sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Presidenciais 2011 - II

Isabel Soares deu abertamente a cara por Fernando Nobre. Nada de mal, está no seu direito, se não se conhecer como funciona o clã Soares/Barroso, como eu conheci pelos variados membros do clã com que lidei nos meus tempos idos de dirigente associativo. Ninguém ali pia sem a luz verde emanada do gigantesco, falstaffiano umbigo do patriarca. Não há Unitas e marfins sem o patriarca, não há apoios a Nobre sem a vénia ao patológico rancor de que só Soares é capaz.

Nobre diz que os outros são todos políticos, coisa naturalmente condenável, e que só ele não é. “Nobre said so and Nobre is a honorable man”, parafraseando Marco António. Nobre disse isto, e Nobre é um homem honrado. Nobre diz que tem um percurso nobre e desinteressado de vida, só ele. Nobre disse isto, e Nobre é um homem honrado. Nobre só ataca Alegre e acha que ele está a enganar os portugueses com a hipótese de uma segunda volta. Nobre disse isto, e Nobre é um homem honrado. Nobre disse que Alegre tinha telhados de vidro na véspera de a campanha de Cavaco vir com o caso do texto publicitário. Nobre disse isto, e Nobre é um homem honrado.

Nobre, o homem honrado, apresenta-se como o homem do mundo da generosidade, da filantropia, o que vai aos sítíos da desgraça e do perigo. No limite, parece que vive de maná e da graça divina pela sua bem-aventurança. Até deixa pairar a ideia - como fez hoje junto de estudantes algarvios - de que o que faz é voluntariado. Deixa com isto os opositores ou os céticos, como eu, em má posição, porque não o podemos acusar de nada mas também sabemos o suficiente para não engolir à força tão duvidosa fruta bichada. Madre Teresa de Calcutá houve uma e parece que tinha pecados.

A AMI de Nobre é uma das mais paradigmáticas ONG, na área da saúde. Conheci-as bem, há anos, quando lidei com elas, no âmbito da cooperação para a saúde. Claro que, como em tudo, há de tudo. Logo à partida, acho espantoso que Nobre se apresente como não político. Ser-se dirigente de uma ONG é tarefa da maior exigência política, para se conseguir posições, financiamentos, favores de - e a - governos africanos, por exemplo. É todo um enorme trabalho de bastidores. Muitas vezes, do pior que tem a política, isto é, as negociatas, o tráfico de influências, a opacidade. E não é por acaso que me vem logo à cabeça o tal clã e Angola, sem prejuízo de haver outros tantos clãs igualmente envolvidos com o outro lado angolano (ai, meus velhos amigos da Casa dos Estudantes do Império, dos ideais, da "pureza", onde estais?).

Também é uma profissão, como qualquer outra. Perigosa? Talvez, como ser polícia ou bombeiro. Mas bem paga. Nenhum dirigente de ONG anda a ir à sopa dos pobres. No caso de Nobre, ele até diz com tocante “ingenuidade” que a AMI é uma instituição familiar, de que vivem filhos, irmãos e sobrinhos. A senhora da Abraço ganha muito mais do que muitos profissionais de saúde verdadeiramente expostos aos riscos e à pressão de lidar com os infetados. Um professor com variadas ações “humanitárias” viradas para a saúde em África ostenta uma situação óbvia do que as Finanças chamam nível de vida acima dos rendimentos (mas que não perseguem eficazmente). Um outro com que lidei em tempos ainda hoje vive principescamente de intermediar projetos entre financiadores internacionais e executantes universitários portugueses "pateticamente" (mas excelentemente) motivados por causas nobres e que não vêem nada de palpável do seu esforço romântico.

A culpa também é dos países e instituições dadoras. Basta-lhes a propaganda e as estatísticas, o registo do dinheiro que se dá. Cinicamente, sabem muito bem, e não se ralam, que esse dinheiro, em grande parte, escorre como areia entre os dedos da mão.

P. S. - 15.1.2011. Vem hoje no Público, no relato do dia de campanha de Nobre, ontem: "num discurso em que se comparou a Martin Luther King, Gandhi e Nelson Mandela". Não quero acreditar! Ao menos Alegre ainda não se comparou a Camões e, vamos lá, Cavaco a Adam Smith.

Declaração de interesses - Faço parte da comissão de apoio à candidatura de Manuel Alegre.

1 comentário:

  1. Nobre, que, segundo ele próprio, abdicou de ser considerado "um heroi" (sic) para se candidatar à presidência da república.
    Não é meramente patético. É jactância imbecil dum ambicioso sem escrúpulos.
    V

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