segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A escolha de Cavaco

Já tanto se anda aí a discutir sobre o vencimento/reforma de Cavaco que só me resta assinar o ponto. Desde logo, recordar que não se trata de “gesto largo, transbordante, (…) de parvo nem romancista russo, aplicado,  E romantismo, sim, mas devagar…”. É mero cumprimento da lei.
Até ao ano passado, ou o vencimento e um terço das reformas, ou vice-versa. Curiosamente, creio que ninguém sabe o que Cavaco escolheu durante o primeiro mandato. Agora, a lei obriga-o a escolher pura e simplesmente ou uma coisa ou outra. É óbvio que o total das reformas é mais vantajoso.
Mais uma vez, o Cavaco homem, ninguém nega que com direito aos seus interesses pessoais, sobreleva o Cavaco político, muito mais o Cavaco “histórico”. Escolheu como homem vulgar, e está no seu direito. Mas esqueceu que o vencimento do presidente da Republica é um referencial, até está a ser cada vez mais discutido como limite para o salário dos gestores públicos. Considerando que é melhor receber as reformas, desvalorizou completamente essa referência.
Procedeu como o Cavaco dos negócios com o BPN, mais uma vez sem qualquer ilegalidade, mas sem a nobreza ética do homem de estado, do homem potencialmente a ficar na história, como se desejaria que ficassem todos os nossos chefes de Estado. Ele hoje não é só o Cavaco homem privado, é o Presidente da República portuguesa. Como soube ser Eanes, quando até já nem era presidente, na altura em que recusou o que lhe deviam.

A responsabilidade pela dívida

Enquanto escrevo, ouço Paulo Portas, a desafiar-me a desmentido que me torce um pouco. Porque me vão dizer que estou a defender Sócrates, coisa que me deixa agoniado. No entanto, sou amigo de Platão, mas mais amigo da verdade. Neste caso, diria, inimigo de Sócrates, mas mais amigo da verdade. Desavergonhadamente, PP acusa o atual governo de ser o responsável pela dívida, ainda por cima misturando dívida pública e dívida privada. Não é verdade. Desde os governos Cavaco, passando por Guterres, pelas coligações PSD-CDS (os submarinos!), todos os governos alimentaram alegremente a dívida. E fizeram-no em alegre aliança, atenta, veneradora e obrigada, com a banca. E permitindo que a taxa de aumento do endividamento da banca, nos últimos 10 anos, tenha sido sensivelmente o dobro da do aumento da dívida pública.
O euro deu aos governos e aos agentes económicos uma almofada de aparente segurança, quanto ao crédito e às taxas de juro, sem que, com raríssimas exceções, se tenha visto o outro lado da moeda, o da sobrevalorização, da perda de competitividade, a juntar-se à desproteção - quando não à destruição - do sistema produtivo, com destaque para a agricultura (a PAC) e as pescas. O capital fundiário e industrial foi derrotado pelo capital financeiro. Ou é preciso lembrar o que toda a gente sabe, mesmo sem os números na ponta da língua? Os maiores lucros são os da banca, os menores impostos sobre as empresas são os da banca. 
Entretanto, como aqui já disse e redisse, há muita gente que me confrange quando, apesar de gente comum, que vive do seu trabalho, engole e se penitencia com a conversa de que a culpa é dos “portugueses” (o que é isto, em termos económico-políticos? não sei) que vivem acima das posses, que não são ovinamente disciplinados como os alemães que, nos últimos 10 anos, aceitaram sem protesto a degradação do valor real dos seus salários e das prestações sociais (a “desvalorização interna”). 
É verdade, mas só parcialmente verdade. O crédito e o endividamento têm sido impostos pela banca ao homem comum da forma mais agressiva. Isto é elementar: a banca só lucra a emprestar, para isto tem de se endividar, e endivida-se no estrangeiro, para ter fundos para emprestar ao Zé doméstico, a chamada dívida das famílias. Afinal, a dívida das famílias é, em última instância, dívida da banca. Quando recebo comentários de leitores meus que prezo mas que me acusam de diabolizar a banca, fico transido. Desculpem, mas não andam a pensar economia política, não percebem o que é hoje o capital financeiro, coisa aberrante que cria “riqueza” (isto é, enriquecimento pessoal dos especuladores) sem criar riqueza real, isto é, produção, acumulação de bens. O capitalismo, hoje, é um jogo virtual. Se não se perceber isto, merece-se o aviso de Clinton, “it’s the economy, stupid!”
É verdade que, ao contrário da Espanha (a bolha imobiliária e as caixas) e principalmente da Irlanda, da necessidade (?) de resgatar a banca, de não a deixar ir à falência - como os islandeses tiveram a coragem de fazer, sob a forma da nacionalização (que horror, nacionalizações, já chegámos ao 25 de Abril?) - não houve em Portugal uma crise de ameaça de falência da banca (exceto os casos de polícia do BPN e do BPP, mesmo assim tratados com total subserviência pelo governo). Mas fica a lição perversa do papel da banca nesta crise.
Os bancos foram os causadores primários da crise, nos EUA, também na Europa. Sopraram as “bolhas”, não conseguiram evitar que elas rebentassem, como rebentam todas as bolas de sabão. Os governos do “consenso de Washington”, agora “consenso de Berlim-Bruxelas”, tremeram com o risco de derrocada do sistema do capital financeiro. Tremeram também nas suas relações ideológicas, de afinidades, de projeção psicológica, de promiscuidade de financiamento partidário, de negócios privados, com os banqueiros. Isto tem tanta força que, há tempos, me dizia alguém, que sei que tem sentido crítico, que vive estritamente do seu ordenado, mas que, conversando casualmente, em breve encontro, com um dos principais banqueiros portugueses, tinha logo visto que ele era “um grande senhor”. “O charme discreto da burguesia”.
Para não falirem e implodirem todo o sistema económico (que sistema?), os bancos foram financiados desmesuradamente pelos estados, isto é, pelos contribuintes. Só na Irlanda, isto fez subir o défice orçamental para cima de 30%. Entretanto, estes bancos refinanciados, com o seu poder recuperado, estão a jogar nos tais “mercados nervosos” pondo em risco a dívida dos estados que os salvaram. E a influenciarem, pelo menos ideologicamente, as agências de “rating”, bem como todos os amigos do enorme clube FMI-Bruxelas-BCE-Davos, etc. E, como vimos em Portugal, nas vésperas da discussão do OE 2011, se mostrarem ufanos em visita aos veneradores primeiro ministro e ministro das Finanças, a quem foram dar “conselhos”.
Chega-se à coisa obscena de, em Davos, há dias, ter havido um coro de banqueiros a protestar, como relatado pelo Finantial Times: “Os governos de todo o mundo devem fazer parar a culpabilização dos bancos, acabar de nos atirarem paus e pedras e criar o ambiente adequado para que os emprestadores apoiem o desenvolvimento económico”. Que mais ambiente querem?

P. S. (23:50) - Aqui está um bom exemplo do que escrevi acima, dado pela governadora do Banco de Portugal, Teodora Cardoso, segundo o Público“Fomos adiando e adiando, agora temos de mudar de vida”. "Fomos", "temos", quem é esta 1ª pessoa do plural? O Governo? Este ou os anteriores? Salgado, Ulrich, etc.? Constâncio, Teodora Cardoso e seus colegas que falharam na supervisão? Amorim, Belmiro, Soares Santos, os homens das empresas não financeiras? Eu? Tu, tu e tu, meus leitores? O meu vizinho que comprou casa como a minha quando ganhava metade do que eu ganho mas a quem o bancário telefonava hora a hora? O jovem licenciado que, cansado de não arranjar emprego compatível, se meteu em esquemas e não cobra IVA na consulta ao desbarato? Estou farto da superioridade sobranceira e arrogante de Teodoras bem instaladas.


P. S. (2.2.2011) - Leio hoje um texto de João Rodrigues em que se refere ao "consenso de Bruxelas". Usei a expressão, acima, sem conhecer o seu uso por João Rodrigues, ou tê-lo-ia citado. Coincidência, e coincidência agradável, tanto mais que, como tenho dito, sou leigo em economia. Isto não me impede é de estudar e refletir.

domingo, 30 de janeiro de 2011

"À la calle!"

Como internacionalista, há dias fui tunisino, hoje sou egípcio. Palpita-me que mais dia menos dia, serei jordano, argelino, iemenita, marroquino, sei lá que mais (será que líbio?). E, se os meus povos mais chegados se zangarem mesmo a sério com o "consenso de Bruxelas", serei europeu mesmo a sério.

Nota - Ouço uma portuguesa residente no Cairo dizer convictamente que toda a gente na rua está a mando do governo, para este ter pretexto de impor o poder militar. Tão fiéis ao governo e a essa sua manobra que já morreram para cima de setenta. A imaginação política dessa senhora é um espanto.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A reestruturação da dívida

Repito o que escrevi logo no primeiro “post” deste blogue: não creio que haja compreensão da política atual, na globalização, na Europa do euro, mesmo a nível nacional, muito mais ação política, que dispense uma base sólida de conhecimento e reflexão sobre economia política. Hoje, lembrando a célebre "boutade" de Clinton, “it’s the economy, stupid!”.
Na coluna ao lado, chamo a atenção para um sítio importante, “Os economistas estarrecidos”. Um último texto, de D. Plihon, interroga-nos sobre a necessidade de reestruturação das dívidas soberanas europeias. Reeestruturação quer dizer uma ou mais destas coisas: adiamento do prazo de cumprimento, redução dos juros, redução da própria dívida.
Em primeiro lugar, o estudo considera a questão ética (a economia não tem ética? Mas a economia também não é política? E a política não é ética?) de que a dívida é ilegítima, que se deve em muito à transferência para os cidadãos, como dívida pública, da dívida privada dos bancos, que foram os grandes responsáveis da crise (lembre-se o "supbrime" americano, a bolha irlandesa, as caixas espanholas e também o “gasta, gasta” com que os bancos portugueses massacraram o homem comum).
Em segundo lugar, tenta demonstrar que experiências anteriores de reestruturação da dívida, em particular na América latina, não tiveram os efeitos catastróficos que os economistas alinhados com o poder global têm anunciado, sempre com base no temor reverencial em relação ao nervosismo dos mercados.
Em terceiro lugar, a desmontagem de outro argumento alarmista, de que a reestruturação leva diretamente a tais prejuizos dos bancos credores que ameaçam uma nova crise do sistema financeiro, logo o ciclo vicioso de passagem da dívida privada a dívida pública, défice orçamental, austeridade, etc. A tese deste estudo é de que, de facto, os bancos, com a taxa de juros sobre a dívida soberana, já estão a compensar os riscos futuros da reestruturação.
O estudo refere repetidamente o caso da Islândia. Saíu da crise, sem FMI, após um referendo votado esmagadoramente, em que se decidiu não cobrir o prejuizo dos bancos, nacionalizá-los, desvalorizar a moeda, reestruturar a dívida. Porque não na Grécia, na Irlanda e provavelmente, um dia destes, em Portugal? Porque os islandeses são gente tesa, porque têm a sua moeda e não estão na zona euro e porque não têm de se submeter ao Big Brother que é hoje esta nuvem pesada mas indefinível que é o “consenso europeu” em economia, como se não bastasse o “consenso de Washington”.
P. S. - Acho ótimo que cada vez mais blogues refiram o sítio dos “Economistes atterrés”. Só não concordo com a tradução, a meu ver errada, para economistas aterrados ou aterrorizados. São termos que evocam algum derrotismo, medo, paralisia. "Atterrés" deve ser traduzido como estarrecidos, horrorizados. É o que se lê em qualquer bom dicionário. Da mesma forma, se passarmos primeiro pelo inglês, dá-nos “aghast”, “horrified”, etc. São termos que evocam desejo de resposta motivada pela indignação, pela rejeição intensa. É muito diferente de “aterrado” ou “aterrorizado”, que é quase ofensivo para esses amigos economistas. 

Contra os ladrões, marchar, marchar!

Correia Pinto, no Politeia, chamou-me a atenção para uma entrevista que não tinha visto, de José Manuel Coelho. Muito bem, a par de se poder considerar o homem apalhaçado, oportunista que concorre por um partido quase fantasma de direita, CP valoriza outro aspecto de Coelho: “um homem sem medo”.

A entrevista explica bem o sucesso que ele teve na Madeira, vitória em três concelhos, inclusive Funchal. Querem saber quem são os “poderes coloniais” que muitos, desde a Flama a Jardim, sempre disseram que exploravam o “povo madeirense”? Coelho diz sem papas na língua: pai e filho Ramos a controlar os preços dos materiais da construção civil (note-se o peso deste setor na política de betão de Jardim), os irmãos Sousa a controlar os portos, as impo-exportações e os preços dos bens essenciais, muitos outros. Tudo gente do PSD e do círculo íntimo de Jardim. Deixa de fora Jardim, como também nunca ninguém acusou de venalidade um Salazar que colocava nos conselhos de administração os seus afilhados políticos, os Ramos atlânticos de agora. Saborosamente, diz de Jardim que o que o move é comer e beber bem. Claro que, como Salazar, principalmente o enorme prazer do poder, o grande afrodisíaco.

Mas porquê só agora este impacto de discurso de oposição ao jardinismo? Parece-me óbvio que por uma razão simples: a mensagem, no âmbito de uma campanha presidencial, chegou a toda a gente, não pôde ser censurada na Madeira pelo comprovado poder intimidatório de Jardim sobre a comunicação social.

Gente dos partidos, como ele diz, cuidem-se. Este homem, sem programa, sem aparelho, com boa dose de populismo e mesmo de demagogia, pode vir a ser o nosso "mãos limpas" e, principalmente, o homem porventura cada vez mais ouvido pela gente que está zangada e que precisa de alguém que por ela dê murros na mesa. Tenho receio do populismo e detesto a demagogia, portanto não estou a propagandear Coelho, mas tenho de estar atento a este caso. Como "discurso político diferente", Nobre é toscamente aprendiz de Coelho.

P. S. - E a denúncia deliciosa de Arnaldo de Matos, madeirense, com Garcia Pereira a reboque, a exercer influências na Relação para proteger Jardim da justiça! “No comments”, não tenho dados. Mas que a promiscuidade MRPP-PSD é velha e relha é bem sabido. Durão Barroso que o diga.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Lula, o "analfabeto"

Recebi uma mensagem de correio eletrónico, daquelas que se amplificam como os santinhos de S. Judas Tadeu da minha infância, sobre o sucesso de Lula, comparado com o que tinha feito o académico Fernando Henriques Cardoso. Em geral, são fraudulentas, mentirosas, manipuladoras, muitas vezes caluniosas. Esta é só estúpida, já explico porquê.
Apresenta-se um quadro comparativo, com uma grande lista de aspetos políticos, económicos e sociais. Todos mostram uma espetacular “performance” de Lula (admita-se que em alguns casos e em parte com base em trabalho inicial de FHC). Em termos de grandes números, aceito muito bem o que o autor escreve, porque são dados publicados repetidamente pelos maiores e mais isentos analistas. Por isto, aceito a conclusão, que até vai de encontro ao que já escrevi. Porque é que Lula, agora desocupado, não vem governar Portugal? Ou então, se quem fez isto foi um “analfabeto” (ou "anarfa", como ele diz), o que teria ele feito se fosse um académico ( cuidado, lembremo-nos do sacristão de St. Paul’s, de Somerset Maugham).
Qual é então a estupidez? É que o autor do blogue que publica a tal tabela parece que não tem confiança nos seus próprios conhecimentos ou não se deu ao trabalho de recolher e citar as suas fontes de informação. Foi mais fácil escrever que tudo vinha no “The Economist”. É falso, como desde logo apontaram comentadores do tal blogue e como eu confirmei agora, tanto mais fácil quanto o bloguista até mostra a capa, número e data da edição da revista. “Não havia necessidade…”. Ai, a net!
Mas o gráfico que ilustra este “post” é mesmo do Economist e mostra a evolução da percentagem da população em situação de pobreza extrema e do índice "gini" de desigualdade sócio-económica. Ambas estáveis até ao fim de 2002, termo dos mandatos de FHC, em correção acentuada a partir das presidências de Lula. Obra de FHC, como dizem alguns bem-pensantes, até genuinamente de esquerda? Então porque raio nem um bocadinho em 2001 ou 2002, ainda a premiar o "trabalho" de FHC ou um pouco de demora até 2004?
P. S. - Vejam um grande discurso de um “anarfabeto” metalúrgico! 



Demagogia, dirão. Talvez um pouco, mas eu sinto como grande grito de alma. Além do mais, uma extraordinária peça literária, de oratória. Há algum político português capaz disto? E mesmo em todo o mundo, fora Obama e Mandela (que Lula refere com grande maestria)? Eu sei quem, no túmulo, delirou com isto, de gozo e de prazer intelectual e ideológico, Bento de Jesus Caraça, o da “Cultura Integral do Indivíduo”.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Entrevista do Bibi

Espantoso! A SIC Notícias acabou de exibir uma entrevista com Carlos Silvino, "aka" Bibi. Nunca foi pedófilo, nunca transportou crianças, nunca foi a nenhuma das tais casas, todos os condenados são pessoas impolutas, foi pressionado, tudo efeito de medicação que lhe deram (durante anos e anos de julgamento).  O que está por detrás disto?

E o que é hoje a SIC Notícias, o covil de Mário Crespo mais os seus "velhos, rapazes e burros"? Mais os economistas de serviço.

P. S., 26.1.2011 - Bibi dá a entrevista, contacta entretanto outros condenados "para lhes pedir desculpa", dispensou o seu advogado. Cheira-me a que tudo isto é despudorada chicana jurídica, a contribuir para a crise em que a nossa Justiça está mergulhada. E também não ajuda nada que o inefável bastonário tenha recebido Bibi acompanhado por outra pessoa que ele não sabe quem é. Marinho Pinto recebe pessoas que não sabe quem são?

domingo, 23 de janeiro de 2011

Presidenciais 2011 - III

Algum bloguista deixará de comentar as eleições? Claro que eu também não, mas depois de assentar a poeira. E de se poder ter uma resposta mesmo que muito incerta, a "e agora, José?".

Homossexuais, direitos e abusos

Não há muitos países que, como Portugal, aceitem o casamento homossexual. Será isto sinal de tolerância, avanço cultural, ausência de homofobia? Engano. O Eurobarómetro diz que 68% dos portugueses são homofóbicos. Em entrevista recente ao Público, Miguel Vale Almeida diz que “é assustador, sem dúvida. Nós sempre falámos que assim que tivermos o casamento e assim que as questões LGBT estiverem integradas na agenda política e mediática e passar a ser normal falar-se do assunto, como já é, a homofobia declarada vai crescer.”
Vem isto a propósito do caso Carlos Castro. Meia dúzia de amigos chegados fizeram-lhe o elogio fúnebre, depois o homem foi esquecido. Em contrapartida, há todo um movimento de apoio, compreensão, desculpabilização em redor do seu assassino confesso. É interessante que este movimento tenha um ponto central comum: o Renato não era homossexual. Não tem pecado. Ele “passou-se” porque deve ter sido muito provocado. Muito provocado, entenda-se, é ter sido assediado para ir para a cama com um velho homossexual conhecido e com todo um ar de lúbrico. Talvez - estou meramente a conjeturar - assédio para variante de "passivo", depois de eventuais experiências de "ativo" que, para jovens da minha geração (e mais tarde?), não eram consideradas como homossexualidade, antes como exploração "máscula" de p... Lá voltaremos.
Começo por Carlos Castro. Não era personagem notável, a título nenhum. Croniqueiro de fofocas, promotor de um jet set ridículo, à portuguesa, escriba tosco. Homossexual, contra o que nada tenho, mas efeminado daqueles sempre à beira de ataque de nervos, de chilique, de raivinhas e fofoquices, sensibilidades extremadamente desviantes, enfim mariquices que confesso que, esteticamente, não consigo que me agradem. Mas foi a vítima, e em condições, tudo indica, em que o seu comportamento foi mais do que aberto e claro.
O jovem assassino é outra coisa, produto infeliz de uma alienação que faz prosperar cadeias televisivas, gente da moda, aprendizas de Big Brothers, gente rasca que é inculta e exploradora da triste ambição de sucesso fácil que a máquina de deformação mental e moral anda a trabalhar. À viva força, mesmo depois de muitos falhanços, quer ser modelo, porque o mundo da moda lhe é apresentado como muito mais glamoroso do que o da cultura, por exemplo, ou o de qualquer trabalho que ele provavelmente despreza como rotineiro. Gente da cultura aparece no JL, no Ypsilon ou na Actual, coisas que ninguém lê; gente da moda aparece nas capas de tudo o que é revista lida por milhares de madamas no cabeleireiro.
Para isto, vale tudo. Ou o rapaz é um atrasado mental (e também a sua mãe, que confessa ter sido complacente com toda a história, porque sempre teve “mentalidade aberta”) ou foi um oportunista a explorar a vulnerabilidade de um patético velho homossexual, confessadamente carente de afetos, lá para esse lado, e que se apaixonou pelo efebo, variante do outro lado do espelho do caso Lolita. Ou da Morte em Veneza, magistralmente contada por um Visconti que conhecia bem essas situações.
O rapaz envia mensagens explicitamente de namoro homossexual, manda beijos ao coitado. Aceita prendas. Vai repetidamente para hoteis partilhando o quarto. De repente, descobre que não é homossexual, a sua redescoberta virilidade dá para a extrema violência. E há psicólogos de serviço que já só falam na quase certeza de uma crise psicótica, de uma irresistível revolta do eu, que torna inimputável o rapaz da fotografia em cuecas na praia, máximo da realização pessoal. E já há uma petição na net para a sua extradição. Aposto que vai ter milhares de assinaturas. Não sei para que lhe serve, porque, no estranho código das prisões, vai ser o “bonitinho de serviço” tanto nos EUA como em Portugal.
Dito isto, confesso que tenho alguma pena do rapaz, apenas por me parecer que ele é um produto imbecil, provinciano, com desconstrução familiar, de toda uma máquina poderosa que está a fazer, desde há anos, a geração dos “Morangos com açúcar”. A TVI, José Eduardo Moniz e a sua dama, Teresa Guilherme e outros que tais, são inimigos públicos.
Mas também esta nota me leva, marginalmente, a alguns apontamentos soltos sobre a homossexualidade. Brevemente, a começar, a rejeição da atitude gay frequente de que a comunidade gay representa o melhor dos mundos, nem sequer um mundo equivalente ao meu mundo “straight”. Afirmam, orgulham-se, mas não o querem discutir, acolhendo-se ao direito à diferença. Têm direito absoluto à sua diferença, mas têm de aceitar que, em muitos aspetos, essa diferença vai para lá da simples vida sexual privada, passa para o domínio do público e pode portanto ser criticada, como no caso da afirmação pública, mesmo que subliminar, dessa pretensa superioridade.
Posso criticar os muitos escritos em que os gays, principalmente no meio artístico, quase que relacionam inequivocamente essa característica psicológica-sexual e a sua qualidade artística, a sua “sensibilidade”. 

Também detesto a ideia do “gay pride”. Parece que me estão a atirar à cara a tal suposta e longe de demonstrada superioridade. Passa-me pela cabeça alinhar em festas e cortejos de “straight pride”? Uma coisa é ser diferente, ter direito a essa diferença. Outra é fazer disso motivo de orgulho, afinal minoritário. Orgulho tem sempre um referencial, não é sentimento absoluto, é sempre coisa em relação a outro, no limite contra outro. Contra que coisa é o "gay pride"? Como diz a conhecida anedota, “agora há o direito de se ser gay, um dia destes o politicamente correto é obrigarem-me a ser gay”. Admito que estou a provocar protestos, “homofóbico!”, mas paciência, já tenho idade para não ter de contribuir para todos os peditórios, que a reforma é curta.
Muito pior ainda, é a proteção mútua de uma minoria excluída e reprimida, sem dúvida, ter resultado em coisa para mim execrável, mas indiscutivelmente notória: a constituição de um lóbi, de uma associação de socorros mútuos. Não tolero lóbis, não tolero os "jobs fot the boys" partidários, não tolero a maçonaria, não tolero o Opus Dei, também não tolero o lóbi gay. E ele é fortíssimo, vejo-o no meu dia-a-dia. Diga-se que, ao que me parece, principalmente o lóbi gay masculino. Porque não o feminino é coisa que o meu desconhecimento do meio não me permite compreensão, mas que me deixa curioso.

Para terminar, correndo o risco de me considerarem vaidoso, não será verdade que reina por aí algum medo de escrever o que estou escrevendo?

P. S. (13:44) - caiu que nem sopa no mel, em relação a este "post", a leitura diária da imprensa online, com este artigo do Público: "Um guia para o star-system português".

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Vale tudo

Ontem, no Público: “Esta quinta-feira, num almoço com apoiantes em Felgueiras (Porto), Cavaco alertou para as consequências de uma segunda volta, que seria “desviar as atenções do essencial”. E “o essencial” é que iria causar “uma contracção do crédito e uma subida das taxas de juros. Com as consequências para as “empresas e famílias”.
Até onde pode ir a demagogia de quem se diz “acima da baixa política”!

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Não há almoços grátis

Desde há dias que se falava num amolecimento da dureza económico-conservadora da Alemanha e seus amigos (Holanda, Áustria, Finlândia) na reunião de ontem dos ministros das finanças. Parece que sim, em algumas coisas bem importantes, mas reduzidas quase que apenas ao reforço do fundo de socorro, ou de estabilidade financeira do euro (EFSF), a estabilidade que faz insónias aos que, na criação do euro, não pensaram no que isto exigia. Reforço do fundo, bom almoço, mas não há almoços grátis.
Porque, depois, as más notícias. Berlim, sempre Berlim, exige, como contrapartida, muito maior espartilho no controlo do défice pelos países “irresponsáveis”. "Queremos um pacote abrangente e isto significa, naturalmente, além das medidas de curto prazo, uma melhoria do pacto de estabilidade e crescimento e da coordenação económica" dos países europeus, disse ontem o ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble. O que significa “coordenação económica”? Que grande conversa que isto daria.
A Alemanha continua a opor-se intransigentemente ao lançamento de títulos de dívida europeus (“eurobonds”) e à compra de títulos de dívida soberana no mercado secundário pelo EFSF em substituição do Banco Central Europeu (coisa que o BCE tem feito bem, mas contra os tratados). 
Os 4.6% de défice orçamental anunciados pelo governo português, com os sacrifícios que conhecemos, já não são suficientes. Desta vez, nem foram alemães a dizer, foi o ministro belga. Segundo o Público de hoje, "há uma grande especulação sobre se há meios suficientes [no EFSF] para ajudar Portugal e sobre o que acontece se outros países seguirem o mesmo caminho” (…) "isto só tem sentido se se acelerar a consolidação dos nossos orçamentos". E também: "O que precisamos agora é que os países com défices elevados ultrapassem as expectativas do mercado", confirmou o ministro sueco, Anders Borg, defendendo que a falta de disciplina orçamental "é a principal causa" da especulação.
Alguém já provou sem margem para dúvida que o problema principal é o défice orçamental? Qual é o défice dos EUA e dos BRIC, que estão a sair por cima da crise em que estamos afogados? Mas a pressão sobre o nosso défice é irresistível e certamente que, ainda este ano, virá um novo PEC, acordado entre todos os serventuários do capital, governo e “oposição” de direita.
Referi a Alemanha e seus vassalos. Disseram-me já mais do que um amigo, parece que é opinião a valer por aí, que esses centro-nortenhos são gente ajuizada e que não regabofaram como nós e outros periféricos sulistas, não têm de pagar os nossos desvarios. Afinal, os nossos desvarios não teriam sido possíveis, na eurolândia, sem movimentos de capital/crédito dos ajuizados para os irresponsáveis. Não teriam sido possíveis se não tivéssemos continuado a manter a perspetiva do estado social, mesmo com muita erosão, em vez de seguirmos a política de desvalorização interna, dos custos laborais, em que assenta a competitividade externa da Alemanha e seus seguidores.
Nota - Insisto em que tenho o sentido de modéstia intelectual do desconforto de, não sendo economista, achar que a economia política é hoje o centro do discurso político. Por isto, estou pronto a aceitar que escritos como este sejam asneira tecnicamente infundada. Mas sou cidadão, político, eleitor, e não me limito a aceitar opiniões de especialistas de serviço, neste caso economistas, principalmente quando vejo que o seu discurso tem muito mais de ideológico que de científico.
Volto a dizer: nas próximas eleições, claro que vou pensar muito no que o governo vai fazer em S. Bento, mas vou pensar muito mais no que o governo vai fazer em Bruxelas.

Dúvida em "sound bite"

Novamente, hoje, o que se passou com o último leilão da dívida, agora em relação a bilhetes do tesouro, a prazo mais curto: grande procura (o governo a clamar vitória), juros altamente insustentáveis (o governo calado). Para um não economista, não bate a bota com a perdigota. A procura justifica-se apenas pelos juros altos? Ou não será que o mercado está a apostar numa revalorização da dívida, nos mercados secundários, depois de uma intervenção do fundo europeu e do FMI? É isto asneira de leigo? Os economistas que me respondam, principalmente os nossos “economistas estarrecidos”.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Cadernos

Escreve-me um amigo do peito:
“Devias mudar de moleskine para Galocha, os óptimos cadernos que são feitos à mão na Emilio Braga, e que, se preferidos como merecem, sempre trazem trabalho ao proletariado luso.”
Confesso que não conhecia esses Galocha, mas vou por ele, porque o Jorge é magnificamente antiquado/moderno, é "very British", amante de coisas refinadas mas nunca na moda vulgar, especialista em canetas de tinta permanente, enfim, um snob como eu :-)
Hei-de ir à Emílio Braga. Mas mudar o nome deste “blogue”, mesmo que o Jorge tenha razão e contra a minha defesa da produção nacional e das nossas exportações, é coisa pouco prática. É como, meu caro Jorge, termo-nos conhecido à sombra de Kierkegaard (“private joke”), também é coisa pouco prática.

Vamo-nos entender, gente do mesmo lado!

Por conversas orais ou de mail com amigos muito chegados, sinto que algumas coisas que tenho escrito não estão a ser bem entendidas, culpa minha. Noto que isto também reflete - sem daí vir qualquer mal, antes pelo contrário - alguma diferença de perspetiva entre preocupações, interesses pessoais, experiências, de gente que, afinal, ainda continua bem unida pelo essencial, os valores e ideais com que se formaram e com que morrerão.
Tenho escrito que, hoje, nesta crise e em época de conturbação de um capitalismo até há pouco refastelado, é necessário, para credibilidade, alicerçar o discurso político numa boa base de economia política. Estou convencido de que sim. Por isto, não sendo economista, sinto-me na obrigação de aprender, embora com a diculdade - melhor dito, o desafio - de ter de optar entre um discurso oficial, generalizado, suporte de política conservadora e socialmente injusta, um discurso passado incansavelmente por quase toda a comunicação social; e um discurso económico alternativo. Este, tenho-o lido agora e aprendido muito mais com os economistas e políticos liberais/radicais americanos ou raros europeus (como  o EuroMemo Group ou os “economistas estarrecidos”) do que com os repetitivos políticos tradicionais europeus da esquerda bem pensante, aquela que nos resta, retórica e um pouco diletante.
Tenho aprendido que estamos em muito prisioneiros de um euro moldado na mais estrita visão neoliberal, que nos retirou toda a margem de desvalorização monetária, deixando só a desvalorização interna, isto é, a diminuição do custo do trabalho, a sua desvalorização, já que não pode ser a desvalorização da moeda.
Tenho aprendido, como leigo, com o que me parece boa teoria económica, que a política austeritária e a obsessão com a redução do défice orçamental a todo o preço conduzem a uma espiral de austeridade > recessão > desemprego > maior despesa social e menor receita fiscal > agravamento do défice, donde mais austeridade, etc., com prejuízo do desenvolvimento económico, necessário à resolução do verdadeiro problema, o da dívida.
Tenho aprendido que, do mal o menos, se já estamos assim tão presos pela união monetária, que isso seja compensado por uma união fiscal, orçamental e, logo, mais política, embora com respeito pela diversidade.
Tenho aprendido - como se já não soubesse - que esta União Europeia é feita de egoismos, de falta de solidariedade, de domínio das grandes potências, com destaque para a Alemanha, com os seus “diktats” de política económica e financeira, em boa parte complexo de formiga trabalhadora que passou de grande derrota político-militar para grande vitória económica do marco, mais com a assimilação da parte oriental, coisa que o espaço não me permite discutir agora.
Tenho aprendido, com os fatos, que o neoliberalismo reinante, traduzido nos tratados de Maastricht e de Lisboa, impede a solidariedade total e auxílio aos países em dificuldade (só a custo se tendo adotado medidas de emergência quando a Grécia estava com a corda na garganta, a ameaçar toda a eurolândia), impede os “eurobonds”, exige juros de penalização aos países caídos na necessidade de pedir auxílio; mas, simultaneamente, é de grande benevolência para com os bancos, largamente financiados a juro baixo pelo BCE, juro baixo que até lhes permite o surrealismo de poderem comprar com lucro dívida dos seus próprios países, a dívida pela qual em muito boa parte são responsáveis.
Tenho aprendido que cada vez mais se nota uma divisão - futura secessão? - entre uma união europeia do norte-centro e uma união do sul, com não neglíveis consequências no euro, eventualmente a dar dois euros. Estou convencido de que não é um cenário de ficção. 
Tenho aprendido que será extremamente doloroso mas não impossível que a solução melhor ainda venha a ser o reescalonamento da dívida, mesmo a merecer castigo de todos os “irmãos” europeus e até, no limite, a saída do euro.
Por tudo isto que tenho procurado aprender, tenho pensado e escrito que a política nacional, como sempre a conhecemos, à esquerda ou à direita, está hoje relativamente desvalorizada em relação à política europeia, que a condiciona. Estou convencido de que sim.
Estou convencido de que sim, repito que não por ideia própria, que seria pretensiosimo de leigo, mas porque adiro, como homem de esquerda, a este discurso de economia política alternativo ao discurso oficial e neoliberal.
Com isto, dizem-me amigos queridos que estou a ser catastrofista, teórico ou impolítico. Ser catastrofista ou teórico não é, neste caso, uma etiqueta para ser não convencionalmente político? Pode parecer, por exemplo, que a minha ênfase no plano supranacional é desculpabilizante do(s) nosso(s) governo(s). Nada mais distante do meu pensamento. Ninguém nos obrigou  a entrar na eurolândia com sobrevalorização da nossa moeda e perda de competitividade. Ninguém nos obrigou a endividarmo-nos como estamos. Ninguém nos obrigou, a nós cidadãos, a votar em políticos medíocres, sem visão de Estado, deslumbrados com a sua imagem comprada com o regabofe. Foram os nossos governos, foi a gente em quem votámos.
Simplesmente, o discurso político tradicional, que obviamente também eu partilho, a indignação legítima com a mediocridade e a falta de seriedade do engenheiro, com a traição permanente aos compromissos que parecem distinguir um partido de outro e que, afinal, os irmanam no centrão, descontada a retórica “ad usum populi”, simplesmente tudo isto leva só a uma nova forma de rotativismo em que impera a memória de curto prazo passado, em que se reage contra o governo ter ou não ido ao bolso ao Zé. Lembram-se do resultado das eleições de 2009? Já se sabia o que era aquela gente e mesmo assim votaram, ainda que não tendo renovado a maioria absoluta. O que vai ser em 2011? Dupond ou Dupont?
Obviamente que, pensando em termos políticos tradicionais, eu não quero mais um governo que nos afundou, diga-se em boa justiça que na sequência de outros governos de sinal contrário (contrário?). Eu não quero um governo que segue acarneiradamente a cartilha austeritária. Eu não quero um governo que agrava alegremente a carga fiscal sobre o trabalho mas não sobre as empresas. Eu não quero um governo que se borra de medo perante uma mera ameaça de polichinelo de “deslocalização” do capital. Eu não quero um governo de gente inculta, associal, formada no aparelho partidário sem o sentido da vida, das suas grandezas e misérias, da solidariedade. 
Não querendo este governo, e sendo utópico, vou admitir que, por exemplo o PS, me oferece a perspetiva de um governo saído sei lá de onde do seu aparelho acomodado. Por exemplo, um governo de gente com a generosidade com que se apresenta Manuel Alegre e com as suas preocupações políticas (o que me leva a votar em Alegre, sem reservas - para PR, porque para PM seria diferente...). 

É aqui que vem ao de cima a minha perspetiva das prioridades políticas atuais. O estado social, a esquerda, que precisa de ser redefinida, as terceiras, quartas e quintas vias, a nostalgia da pureza antifascista (honestamente, confesso que também a sinto), as liberdades (que não estão em risco por via da política, antes pela manipulação empresarial dos “media”), os problemas da justiça que sobrerrelevam muitos democratas, bem bom, de formação jurídica, tudo muito bonito, para sessentões, não para os jovens com quem converso. Nada disso serve de muito, porque não é isso, embora importantíssimo, que é hoje essencial. É essencial na nossa memória, não vale muito para o processo histórico, conjugado no futuro. Ou melhor, foi muito importante, mas na sua época e acabou-se. Ou ainda melhor, não se acabou, mas deve ficar na felicidade das memórias pessoais e de grupos de amigos.
“Merda! Sou lúcido.”
Essencial é um governo que corte com a visão austeritária e neoliberal (o que é impossível à escala nacional), que a combata nas discussões europeias, que se bata pela solidariedade ao menos da Europa periférica, que exija que os tratados sejam revistos para permitir um verdadeiro orçamento europeu e uma política de redistribuição internacional, um governo que não tenha medo do desalinhamento, por exemplo à argentina, um governo que não se vergue ao papão dos mercados histéricos que não podem ser ofendidos. 
Desculpem uma nota plebeista. Um governo de gente tesa, que ameace com uma murraça figurada na sargenta alemã ou no polícia francês, que diga desbragadamente que “para desenvolver a economia do meu país preciso de um défice de 10% e que se f*** o PEC”. 

É que me parece que, ao contrário de algum idealismo da esquerda sediada em Estrasburgo, nada virá de democratização global da UE por via do Parlamento Europeu e das respetivas eleições. Apesar da dimensão europeia que estou a privilegiar neste texto (ou por causa dela!), penso, realisticamente, que ela só se conseguirá a nível do Conselho, com uma frente de esquerda nem que seja de poucos países mas com ação coerente e determinada. Conseguir esses governos é tarefa para o voto nacional em legislativas. Já agora, lembrando-me do momento atual, também com um PR que dê apoio a essa ação e que dela faça centro da sua "magistratura de influência" (não falo de magistratura ativa!).
Palpita-me forte que vai haver eleições legislativas este ano. Em que partido vou votar para este tal governo? Que partido vai apresentar um programa moderno, nos termos que defendi acima? Ou vou ter de esperar por ir “a la calle”, como diz um caro amigo? Ou então, mais racionalmente, tentar passar a mensagem parafraseada “Esquerdas de todos os países, uni-vos!” 
Nota - tentando cingir-me ao essencial, omiti qualquer referência a uma coisa hipócrita que tenho visto divulgada: “a culpa é do portuguezinho que desde há muitos anos vive e se endivida acima das suas posses”. Porque é que ele se endivida? “Linda vida, linda vida", diz-lhe toda a comunicação social carlos-castriana, que lhe entra em casa. “Compra, compra”, diziam-lhe os bancos a impingir-lhe o crédito fácil. Mais responsáveis seriam os da minha classe, mais instruídos, que devíamos ter percebido a necessidade de poupança. Mas digo “seriam”, não digo “são”, porque entendo que é muito mais importante a responsabilidade ou culpa do sistema político e económico, dos interesses instalados, do que a responsabilidade individual, afinal reflexo da responsabilidade sistemática.


P. S. (18:43) - "Amor com amor se paga". Deixei referência a este "post" num comentário a um imperdível "post" de J. M. Correia Pinto, "Prós e contras - as limitações de um debate". "Les bons esprits se rencontrent".

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Quem comprou?

O mercado é opaco e há informações certamente difíceis de obter. Quem compra e quem vende? Em muitos casos, parece-me informação bem importante, com consequências práticas. Na quarta-feira passada, o leilão de obrigações da dívida pública portuguesa foi apresentado como um sucesso, como prova de que os mercados ainda têm a confiança suficiente para acorrer à compra. Três vezes maior a procura do que a oferta, em tempos de desconfiança e ataque à dívida portuguesa, e até em contradição com a taxa de juro, parece-me maná.

Tenho-me perguntado, sem conseguir resposta, uma coisa que talvez pareça teoria da conspiração: não há uma entidade especialmente interessada em comprar, se calhar por meio de bancos testas de ferro, para dar ideia de que o mercado, difusamente, estava a comprar e, indiretamente, a respeitar o euro? Julgo que sim, embora, ao que me conste, isso seja ir contra as regras e os tratados. Também contra todo o discurso neoliberal europeu ainda vigente e contra o seu RDM económico-financeiro. Julgo que sim, que há tal entidade, porque por detrás das públicas virtudes há vícios privados. É o próprio Banco Central Europeu.

É coerente com o pavor que um ataque sério a Portugal contagie a Espanha. Enquanto a eurolândia tiver de lidar com "bailouts" de países pequenos e periféricos, aguenta-se. Espanha seria um terramoto de grau capaz de ameaçar a derrocada do edifício do euro.

P. S., 15:11 - Afinal, estava enganado. Verifico que o BCE tem comprado dívida de vários países o que, portanto, não deve ser contrário aos tratados, como pensava.

P. S., 15:20 - Afinal, afinal, talvez não esteja assim tão enganado. Agora fiquei confuso, ao ler um artigo sobre este assunto no Jornal de Negócios, já de há alguns meses, nomeadamente este parágrafo: "Este passo de avançar para a compra de dívida pública dificilmente não representará uma violação grosseira dos Tratados europeus, que vedam expressamente a intervenção do BCE em operações de socorro a países em risco de incumprimento." Alguém me esclarece e aos meus leitores?

domingo, 16 de janeiro de 2011

Um clássico

Tom Lehrer, "National Brotherhood Week".



Oh, the white folks hate the black folks,
And the black folks hate the white folks.
To hate all but the right folks
Is an old established rule.
But during National Brotherhood Week, National Brotherhood Week,
Lena Horne and Sheriff Clarke are dancing cheek to cheek.
It's fun to eulogize
The people you despise,
As long as you don't let 'em in your school.
Oh, the poor folks hate the rich folks,
And the rich folks hate the poor folks.
All of my folks hate all of your folks,
It's American as apple pie.
But during National Brotherhood Week, National Brotherhood Week,
New Yorkers love the Puerto Ricans 'cause it's very chic.
Step up and shake the hand
Of someone you can't stand.
You can tolerate him if you try.
Oh, the Protestants hate the Catholics,
And the Catholics hate the Protestants,
And the Hindus hate the Muslims,
And everybody hates the Jews.
But during National Brotherhood Week, National Brotherhood Week,
It's National Everyone-smile-at-one-another-hood Week.
Be nice to people who
Are inferior to you.
It's only for a week, so have no fear.
Be grateful that it doesn't last all year! 

A campanha eleitoral também é "only for a week, so have no fear. Be grateful that it doesn't last all year! "

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A China e o capitalismo

Anda pela net e acho que tem piada:
Em 1949 - a maioria dos intelectuais acreditava que o comunismo salvaria a China.
Em 1969 - muitos desses intelectuais acreditavam que a China, com a revolução cultural, salvaria o comunismo.
Em 1979 - Deng Xiaoping percebeu que só o capitalismo salvaria a China.
Em 2009 - O mundo inteiro acredita que só a China pode salvar o capitalismo.

Presidenciais 2011 - II

Isabel Soares deu abertamente a cara por Fernando Nobre. Nada de mal, está no seu direito, se não se conhecer como funciona o clã Soares/Barroso, como eu conheci pelos variados membros do clã com que lidei nos meus tempos idos de dirigente associativo. Ninguém ali pia sem a luz verde emanada do gigantesco, falstaffiano umbigo do patriarca. Não há Unitas e marfins sem o patriarca, não há apoios a Nobre sem a vénia ao patológico rancor de que só Soares é capaz.

Nobre diz que os outros são todos políticos, coisa naturalmente condenável, e que só ele não é. “Nobre said so and Nobre is a honorable man”, parafraseando Marco António. Nobre disse isto, e Nobre é um homem honrado. Nobre diz que tem um percurso nobre e desinteressado de vida, só ele. Nobre disse isto, e Nobre é um homem honrado. Nobre só ataca Alegre e acha que ele está a enganar os portugueses com a hipótese de uma segunda volta. Nobre disse isto, e Nobre é um homem honrado. Nobre disse que Alegre tinha telhados de vidro na véspera de a campanha de Cavaco vir com o caso do texto publicitário. Nobre disse isto, e Nobre é um homem honrado.

Nobre, o homem honrado, apresenta-se como o homem do mundo da generosidade, da filantropia, o que vai aos sítíos da desgraça e do perigo. No limite, parece que vive de maná e da graça divina pela sua bem-aventurança. Até deixa pairar a ideia - como fez hoje junto de estudantes algarvios - de que o que faz é voluntariado. Deixa com isto os opositores ou os céticos, como eu, em má posição, porque não o podemos acusar de nada mas também sabemos o suficiente para não engolir à força tão duvidosa fruta bichada. Madre Teresa de Calcutá houve uma e parece que tinha pecados.

A AMI de Nobre é uma das mais paradigmáticas ONG, na área da saúde. Conheci-as bem, há anos, quando lidei com elas, no âmbito da cooperação para a saúde. Claro que, como em tudo, há de tudo. Logo à partida, acho espantoso que Nobre se apresente como não político. Ser-se dirigente de uma ONG é tarefa da maior exigência política, para se conseguir posições, financiamentos, favores de - e a - governos africanos, por exemplo. É todo um enorme trabalho de bastidores. Muitas vezes, do pior que tem a política, isto é, as negociatas, o tráfico de influências, a opacidade. E não é por acaso que me vem logo à cabeça o tal clã e Angola, sem prejuízo de haver outros tantos clãs igualmente envolvidos com o outro lado angolano (ai, meus velhos amigos da Casa dos Estudantes do Império, dos ideais, da "pureza", onde estais?).

Também é uma profissão, como qualquer outra. Perigosa? Talvez, como ser polícia ou bombeiro. Mas bem paga. Nenhum dirigente de ONG anda a ir à sopa dos pobres. No caso de Nobre, ele até diz com tocante “ingenuidade” que a AMI é uma instituição familiar, de que vivem filhos, irmãos e sobrinhos. A senhora da Abraço ganha muito mais do que muitos profissionais de saúde verdadeiramente expostos aos riscos e à pressão de lidar com os infetados. Um professor com variadas ações “humanitárias” viradas para a saúde em África ostenta uma situação óbvia do que as Finanças chamam nível de vida acima dos rendimentos (mas que não perseguem eficazmente). Um outro com que lidei em tempos ainda hoje vive principescamente de intermediar projetos entre financiadores internacionais e executantes universitários portugueses "pateticamente" (mas excelentemente) motivados por causas nobres e que não vêem nada de palpável do seu esforço romântico.

A culpa também é dos países e instituições dadoras. Basta-lhes a propaganda e as estatísticas, o registo do dinheiro que se dá. Cinicamente, sabem muito bem, e não se ralam, que esse dinheiro, em grande parte, escorre como areia entre os dedos da mão.

P. S. - 15.1.2011. Vem hoje no Público, no relato do dia de campanha de Nobre, ontem: "num discurso em que se comparou a Martin Luther King, Gandhi e Nelson Mandela". Não quero acreditar! Ao menos Alegre ainda não se comparou a Camões e, vamos lá, Cavaco a Adam Smith.

Declaração de interesses - Faço parte da comissão de apoio à candidatura de Manuel Alegre.

Cumonicassão çossial

Para rir em tempo de crise (ou não será para chorar), aqui vai uma pérola. Não me dei ao trabalho de confirmar mas garantem-me que lá está num vídeo no "site" da TVI, de uma reportagem de hoje.

"A temperatura tem oscilado entre muito sol e nevoeiro".

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Música de ontem para hoje


Paul Krugman lembrou há dias, no seu blogue, esta canção do meu tempo, de Simon & Garfunkel, "The sound of silence". Acho bem apropriada. Quando é que as pessoas vão fazer ouvir aquilo que hoje ainda é o seu silêncio, mas cada vez mais a começar a ser o som do silêncio?

"Hello darkness, my old friend
I've come to talk with you again
Because a vision softly creeping
Left its seeds while I was sleeping
And the vision that was planted in my brain
Still remains
Within the sound of silence
In restless dreams I walked alone
Narrow streets of cobblestone
'Neath the halo of a street lamp
I turned my collar to the cold and damp
When my eyes were stabbed by the flash of a neon light
That split the night
And touched the sound of silence
And in the naked light I saw
Ten thousand people, maybe more
People talking without speaking
People hearing without listening
People writing songs that voices never share
And no one dared
Disturb the sound of silence
"Fools", said I, "You do not know
Silence like a cancer grows
Hear my words that I might teach you
Take my arms that I might reach you"
But my words, like silent raindrops fell
And echoed
In the wells of silence
And the people bowed and prayed
To the neon god they made
And the sign flashed out its warning
In the words that it was forming
And the sign said, "The words of the prophets are written on the subway walls
And tenement halls"
And whispered in the sounds of silence"

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Não sou masoquista

Os que me lêem e me conhecem sabem bem que não sou nada de amores por este governo, muito menos pelo seu execrável chefe. Mas não sou masoquista e, portanto, não vou ficar todo torcido por dentro por o governo não ter tido hoje uma grande derrota, no primeiro leilão deste ano de dívida pública. Não teve o governo, não tivemos nós todos. A paixão política não pode toldar o discernimento, afinal o maior fator de confiança na credibilidade das propostas políticas, mormente quando, como agora, cada vez mais elas exigem uma grande base científica (se a economia é uma ciência...) e técnica.

A procura triplicou a oferta e os juros não chegaram aos míticos 7%. Não domino a economia o suficiente para perceber porque se portaram assim os especuladores, também conhecidos como “mercados”. Porque o governo tinha anunciado uma folga de 800 milhões de euros para diminuir um pouco o défice orçamental? Mas então não sabem que isto é só uma pequena parte da receita extraordinária, truque financeiro-contabilístico, do encaixe do fundo de pensões da PT?

E será que isto foi uma vitória de Pirro, como escreve hoje Paul Krugman? Que é sinal de desespero considerar-se que “só” 6,7% de juro é um sucesso? “uma taxa de juro quase ao nível do ruinoso. Mas, de fato, não tão má como se esperava há uma semana e, logo, um sucesso. Mais alguns poucos sucessos destes e a periferia europeia será destruída”.

Um país como o nosso, com tão pesado encargo da dívida que até os nossos netos ainda vão ter de pagar, pode suportar taxas de juro destas, mesmo que abaixo de um limite mágico, afinal fixado, sabe-se lá como e porquê, pelo ministro das Finanças? Insiro isto já depois de escrito este texto: vem no Economist, "But it is unsustainably high for a country with such so much public debt relative to its GDP". Não estamos já no caminho delirante da completa corrida maluco-suicida para a desgraça final, "vitória" de Pirro após "vitória" de Pirro nos "mercados"?

Admito que sim, palpita-me mesmo bem que sim, mas, sem deixar de ser lúcido e realista, não quero ser profeta da desgraça. Tenho gente que considero não conservadora ou não-direita e que se está a alimentar todos os dias de quase um desejo perverso da vinda do FMI. Eu até receio que ele venha, mais dia menos dia, como indicam as muitas análises internacionais hoje feitas ao resultado do leilão, todas a dizer que a vinda dos homens da mala negra só foi um bocadinho adiada. Mas não a desejo, nem para lixar o Sócrates.

É que nos lixamos todos, ou não se sabe o que é o FMI, apesar de toda uma campanha a alegar que está muito menos (?) neoliberal, com um socialista francês à cabeça? No entanto, se o FMI é o mal, FMI com um governo PSD-CDS seria o mal e a caramunha. Alguém tem dúvidas sobre o que é o programa quase obsessivo da direita portuguesa? Já leram as propostas de revisão constitucional? O PS e o seu governo só têm feito m…., mas o senhorito Passos Coelho não só faria mais como a esfregaria na nossa cara.

Como estamos em presidenciais, não se pode esquecer o papel de Cavaco, que realisticamente devemos já considerar como reeleito. Ainda hoje falou na possibilidade de uma crise política paralela à financeira, coisa transparentemente sobreponível à pretensão do PSD de desencadear a dissolução parlamentar no caso (ou quando o caso) da vinda do FMI. Estou certo de que a esquerda “radical” não tem qualquer interesse numa troca de governo, mesmo que os dois jotas sejam quase Dupond e Dupont. Mas vão ter forças para sacar ao PS um desvio da sua política de direita, a troco de apoio para não passar uma moção de censura ao governo? Pior ainda será uma decisão cavacal de dissolução, porque a ela a maioria parlamentar PS-PCP-BE não se pode opor.

Será que os meus leitores se estarão a perguntar “como é que este tipo virou agora defensor do governo?”? Pergunta ilegítima, que não tem em conta a lógica objetiva, racional, afinal política é isto, deste escrito. Mas, se há dúvidas, aqui vão mais umas notas em contrário.

Ontem também foi o dia das previsões do Banco de Portugal. Recessão de -1,3%, 50.000 despedimentos, retração de 2,7% do consumo das famílias, dez vezes mais nos bens duradouros, descida de 1,4% nos salários nominais (sic, nominais!), de 4,6% no investimento. Será pessimismo pensar-se que descemos o primeiro degrau da escada em espiral da deflação ou da desvalorização interna? Sabem o que isto significa? Como estamos presos ao euro e não podemos desvalorizar  a moeda para promover as exportações, só podemos aumentar a competitividade mediante a baixa real do preço do trabalho. Afinal, este é o segredo silenciado do sucesso exportador alemão, em muito graças à submissão dos "össies".

Ontem também foi o dia em que se soube, convergentemente de várias fontes estrangeiras, que a comissão europeia e o fundo de estabilidade já estão a preparar tecnicamente o apoio de 100.000 milhões, certamente não por exercício académico mas sim por uma alta probabilidade de ser necessário a qualquer altura. E que o FMI já cá está em segredo, a fazer o mesmo.

Com tudo isto, o engenheiro demagogo e pouco sério não tem emenda. O que afirmou hoje foi que a reação do mercado se deve ao reconhecimento do trabalho do governo no controlo orçamental. Onde está esse controlo? Já estão fechadas as contas de 2010, que, pela impossibilidade de cálculo agora do IVA, só podem ser analisadas em finais de fevereiro? Mais espantosamente, afirmou também que a Europa nos deve estar grata, porque, com esta política de austeridade, estamos a ajudar a salvar o euro. O homem é ignorante, não lê os maiores economistas mundiais que dizem exatamente o contrário, ou simplesmente mente, como é seu hábito?

Nota - Falei acima dos encargos da dívida. Isto não significa qualquer alinhamento meu com a tese que por aí anda de que a culpa do endividamento é privada e, em especial, do pobre diabo que se afunda no crédito, casa, carro, TV top, consumo, viagens a Cancun. Esse pobre diabo, por definição, é manipulado,  tem ambições de "standing" e de projeção social que lhe entram em casa e na cabeça em tudo o que é programa de TV de sucesso, telenovela, publicidade agressiva. Onde é que esse pobre devedor foi buscar o dinheiro da sua dívida, afinal a dívida nacional (muito maior do que a dívida pública, só a do Estado)? Aos bancos que lhe disseram gasta, gasta, gasta. E aonde foram os bancos buscar esse dinheiro para emprestar ao pobre devedor? Aos financeiros estrangeiros. Afinal, quem é o culpado da dívida externa portuguesa? E até me custa que toda esta conversa contra o consumidor maluco venha muitas vezes, conheço casos, de pessoas com bom nível económico, que podiam poupar e investir, mas que são gastadores compulsivos.

P. S. (13.1.2011) - Com a devida vénia, aproveito dados de hoje no Ladrões de Bicicletas para ilustrar o que escrevi na nota anterior. A dívida portuguesa é de cerca de 460% do PIB. Só 70% é que são dívida pública (Estado e empresas públicas). Os bancos são responsáveis pelo dobro, 140% do PIB. Os tais gastadores individuais, as famílias, afinal devedores por via da banca, representam cerca de 100% do PIB, como dívida. O resto são as empresas não financeiras, com crédito cada vez mais difícil. E sabiam que, pelas regras europeias, a toque de clarim militar-prussiano, o BCE não pode emprestar aos estados mas pode emprestar à vontade aos bancos desses estados?

Novamente a gripe (III)

Já vão em 33 os casos de gripe no Hospital da Guarda. Começo a ter o palpite de que ainda vou ter de escrever bastante mais sobre a gripe, nesta época de inverno gripal.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

"Sound bite"

É coisa de que não gosto, os "sound bites", um texto de um só parágrafo. Sabe-me a pouco, dá-me a impressão de que o leitor me julgará preguiçoso ou incapaz de maior elaboração do discurso. Mas, muitas vezes, falam por si.

Por exemplo, o anunciado imposto especial sobre os bancos. Todas as medidas de austeridade incidindo sobre os cidadãos - e em particular os funcionários públicos - já foram incluídas na lei do OE e regulamentadas, já vigoram este mês. Menos a do imposto sobre os bancos que ainda aguarda regulamentação por simples portaria, com o sempre inevitável pretexto de precisar de harmonização de normas europeias. Palavras para quê?

Presidenciais 2011 - I

Sobre as presidenciais, gostaria de não ter de falar dos casos periféricos, BPN e BPP. Não é que sejam irrelevantes, muito pelo contrário (embora muito diferentes os dois, como direi adiante). É que a minha preguiça bloguística, escrevendo só quando calha e sem a pressão da presença constante na net, desatualiza-me facilmente. Tendo quase tudo sido dito, só algumas notas soltas.

Começo, dando de barato, por coisa que me horroriza, o pequeno truque de desonestidade intelectual: “nunca tive ações do BPN”, afirmado repetidamente até já não ser só o rabo do gato a estar de fora. Claro que não teve, teve foi da SLN, proprietária a 100% do BPN. Em termos psiquiátricos, como escrevi há dias, seria um raciocínio periférico, esquizoide. Em termos políticos, dito por quem não é doente, é pura e simples aldrabice. Ou melhor, talvez mais certo e a meio caminho, é coisa de uma personagem desviante, arrogante, egocentrista, que nunca se engana e que considera que todos os circunstantes são estúpidos.

Vimos pelo último trabalho do Expresso, que merece elogio, que afinal, como manda o bom rigor de raciocínio e de numeracia, um lucro excessivo, sendo relação de dois valores, neste caso compra e venda, tanto pode depender de um como de outro, ao contrário do que pensavam aqueles que se deixaram enredar no momento venda, afinal a preço que os cavaquistas vieram demonstrar que era corrente.

Mesmo assim, em relação à venda, fica ainda por explicar uma coisa estranha. Cavaco afirma que tudo o que fez foi escrever a tal carta de pedido de venda, desconhecendo a sua sequência. Ou está a gozar com o pagode ou é uma aberração de economista, de homem com sentido prático, de pessoa sensata e prudente como deve ser um PR. Se alguém tem cerca de 100.000 ações, fora as da filha, com valor mínimo de 100.000 euros (a preço de compra), não se interessa minimamente pelo preço pelo qual as vai vender? Manda vender às cegas? Não combinou nada? E porque vende, sem mais, mantendo afinal o dinheiro numa aplicação com o rendimento fabuloso do BPN, mas sem o ónus da situação de acionista, proprietário e co-responsável? “Inside information”, informação privilegiada?

Não é legítimo pensar-se que, quanto a isto, Cavaco está a omitir a verdade ou a esconder-se, o que não fica bem a um PR? Que também já foi muito elástico com a verdade sobre as escutas, lembre-se.

E então a compra? Começa pela coisa inconcebível de todos os já acionistas (Cavaco não era) terem de comprar as novas ações a 1,8 € e o inefável presidente do banco as comprar a 1 €, quase metade. E até o outro quadrilheiro, Dias Loureiro, como novo acionista de então, teve de as comprar a 2,2 €. Como é que o Capone do BPN passou a Cavaco ações ao seu preço privilegiado? Não é favor? E claro que não pelos bonitos olhos de Cavaco ou pelos seus méritos académicos. E alguém me convence de que Cavaco, reputado financeiro, investe aquele montante, afinal não negligível, na subscrição de novas ações da SLN sem conhecer a decisão de aumento de capital da sua assembleia geral e os respetivos termos?

Há quem tenha escrito que, nos EUA, tudo isto teria efeitos devastadores sobre a candidatura. É verdade. Como é bem sabido, o individualismo tradicional americano, produto complexo da reforma, da resistência às perseguições religiosas europeias, do puritanismo, mais coisas tão antigas como a importância da vida privada nas sociedades bárbaras do norte, contra o público da vida romana (mas conjugando as públicas virtudes com os vícios privados), mais o desenvolvimento mental dessa coisa tão simples que foi a obrigação de LER a bíblia, e com a imprensa, esse individualismo, dizia, tem como consequência um sistema político-partidário muito diferente. A definição identitária dos partidos é vaga e pesa muito a imagem do candidato, com a questão de muito bom senso de “como é que um tipo destes, com este caráter, nos vai governar?”. Claro que isto vai a extremos que entre nós são impensáveis, como ser aspeto político importante saber se o dito cujo deu ou não uma facada no matrimónio. No entanto, vendo bem as coisas, enganar e mentir à mulher é muito diferente de mentir ao eleitor?

Em Portugal, receio bem que toda esta história de Cavaco e do BPN, perdão, da SLN, não lhe tire nem lhe acrescente um voto. Pior, para muita gente, aumentará o “desgosto da política” e fortalecerá, larvar mas perigosamente, a abstenção. Pior ainda, se calhar até despertará aquela coisa bem portuguesa que é a inveja afinal quase de admiração pelo malandro que consegue o que o Zé não consegue, aforrar-se sem muito trabalho, sonho de todo o tuga que não teve a sorte de nascer com o cu para a lua.

Não quero terminar esta nota, apesar de já ir extensa, sem o dever de imparcialidade de, sendo apoiante oficial de Alegre, comentar brevemente o seu caso, levantado pela campanha cavacal mas já antes sibilinamente referido, em alusão a telhados de vidro, por Fernando Nobre que, obviamente!..., nem podia desconfiar de que alguém na campanha de Cavaco ia suscitar essa coisa da publicidade ao BPP.
 
É claro que não há comparação. No caso de Alegre, é um amendoim de 1500 €, ao que julgo saber, sem qualquer relação política por detrás, sem favorecimentos, sem coisas lastimáveis de provável “inside information”. A tentativa de alguma (quase toda) a comunicação social de apanhar Alegre em “trapalhices” de explicação é patética. Eu lembro-me cá se a universidade X, de que eu era consultor, me pagou há dez anos um trabalho em cheque ou por transferência, se o levantei ou não ou se, tendo cancelado o contrato (e até o fiz uma vez) se devolvi o dinheiro em cheque ou por transferência. Diferente é admirar-me com a ingenuidade de Alegre, ao pensar - e creio que sinceramente, como o atesta o então subdiretor do Expresso - que nada havia ali de publicidade, que um banco, por intermédio de uma agência de marketing, lhe encomendava, mecenaticamente, duas páginas de “um texto literário”. Para a biblioteca do banco? Alegre, voto em si em boa parte porque é poeta, mas com esta história, está a ultrapassar bastante o grau de poesia que gosto de ver, comedidamente, num político.

Declaração de interesses - Faço parte da comissão de apoio à candidatura de Manuel Alegre.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Leitura recomendada

A entrevista de João Ferreira do Amaral ao i.online, "A moeda única, que apareceu para dar coesão à Europa, é um erro". Continuo a dizer que, em relação à política neste ano de eleições, para já presidenciais e depois muito provavelmente legislativas, "that's the economy, stupid!"