sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A reestruturação da dívida

Repito o que escrevi logo no primeiro “post” deste blogue: não creio que haja compreensão da política atual, na globalização, na Europa do euro, mesmo a nível nacional, muito mais ação política, que dispense uma base sólida de conhecimento e reflexão sobre economia política. Hoje, lembrando a célebre "boutade" de Clinton, “it’s the economy, stupid!”.
Na coluna ao lado, chamo a atenção para um sítio importante, “Os economistas estarrecidos”. Um último texto, de D. Plihon, interroga-nos sobre a necessidade de reestruturação das dívidas soberanas europeias. Reeestruturação quer dizer uma ou mais destas coisas: adiamento do prazo de cumprimento, redução dos juros, redução da própria dívida.
Em primeiro lugar, o estudo considera a questão ética (a economia não tem ética? Mas a economia também não é política? E a política não é ética?) de que a dívida é ilegítima, que se deve em muito à transferência para os cidadãos, como dívida pública, da dívida privada dos bancos, que foram os grandes responsáveis da crise (lembre-se o "supbrime" americano, a bolha irlandesa, as caixas espanholas e também o “gasta, gasta” com que os bancos portugueses massacraram o homem comum).
Em segundo lugar, tenta demonstrar que experiências anteriores de reestruturação da dívida, em particular na América latina, não tiveram os efeitos catastróficos que os economistas alinhados com o poder global têm anunciado, sempre com base no temor reverencial em relação ao nervosismo dos mercados.
Em terceiro lugar, a desmontagem de outro argumento alarmista, de que a reestruturação leva diretamente a tais prejuizos dos bancos credores que ameaçam uma nova crise do sistema financeiro, logo o ciclo vicioso de passagem da dívida privada a dívida pública, défice orçamental, austeridade, etc. A tese deste estudo é de que, de facto, os bancos, com a taxa de juros sobre a dívida soberana, já estão a compensar os riscos futuros da reestruturação.
O estudo refere repetidamente o caso da Islândia. Saíu da crise, sem FMI, após um referendo votado esmagadoramente, em que se decidiu não cobrir o prejuizo dos bancos, nacionalizá-los, desvalorizar a moeda, reestruturar a dívida. Porque não na Grécia, na Irlanda e provavelmente, um dia destes, em Portugal? Porque os islandeses são gente tesa, porque têm a sua moeda e não estão na zona euro e porque não têm de se submeter ao Big Brother que é hoje esta nuvem pesada mas indefinível que é o “consenso europeu” em economia, como se não bastasse o “consenso de Washington”.
P. S. - Acho ótimo que cada vez mais blogues refiram o sítio dos “Economistes atterrés”. Só não concordo com a tradução, a meu ver errada, para economistas aterrados ou aterrorizados. São termos que evocam algum derrotismo, medo, paralisia. "Atterrés" deve ser traduzido como estarrecidos, horrorizados. É o que se lê em qualquer bom dicionário. Da mesma forma, se passarmos primeiro pelo inglês, dá-nos “aghast”, “horrified”, etc. São termos que evocam desejo de resposta motivada pela indignação, pela rejeição intensa. É muito diferente de “aterrado” ou “aterrorizado”, que é quase ofensivo para esses amigos economistas. 

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