva. Goste da expressão 'o cansaço com um partido tão vicioso e carreirista como os de direita' aplicada ao PS; é o que eu sinto há muitos anos e nunca tinha encontrado palavras tão precisas para o descrever; é também algo que se tem vindo a acumular, e muito eleitorado que não se distancia do PS ideologicamente, foge dele por essa razão - para a esquerda (PSR, BE, LIVRE), para a abstenção, ou para demagogos como o tão bem identificado Marinho Pinto.
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