quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Escrever à esquerda, hoje

Recomeço esta escrita bloguística no início de um ano que promete muito pouco. E que vai ser, palpita-me, o primeiro de um ciclo de anos “en la calle”, novo ciclo de 1848. Por isto, um enorme desafio à esquerda, que entre nós - veja-se o tom do debate presidencial - continua a ter um discurso tradicional. Veja-se a quantidade de gente do meu tempo que anda a escrever posts em blogues no mais velho estilo de política retórica. Ainda não perceberam que hoje o discurso político domina bem a economia política ou não tem credibilidade contra esse horroroso emprenhamento pelos ouvidos que os "economistas" de serviço estão a fazer? E não se pede muito, ao menos que façam "bookmark" para leitura frequente de Krugman, Stiglitz e Roubibni. São só três, não dá muito trabalho ler. Já agora, em português, também o imperdível Ladrões de bicicletas e os frequentes textos de economia política no Politeia.
Como exemplo, começo por reproduzir uma mensagem que enviei há dias a amigos, enquanto o meu sítio estava fechado para obras.
Veio há dias no Público:
“Agora, é sobretudo Portugal, e de certo modo a Espanha, que está a suscitar o nervosismo dos investidores. (…) A dúvida, agora, já não é saber se Portugal fará o mesmo, mas quando.”
Já escrevi a protestar contra esta intoxicação do nervosismo. O mercado não é nenhuma menina recém-púbere, nervosa, porventura histérica. Não há qualquer nervosismo dos mercados, donde,  não há que acalmar os mercados. Os mercados são feitos por pessoas, altamente treinadas na gestão da finança, gananciosos, frios, calculistas, Gordon Gekko, os tais que destroem a economia real para se alimentarem da economia virtual, como o Lehman Brothers aconselhava aos seus clientes a compra de títulos que o próprio banco levava à falência, para ganhar com os “credit default swaps” (CDS). São predadores, lobos de olhar frio.
Toda a comunicação social está cheia de vigaristas que nos assustam com este nervosismo aparentemente incontrolável, porque “emotivo primário”. “Não se pode fazer nada, é o mercado”. Também Cavaco aconselha a que não se ofenda os credores, coitados, podem entrar em crise de nervos. Até os nossos pequeninos banqueiros também podem entrar em crise de nervos, com consequências apocalípticas, se nós contribuintes não apoiarmos o nosso governo na injeção de fortunas para os salvar da bancarrota, inteira culpa deles, para depois voltarem logo ao ciclo do crédito fácil / endividamento bancário / endividamente privado / falta de cumprimento privado / risco de falência, em que têm vivido desde há uma década.
Não gosto que me tomem por parvo.
O que está aqui em causa, nesta enorme coligação de mediocridade e cobardia política, de submissão aos poderosos - desde os banqueiros a nível local até à chancelerina a nível europeu - é pura e simples aldrabice descarada, em que tudo o que há de pior na qualidade intelectual e ética se mistura: falta de sentido ético e da solidariedade social, conservadorismo, interesses pessoais e grupais, deslumbramento com a riqueza, mentalidade de escudeiro (à Gil Vicente), falta de rigor e de profundidade de pensamento, ir com a moda, cobardia, chico-espertismo.
Afinal, segundo Helena Matos, tudo vícios que os da minha geração, de 60, instilaram neste país, parece que principalmente por via maçónica (por via templária teria mais panache e por via gay seria mais à la page...). Bem bom que a Argentina não teve essa geração de 60, nem a geração que lutou a seguir e morreu aos milhares contra a ditadura militar, até acabar no enorme murro na mesa da economia dado por Kirchner, que mandou às malvas a paridade com o dólar (equivalente à nossa prisão no euro) e reescalonou a dívida. E também podíamos falar de Lula. Mas há algum Kirchner ou algum Lula em quem eu possa votar em Portugal?
P. S. - No dia seguinte, outra pérola: "Primeiro, há um problema urgentíssimo que é o problema financeiro do país e que passa pela entrada do FMI que ponha as contas na ordem e faça Portugal "entrar nos eixos". Depois, há um problema económico nacional com consequências sociais a prazo e que passa, mais uma vez, pelo FMI. Seria necessário um aval do FMI que permita, com sossego, arrumar a casa durante quatro a seis anos."
Quando toda a gente sabe o custo da vinda do FMI, quando os próprios responsáveis políticos se esforçam por garantir, mentindo, que vamos resolver-nos sem o FMI, há um maluco tão convencido de si e com tão pouco sentido auto-crítico que se baba de desejo pela vinda do FMI. Quem será? Medina Carreira, obviamente! E não o podem calar…

2 comentários:

  1. marceloribeiro@netcabo.pt7 de janeiro de 2011 às 19:36

    Finalmente reconheces que um blog é mais fácil.
    Vai ser bom comentar-te

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  2. Obrigado JVC pela referência. Bom regresso. Reconheço todavia que um blogue pode ser para o seu autor uma espécie de prisão e às vezes há mesmo que parar, sem promessa de regressar nem de não regressar, para retemperar forças, fugir à repetição e readquirir novas energias..
    abraço
    CP

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