segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Presidenciais 2011 - I

Sobre as presidenciais, gostaria de não ter de falar dos casos periféricos, BPN e BPP. Não é que sejam irrelevantes, muito pelo contrário (embora muito diferentes os dois, como direi adiante). É que a minha preguiça bloguística, escrevendo só quando calha e sem a pressão da presença constante na net, desatualiza-me facilmente. Tendo quase tudo sido dito, só algumas notas soltas.

Começo, dando de barato, por coisa que me horroriza, o pequeno truque de desonestidade intelectual: “nunca tive ações do BPN”, afirmado repetidamente até já não ser só o rabo do gato a estar de fora. Claro que não teve, teve foi da SLN, proprietária a 100% do BPN. Em termos psiquiátricos, como escrevi há dias, seria um raciocínio periférico, esquizoide. Em termos políticos, dito por quem não é doente, é pura e simples aldrabice. Ou melhor, talvez mais certo e a meio caminho, é coisa de uma personagem desviante, arrogante, egocentrista, que nunca se engana e que considera que todos os circunstantes são estúpidos.

Vimos pelo último trabalho do Expresso, que merece elogio, que afinal, como manda o bom rigor de raciocínio e de numeracia, um lucro excessivo, sendo relação de dois valores, neste caso compra e venda, tanto pode depender de um como de outro, ao contrário do que pensavam aqueles que se deixaram enredar no momento venda, afinal a preço que os cavaquistas vieram demonstrar que era corrente.

Mesmo assim, em relação à venda, fica ainda por explicar uma coisa estranha. Cavaco afirma que tudo o que fez foi escrever a tal carta de pedido de venda, desconhecendo a sua sequência. Ou está a gozar com o pagode ou é uma aberração de economista, de homem com sentido prático, de pessoa sensata e prudente como deve ser um PR. Se alguém tem cerca de 100.000 ações, fora as da filha, com valor mínimo de 100.000 euros (a preço de compra), não se interessa minimamente pelo preço pelo qual as vai vender? Manda vender às cegas? Não combinou nada? E porque vende, sem mais, mantendo afinal o dinheiro numa aplicação com o rendimento fabuloso do BPN, mas sem o ónus da situação de acionista, proprietário e co-responsável? “Inside information”, informação privilegiada?

Não é legítimo pensar-se que, quanto a isto, Cavaco está a omitir a verdade ou a esconder-se, o que não fica bem a um PR? Que também já foi muito elástico com a verdade sobre as escutas, lembre-se.

E então a compra? Começa pela coisa inconcebível de todos os já acionistas (Cavaco não era) terem de comprar as novas ações a 1,8 € e o inefável presidente do banco as comprar a 1 €, quase metade. E até o outro quadrilheiro, Dias Loureiro, como novo acionista de então, teve de as comprar a 2,2 €. Como é que o Capone do BPN passou a Cavaco ações ao seu preço privilegiado? Não é favor? E claro que não pelos bonitos olhos de Cavaco ou pelos seus méritos académicos. E alguém me convence de que Cavaco, reputado financeiro, investe aquele montante, afinal não negligível, na subscrição de novas ações da SLN sem conhecer a decisão de aumento de capital da sua assembleia geral e os respetivos termos?

Há quem tenha escrito que, nos EUA, tudo isto teria efeitos devastadores sobre a candidatura. É verdade. Como é bem sabido, o individualismo tradicional americano, produto complexo da reforma, da resistência às perseguições religiosas europeias, do puritanismo, mais coisas tão antigas como a importância da vida privada nas sociedades bárbaras do norte, contra o público da vida romana (mas conjugando as públicas virtudes com os vícios privados), mais o desenvolvimento mental dessa coisa tão simples que foi a obrigação de LER a bíblia, e com a imprensa, esse individualismo, dizia, tem como consequência um sistema político-partidário muito diferente. A definição identitária dos partidos é vaga e pesa muito a imagem do candidato, com a questão de muito bom senso de “como é que um tipo destes, com este caráter, nos vai governar?”. Claro que isto vai a extremos que entre nós são impensáveis, como ser aspeto político importante saber se o dito cujo deu ou não uma facada no matrimónio. No entanto, vendo bem as coisas, enganar e mentir à mulher é muito diferente de mentir ao eleitor?

Em Portugal, receio bem que toda esta história de Cavaco e do BPN, perdão, da SLN, não lhe tire nem lhe acrescente um voto. Pior, para muita gente, aumentará o “desgosto da política” e fortalecerá, larvar mas perigosamente, a abstenção. Pior ainda, se calhar até despertará aquela coisa bem portuguesa que é a inveja afinal quase de admiração pelo malandro que consegue o que o Zé não consegue, aforrar-se sem muito trabalho, sonho de todo o tuga que não teve a sorte de nascer com o cu para a lua.

Não quero terminar esta nota, apesar de já ir extensa, sem o dever de imparcialidade de, sendo apoiante oficial de Alegre, comentar brevemente o seu caso, levantado pela campanha cavacal mas já antes sibilinamente referido, em alusão a telhados de vidro, por Fernando Nobre que, obviamente!..., nem podia desconfiar de que alguém na campanha de Cavaco ia suscitar essa coisa da publicidade ao BPP.
 
É claro que não há comparação. No caso de Alegre, é um amendoim de 1500 €, ao que julgo saber, sem qualquer relação política por detrás, sem favorecimentos, sem coisas lastimáveis de provável “inside information”. A tentativa de alguma (quase toda) a comunicação social de apanhar Alegre em “trapalhices” de explicação é patética. Eu lembro-me cá se a universidade X, de que eu era consultor, me pagou há dez anos um trabalho em cheque ou por transferência, se o levantei ou não ou se, tendo cancelado o contrato (e até o fiz uma vez) se devolvi o dinheiro em cheque ou por transferência. Diferente é admirar-me com a ingenuidade de Alegre, ao pensar - e creio que sinceramente, como o atesta o então subdiretor do Expresso - que nada havia ali de publicidade, que um banco, por intermédio de uma agência de marketing, lhe encomendava, mecenaticamente, duas páginas de “um texto literário”. Para a biblioteca do banco? Alegre, voto em si em boa parte porque é poeta, mas com esta história, está a ultrapassar bastante o grau de poesia que gosto de ver, comedidamente, num político.

Declaração de interesses - Faço parte da comissão de apoio à candidatura de Manuel Alegre.

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