terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Vamo-nos entender, gente do mesmo lado!

Por conversas orais ou de mail com amigos muito chegados, sinto que algumas coisas que tenho escrito não estão a ser bem entendidas, culpa minha. Noto que isto também reflete - sem daí vir qualquer mal, antes pelo contrário - alguma diferença de perspetiva entre preocupações, interesses pessoais, experiências, de gente que, afinal, ainda continua bem unida pelo essencial, os valores e ideais com que se formaram e com que morrerão.
Tenho escrito que, hoje, nesta crise e em época de conturbação de um capitalismo até há pouco refastelado, é necessário, para credibilidade, alicerçar o discurso político numa boa base de economia política. Estou convencido de que sim. Por isto, não sendo economista, sinto-me na obrigação de aprender, embora com a diculdade - melhor dito, o desafio - de ter de optar entre um discurso oficial, generalizado, suporte de política conservadora e socialmente injusta, um discurso passado incansavelmente por quase toda a comunicação social; e um discurso económico alternativo. Este, tenho-o lido agora e aprendido muito mais com os economistas e políticos liberais/radicais americanos ou raros europeus (como  o EuroMemo Group ou os “economistas estarrecidos”) do que com os repetitivos políticos tradicionais europeus da esquerda bem pensante, aquela que nos resta, retórica e um pouco diletante.
Tenho aprendido que estamos em muito prisioneiros de um euro moldado na mais estrita visão neoliberal, que nos retirou toda a margem de desvalorização monetária, deixando só a desvalorização interna, isto é, a diminuição do custo do trabalho, a sua desvalorização, já que não pode ser a desvalorização da moeda.
Tenho aprendido, como leigo, com o que me parece boa teoria económica, que a política austeritária e a obsessão com a redução do défice orçamental a todo o preço conduzem a uma espiral de austeridade > recessão > desemprego > maior despesa social e menor receita fiscal > agravamento do défice, donde mais austeridade, etc., com prejuízo do desenvolvimento económico, necessário à resolução do verdadeiro problema, o da dívida.
Tenho aprendido que, do mal o menos, se já estamos assim tão presos pela união monetária, que isso seja compensado por uma união fiscal, orçamental e, logo, mais política, embora com respeito pela diversidade.
Tenho aprendido - como se já não soubesse - que esta União Europeia é feita de egoismos, de falta de solidariedade, de domínio das grandes potências, com destaque para a Alemanha, com os seus “diktats” de política económica e financeira, em boa parte complexo de formiga trabalhadora que passou de grande derrota político-militar para grande vitória económica do marco, mais com a assimilação da parte oriental, coisa que o espaço não me permite discutir agora.
Tenho aprendido, com os fatos, que o neoliberalismo reinante, traduzido nos tratados de Maastricht e de Lisboa, impede a solidariedade total e auxílio aos países em dificuldade (só a custo se tendo adotado medidas de emergência quando a Grécia estava com a corda na garganta, a ameaçar toda a eurolândia), impede os “eurobonds”, exige juros de penalização aos países caídos na necessidade de pedir auxílio; mas, simultaneamente, é de grande benevolência para com os bancos, largamente financiados a juro baixo pelo BCE, juro baixo que até lhes permite o surrealismo de poderem comprar com lucro dívida dos seus próprios países, a dívida pela qual em muito boa parte são responsáveis.
Tenho aprendido que cada vez mais se nota uma divisão - futura secessão? - entre uma união europeia do norte-centro e uma união do sul, com não neglíveis consequências no euro, eventualmente a dar dois euros. Estou convencido de que não é um cenário de ficção. 
Tenho aprendido que será extremamente doloroso mas não impossível que a solução melhor ainda venha a ser o reescalonamento da dívida, mesmo a merecer castigo de todos os “irmãos” europeus e até, no limite, a saída do euro.
Por tudo isto que tenho procurado aprender, tenho pensado e escrito que a política nacional, como sempre a conhecemos, à esquerda ou à direita, está hoje relativamente desvalorizada em relação à política europeia, que a condiciona. Estou convencido de que sim.
Estou convencido de que sim, repito que não por ideia própria, que seria pretensiosimo de leigo, mas porque adiro, como homem de esquerda, a este discurso de economia política alternativo ao discurso oficial e neoliberal.
Com isto, dizem-me amigos queridos que estou a ser catastrofista, teórico ou impolítico. Ser catastrofista ou teórico não é, neste caso, uma etiqueta para ser não convencionalmente político? Pode parecer, por exemplo, que a minha ênfase no plano supranacional é desculpabilizante do(s) nosso(s) governo(s). Nada mais distante do meu pensamento. Ninguém nos obrigou  a entrar na eurolândia com sobrevalorização da nossa moeda e perda de competitividade. Ninguém nos obrigou a endividarmo-nos como estamos. Ninguém nos obrigou, a nós cidadãos, a votar em políticos medíocres, sem visão de Estado, deslumbrados com a sua imagem comprada com o regabofe. Foram os nossos governos, foi a gente em quem votámos.
Simplesmente, o discurso político tradicional, que obviamente também eu partilho, a indignação legítima com a mediocridade e a falta de seriedade do engenheiro, com a traição permanente aos compromissos que parecem distinguir um partido de outro e que, afinal, os irmanam no centrão, descontada a retórica “ad usum populi”, simplesmente tudo isto leva só a uma nova forma de rotativismo em que impera a memória de curto prazo passado, em que se reage contra o governo ter ou não ido ao bolso ao Zé. Lembram-se do resultado das eleições de 2009? Já se sabia o que era aquela gente e mesmo assim votaram, ainda que não tendo renovado a maioria absoluta. O que vai ser em 2011? Dupond ou Dupont?
Obviamente que, pensando em termos políticos tradicionais, eu não quero mais um governo que nos afundou, diga-se em boa justiça que na sequência de outros governos de sinal contrário (contrário?). Eu não quero um governo que segue acarneiradamente a cartilha austeritária. Eu não quero um governo que agrava alegremente a carga fiscal sobre o trabalho mas não sobre as empresas. Eu não quero um governo que se borra de medo perante uma mera ameaça de polichinelo de “deslocalização” do capital. Eu não quero um governo de gente inculta, associal, formada no aparelho partidário sem o sentido da vida, das suas grandezas e misérias, da solidariedade. 
Não querendo este governo, e sendo utópico, vou admitir que, por exemplo o PS, me oferece a perspetiva de um governo saído sei lá de onde do seu aparelho acomodado. Por exemplo, um governo de gente com a generosidade com que se apresenta Manuel Alegre e com as suas preocupações políticas (o que me leva a votar em Alegre, sem reservas - para PR, porque para PM seria diferente...). 

É aqui que vem ao de cima a minha perspetiva das prioridades políticas atuais. O estado social, a esquerda, que precisa de ser redefinida, as terceiras, quartas e quintas vias, a nostalgia da pureza antifascista (honestamente, confesso que também a sinto), as liberdades (que não estão em risco por via da política, antes pela manipulação empresarial dos “media”), os problemas da justiça que sobrerrelevam muitos democratas, bem bom, de formação jurídica, tudo muito bonito, para sessentões, não para os jovens com quem converso. Nada disso serve de muito, porque não é isso, embora importantíssimo, que é hoje essencial. É essencial na nossa memória, não vale muito para o processo histórico, conjugado no futuro. Ou melhor, foi muito importante, mas na sua época e acabou-se. Ou ainda melhor, não se acabou, mas deve ficar na felicidade das memórias pessoais e de grupos de amigos.
“Merda! Sou lúcido.”
Essencial é um governo que corte com a visão austeritária e neoliberal (o que é impossível à escala nacional), que a combata nas discussões europeias, que se bata pela solidariedade ao menos da Europa periférica, que exija que os tratados sejam revistos para permitir um verdadeiro orçamento europeu e uma política de redistribuição internacional, um governo que não tenha medo do desalinhamento, por exemplo à argentina, um governo que não se vergue ao papão dos mercados histéricos que não podem ser ofendidos. 
Desculpem uma nota plebeista. Um governo de gente tesa, que ameace com uma murraça figurada na sargenta alemã ou no polícia francês, que diga desbragadamente que “para desenvolver a economia do meu país preciso de um défice de 10% e que se f*** o PEC”. 

É que me parece que, ao contrário de algum idealismo da esquerda sediada em Estrasburgo, nada virá de democratização global da UE por via do Parlamento Europeu e das respetivas eleições. Apesar da dimensão europeia que estou a privilegiar neste texto (ou por causa dela!), penso, realisticamente, que ela só se conseguirá a nível do Conselho, com uma frente de esquerda nem que seja de poucos países mas com ação coerente e determinada. Conseguir esses governos é tarefa para o voto nacional em legislativas. Já agora, lembrando-me do momento atual, também com um PR que dê apoio a essa ação e que dela faça centro da sua "magistratura de influência" (não falo de magistratura ativa!).
Palpita-me forte que vai haver eleições legislativas este ano. Em que partido vou votar para este tal governo? Que partido vai apresentar um programa moderno, nos termos que defendi acima? Ou vou ter de esperar por ir “a la calle”, como diz um caro amigo? Ou então, mais racionalmente, tentar passar a mensagem parafraseada “Esquerdas de todos os países, uni-vos!” 
Nota - tentando cingir-me ao essencial, omiti qualquer referência a uma coisa hipócrita que tenho visto divulgada: “a culpa é do portuguezinho que desde há muitos anos vive e se endivida acima das suas posses”. Porque é que ele se endivida? “Linda vida, linda vida", diz-lhe toda a comunicação social carlos-castriana, que lhe entra em casa. “Compra, compra”, diziam-lhe os bancos a impingir-lhe o crédito fácil. Mais responsáveis seriam os da minha classe, mais instruídos, que devíamos ter percebido a necessidade de poupança. Mas digo “seriam”, não digo “são”, porque entendo que é muito mais importante a responsabilidade ou culpa do sistema político e económico, dos interesses instalados, do que a responsabilidade individual, afinal reflexo da responsabilidade sistemática.


P. S. (18:43) - "Amor com amor se paga". Deixei referência a este "post" num comentário a um imperdível "post" de J. M. Correia Pinto, "Prós e contras - as limitações de um debate". "Les bons esprits se rencontrent".

1 comentário:

  1. Bom post! Tenho que estudar economia política para ver se saio de la calle e me conformo com a inevitabilidade de tentar encontrar um remédio dentro do sistema.
    Tem que ser mas custa, confesso. Para quem formou os seus ideais nos anos 60 e 70 é doloroso ter de jogar tão à defesa.
    Certamente por isso é que eu gosto tanto do futebol inglês.
    V

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