quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Não há almoços grátis

Desde há dias que se falava num amolecimento da dureza económico-conservadora da Alemanha e seus amigos (Holanda, Áustria, Finlândia) na reunião de ontem dos ministros das finanças. Parece que sim, em algumas coisas bem importantes, mas reduzidas quase que apenas ao reforço do fundo de socorro, ou de estabilidade financeira do euro (EFSF), a estabilidade que faz insónias aos que, na criação do euro, não pensaram no que isto exigia. Reforço do fundo, bom almoço, mas não há almoços grátis.
Porque, depois, as más notícias. Berlim, sempre Berlim, exige, como contrapartida, muito maior espartilho no controlo do défice pelos países “irresponsáveis”. "Queremos um pacote abrangente e isto significa, naturalmente, além das medidas de curto prazo, uma melhoria do pacto de estabilidade e crescimento e da coordenação económica" dos países europeus, disse ontem o ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble. O que significa “coordenação económica”? Que grande conversa que isto daria.
A Alemanha continua a opor-se intransigentemente ao lançamento de títulos de dívida europeus (“eurobonds”) e à compra de títulos de dívida soberana no mercado secundário pelo EFSF em substituição do Banco Central Europeu (coisa que o BCE tem feito bem, mas contra os tratados). 
Os 4.6% de défice orçamental anunciados pelo governo português, com os sacrifícios que conhecemos, já não são suficientes. Desta vez, nem foram alemães a dizer, foi o ministro belga. Segundo o Público de hoje, "há uma grande especulação sobre se há meios suficientes [no EFSF] para ajudar Portugal e sobre o que acontece se outros países seguirem o mesmo caminho” (…) "isto só tem sentido se se acelerar a consolidação dos nossos orçamentos". E também: "O que precisamos agora é que os países com défices elevados ultrapassem as expectativas do mercado", confirmou o ministro sueco, Anders Borg, defendendo que a falta de disciplina orçamental "é a principal causa" da especulação.
Alguém já provou sem margem para dúvida que o problema principal é o défice orçamental? Qual é o défice dos EUA e dos BRIC, que estão a sair por cima da crise em que estamos afogados? Mas a pressão sobre o nosso défice é irresistível e certamente que, ainda este ano, virá um novo PEC, acordado entre todos os serventuários do capital, governo e “oposição” de direita.
Referi a Alemanha e seus vassalos. Disseram-me já mais do que um amigo, parece que é opinião a valer por aí, que esses centro-nortenhos são gente ajuizada e que não regabofaram como nós e outros periféricos sulistas, não têm de pagar os nossos desvarios. Afinal, os nossos desvarios não teriam sido possíveis, na eurolândia, sem movimentos de capital/crédito dos ajuizados para os irresponsáveis. Não teriam sido possíveis se não tivéssemos continuado a manter a perspetiva do estado social, mesmo com muita erosão, em vez de seguirmos a política de desvalorização interna, dos custos laborais, em que assenta a competitividade externa da Alemanha e seus seguidores.
Nota - Insisto em que tenho o sentido de modéstia intelectual do desconforto de, não sendo economista, achar que a economia política é hoje o centro do discurso político. Por isto, estou pronto a aceitar que escritos como este sejam asneira tecnicamente infundada. Mas sou cidadão, político, eleitor, e não me limito a aceitar opiniões de especialistas de serviço, neste caso economistas, principalmente quando vejo que o seu discurso tem muito mais de ideológico que de científico.
Volto a dizer: nas próximas eleições, claro que vou pensar muito no que o governo vai fazer em S. Bento, mas vou pensar muito mais no que o governo vai fazer em Bruxelas.

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