sexta-feira, 20 de junho de 2014

Esclarecendo

A minha entrada anterior, “Carta a amigos de esquerda”, suscitou críticas e interrogações, principalmente no Facebook, que bem merecem algum esclarecimento da minha parte. É meu dever, porque certamente fui eu que não consegui ser mais claro, como verifico em segunda leitura. Para facilitar a compreensão desta revisão autocrítica, numerei os parágrafos do texto anterior. Introduzi também algumas adendas clarificadoras.
Começo pela questão semântica, sempre significativa. Como disse no parágrafo 1, não quis que a discussão ficasse enredada na eterna questão se o PS é ou não de esquerda e que pode afectar a participação de socialistas num novo movimento, a nível individual ou por intermédio de organizações sociais a que pertençam. 
Com isto, gerei ambiguidades, tanto mais importantes quanto a minha proposta inclui dois campos de actuação, num dos quais, o do movimento popular unitário, não vejo como inserir o PS, ficando só, coerentemente, a esquerda à esquerda do PS (EePS, talvez a designação mais pragmática). No outro, o da luta a curto prazo para a substituição deste governo, gostaria de assistir a uma convergência mais ampla, de âmbito parlamentar e governativo, entre o referido movimento popular unitário e o PS, se preenchidas condições mínimas de actuação conjunta
Escrevendo “termo esquerda, tomado como abrangendo o PS, os partidos à sua esquerda e todas as forças não partidárias com actuações convergentes com as lutas políticas nesse campo”, fui eu próprio a tornar imperceptível a distinção entre os dois planos de unidade ou convergência que defendo. Aliás, simbolicamente, seria melhor usar o termo unidade para o movimento centrado à EePS (mais as forças sociais que participariam) e o termo convergência para o entendimento desse movimento com o PS, para fins eleitorais a curto prazo.
Apesar da ambiguidade de terminologia, manifesta também, por exemplo, tnos parágrafos 12 e 25 e pela referência ao PS no parágrafo 11, afirmo no parágrafo 6 que a unidade estratégica, verdadeiramente transformadora a prazo, deve ser entre os partidos não sociais-democratas (donde, a EePS).
Como disse atrás, o parágrafo 12 é importante por resumir a minha ideia dos dois níveis de relacionamento: “temos de ver toda a questão de alianças em dois planos, o estratégico e o de curto prazo, neste ciclo eleitoral. O estratégico é, forçosamente, mais exigente, devendo conjugar a abertura ao debate, a democracia e a fraternidade de relações entre grupos e a flexibilidade de referências com um programa comum coerente. A meu ver, isto será tanto mais fácil quanto maior for o envolvimento de organizações sociais e comunitárias, grupos de cidadãos e movimentos não partidários, a constituir, com os partidos, um movimento popular e patriótico.” Todavia, a referência final a partidos, sem especificação, prejudica gravemente a coerência do texto.
Também a proposta objectivada, no parágrafo 25, volta a omitir a qualificação dos partidos, mas depois do que escrevi antes (parágrafos 15 e 16), e também pelas alíneas programáticas (muito gerais, que é o que me compete), parece-me claro que não estava a pensar incluir o PS nesta unidade estratégica.
Uma crítica que me foi feita merece bem um esclarecimento: “Quanto à inevitabilidade que o João vê de se fazer uma discussão com este P"S", convido-o a olhar para Espanha(s), para Inglaterra, para França, para a Grécia, etc. Não vale votar antecipadamente. E não conclua apressadamente que não é a luta de classes que fará mudar o rumo da História. Com estes P"S"s que anotei não há "esquerda" que resista.” 
Relembro o que escrevi. Ao contrário dos casos que o meu crítico menciona, e que mais cedo ou mais tarde demonstrarão o que valem (a começar pelo novo PS grego Syriza), eu referia-me ao plano estritamente eleitoral e a curto prazo, em que é minha opinião que a manutenção da direita é um desastre e em que se deve fazer o máximo para um governo dos partidos da actual oposição. Pela razão muito simples de que, para já, numericamente não há alternativa. Simplesmente, a história ensina que, depois de uma dificuldade não resolvida, é ganhar forças e seguir em frente. O que bem pode acontecer quando tudo indica que uma alternativa “à” esquerda não será uma alternativa “de” esquerda”.
Finalmente, outra crítica. Caracterizei o proposto movimento como popular e patriótico, termo que gera sempre alguma polémica. É claro que não uso o termo como o fazem os anti-internacionalistas, os xenófobos, os que se deixam alienar pelas grandiosidades míticas da nossa história, do fado e do futebol. Uso o termo como identificado com soberania e com a luta pela defesa dos interesses do povo português (cá está uma noção nacionalista a-classista e reaccionária?…) quando confrontado, como agora, com a ofensiva do capital que, este sim, é claramente internacionalista.
P. S. – Como se compreende, fico muito satisfeito com a disponibilidade unitária manifestada pelo Bloco e, separadamente, pelo PCP. Não sou dos que, logo à partida, consideram morta esta perspectiva, que defendem a capelinha sobre a prioridade da iniciativa ou começam com purismos ideológicos, respeitáveis no âmbito do partido mas dificultadores da unidade.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Carta a amigos de esquerda

(A laranja, texto adicionado posteriormente ou emendado)

1. Não estando filiado em nenhum partido nem costumando participar em iniciativas partidárias dirigidas a independentes, é como cidadão de esquerda consequente que me dirijo aos dirigentes e militantes dos partidos de esquerda, das variedades formas de associação política, organização cívica ou movimentação social, bem como a todos os independentes de esquerda, como eu. Para não abrir polémicas divisionistas, em relação ao poderoso inimigo comum, não discuto agora o uso do termo esquerda, tomado como abrangendo o PS, os partidos à sua esquerda e todas as forças não partidárias com actuações convergentes com as lutas políticas nesse campo.
2. Vivemos a maior ofensiva da direita, desde o 25 de Novembro de 1975, contra os avanços democráticos e populares conquistados no período revolucionário anterior. Pela primeira vez, a direita, personificada neste governo, pode mostrar sem equívocos o seu fanatismo ideológico e a sua cumplicidade com o poder económico, ao mesmo tempo que domina a comunicação social e beneficia do apoio de todo o aparelho político do “consenso de Bruxelas”, consolidado pela força políticas de conservadores e neoliberais nos governos europeus.
3. Com isto, a política de austeridade empobreceu os portugueses, obrigou muitos e muitos milhares a emigrarem, colocou as famílias já antes mais desfavorecidas à beira do limiar da pobreza, aumentou para mais do dobro o desemprego, conduziu à falência milhares de pequenas e médias empresas, agravou as ofensas à soberania. E isto sem sequer atingir os seus proclamados objectivos, como o combate à dívida, que aumentou para o dobro e que se transformou no principal problema económico e financeiro de Portugal.
4. Por tudo isto, é urgente substituir este governo. É, obviamente, o primeiro objectivo e a primeira acção que nos congrega. Também parece realista considerar-se que há consenso à esquerda em relação a bases, infelizmente apenas muito gerais, para uma política alternativa: reposição de benefícios sociais, refinanciamento adequado do Estado Social – principalmente saúde, segurança social e escola pública –, combate ao desemprego e, fundamentalmente, criação de emprego jovem, política de investimento, de aumento da procura, de substituição de importações por incorporação de produtos nacionais, etc.
5. Também parece realista pensar-se que, nos próximos anos, no plano eleitoral, nenhuma aliança para um governo de esquerda ou, seja de que forma for, apoiado pela esquerda, pode ser constituída sem o PS, numa situação em que a esquerda à esquerda do PS contará, no máximo, com 20% dos votos. Mas, por outro lado, o PS parece longe da maioria absoluta e tem de definir o seu lado de apoio, se a esquerda se o bloco de centro-direita.
6. Não me estou a dirigir aos partidos, o que seria pretensioso. Dirijo-me principalmente a muitos independentes de esquerda, como eu, que, individualmente ou por intermédio de toda uma variedade de formas de intervenção – movimentos, grupos temáticos, organizações políticas não partidários, podem contribuir para desbloquear as relações partidárias, num processo a dois tempos: primeiro, por mais vocacionada, uma aliança estratégica entre os partidos não sociais-democratas (na prática, os que estão à esquerda do PS e não encaram nenhuma aliança acrítica com o PS) e os seus movimentos sociais de apoio; depois, obtida uma convergência nessa área, tentando negociar um programa comum de governo com o PS.
7. Não querendo ser injusto, penso que muitas vezes a atitude desses amigos independentes acaba por ser inconsequente. São independentes mas cada um tem o seu pequeno ódio contra um ou outro dos partidos de esquerda. Clamam pela convergência, mas limitam-se a dizer que não há outra alternativa contra este governo, omitindo dizerem como se consegue a convergência sobre bases tão conflituais, mas hoje cruciais e determinantes da acção governativa, como a posição em relação ao Tratado orçamental e à reestruturação da dívida. Vêem fracassar sucessivas iniciativas de pequenos grupos (eles também num transparente ambiente de ódios na esquerda), resultantes apenas em alguns milhares de assinaturas numa petição na net, coisa fácil nestes tempos mediáticos e de mediatismo de candidatos a líderes políticos.
8. A ênfase que dou (como tantas vezes antes neste blogue) a um processo em dois passos tem a ver com a identidade estratégica de cada partido. O PCP e, até certo ponto, o BE só existem estritamente em função da organização e defesa da classe de que se tomam como vanguarda e a que atribuem o papel de agente revolucionário, para o socialismo. O PCP fundamentalmente a classe operária, o BE todos os sectores sociais, com destaque para os jovens e intelectuais, que estão em vias de proletarização e de crescente exploração e desemprego. O Livre ainda não parece ter definido um sector social alvo preferencial, se é que o pretende. Até agora ignora as relações sociais, ficando-se por um catálogo de ideias atraente para intelectuais das novas gerações, pelo que constitui principalmente é um possível rival do BE.
9. Esta é uma importante discussão teórica, em desenvolvimento desde há décadas. O agente único revolucionário continua a ser só o operariado? Ou vastas camadas pelo menos vulneráveis (um dia economicamente bem, mal no dia seguinte, de crise) tais como os artesãos, os empregados de nível mais baixo, os reformados, os jovens intelectuais desempregados, não são hoje, embora com alguma incoerência, agentes potenciais da transformação social? Muitas vezes ainda eivados dos efeitos da propaganda anti-esquerda, são pasto para a demagogia do pântano ou, pior ainda, para o populismo, até quando, como se vê com Marinho Pinto, a maioria de inquiridos o considera como de esquerda.
10. A divisão dessa massa popular entre os seus dois principais partidos (sem esquecer que muitos votam PS e até à direita) resolve-se, a meu ver, pela adjunção, com diferença substancial, de um “partido alternativo”. Já aqui o defendi repetidamente mas, não estando na agenda imediata, fico por aqui.
11. O PS é diferente, sendo um partido eleitoralista e orientado exclusivamente para o poder institucional. Recorrendo a fórmulas vagas, à imagem dos líderes e a técnicas de campanha, procura caçar transversalmente, sem se dirigir a nenhuma classe ou camada social, em particular. De facto, não é bem assim. A sua prática, os seus compromissos, nacionais e internacionais, o seu aproveitamento da “porta giratória” entre política e negócios, a ideologia de muitos dos seus dirigentes, colocam-no, na perspectiva de classe, como um partido de apoio à burguesia.
12. Portanto, temos de ver toda a questão de alianças em dois planos, o estratégico e o de curto prazo, neste ciclo eleitoral. O estratégico é, forçosamente, mais exigente, devendo conjugar a abertura ao debate, a democracia e a fraternidade de relações entre grupos e a flexibilidade de referências com um programa comum coerente. A meu ver, isto será tanto mais fácil quanto maior for o envolvimento de organizações sociais e comunitárias, grupos de cidadãos e movimentos não partidários, a constituir, com os partidos, um movimento popular e patriótico
13. A unidade partidária é sempre difícil, mesmo sem integração, como aconteceu em 1974 com o desmembramento e partidarização ilógica do MDP, a favor do PCP e do PS, quando em período de consolidação do 25 de Abril mais necessária era a unidade. Está a ser feita em França, com a Frente de Esquerda. Foi um processo interessante em Espanha, com a Izquierda Unida (reconheço que com problemas) mas que, a meu ver, não justifica receios partidários de descaracterização (cada caso é cada caso, PCE e PCP), nem de dissolução, no caso do BE. Mas não comecem já os meus amigos mais rigorosos do PCP a desfazer na minha proposta com purismos ideológicos, porque me desmancham o esforço de mão estendida a toda a gente de esquerda (para já, à esquerda do PS).
14. Não sei se essa cordialidade de relações interpartidárias, esse respeito mútuo, será possível. Mas se não, é então a altura para dizermos “entendam-se”, o que é diferente de dizer o mesmo, agora e utopicamente, a todo o arco à esquerda do governo.
15. Como disse, entendo, como qualquer pessoa de bom senso, que não está aberto já o caminho para a grande transformação social, para uma sociedade fraterna, solidária e sem exploração. Claro que não há um bloco social e histórico hegemónico de esquerda, nem sequer uma noção cientificamente indiscutível dos contornos do conjunto de classes e camadas sociais que configuram um novo bloco popular. Não está à vista a revolução mas, contra a hegemonia do capitalismo (apenas numa crise provavelmente passageira, sob a forma de neoliberalismo), a aliança que tenho estado a discutir não é suficiente, embora seja a base permanente e sólida de uma actuação frentista. No entanto, é a que tem sentido estratégico, nesta fase, na via para o socialismo.
16. Diferentemente, a curto prazo, o objectivo táctico prioritário é a derrota do governo. Claro que aceito que isto só se consegue com uma plataforma de centro-esquerda e esquerda, mas não tenho ilusões. Considero que ela só tem alguma probabilidade se: 1. a posição negocial pelo lado da esquerda à esquerda do PS for comum, pelo movimento popular e patriótico que apoio. 2. com muita antecedência, esse movimento, ou os partidos da EePS, anunciarem a sua disponibilidade para entendimento com o PS, tirando-lhe o álibi para o habitual “eles é que fazem do PS o inimigo principal”. 3. isso seja acompanhado por uma proposta muito divulgada de bases para entendimento, que pareçam coerentes aos eleitores ou então que exponham o PS, com muita clareza ao juízo público de coisas como a sua aprovação do Tratado orçamental. 4. tudo isto de forma coloquial, de amigo para amigo, porque as pessoas estão fartos de discursos de políticos profissionais, de comentadores ou de – como eu– teóricos aborrecidos.
17. Tendo dado tanta importância às organizações e movimentos sociais, não sou suficientemente conhecedor da situação. Do lado dos partidos, e principalmente depois das eleições europeias, vejo com desagrado algum triunfalismo no PCP. É verdade que aumentou a votação, em número, percentagem e deputados. Mas 12,7% ficam muito longe de permitir ao PCP qualquer papel, em futuro próximo, de congregação de um vasto movimento popular (claro que nem estou a pensar em termos revolucionários). Quanto à expectativa, por muitos sinceramente desejada, de uma solução unitária para o derrube do governo, não encontro nenhuma análise política feita pelo PCP.
18. O BE está em refluxo e – a meu ver injustificadamente – à defensiva. Perde votos e deputados, vê alguma desagregação interna, mas, se recuperar da imagem de partido provocatório em que gastou munições prematuras, pode recuperar a sua posição. Tem sido visto como uma possível muleta do PS, papel que agora é claramente assumido pelo Livre, com alívio do BE. Como se colam hoje as etiquetas dos sound bites, não sei se a direcção bicéfala e paritária o prejudica. Se sim, parece-me que João Semedo, com a sua serenidade e boa imagem de quase-avô é uma demais-valia.
19. Em 6 de Junho (muito atrasado!) João Semedo e Catarina Martins escreveram uma carta serena dirigida às esquerdas. Manifestam uma posição de abertura, para além do simples entendimento partidário: “Ao apreciar os resultados eleitorais na sua Mesa Nacional, o Bloco sublinhou a necessidade de um diálogo aberto entre partidos e forças que lutam contra a austeridade, que saiba juntar energias e envolver cidadãos independentes, ativistas e movimentos sociais, indispensáveis ao esforço para a construção de uma alternativa alargada. Essa convergência é possível, como ficou à vista nas mobilizações de rua dos últimos três anos, na ação parlamentar comum dos partidos de esquerda, noutras iniciativas várias como os fóruns e ações promovidos pelo movimento sindical. Convergência, também, nas propostas de rejeição do memorando e do Tratado Orçamental e pela reestruturação da dívida, desde o Congresso Democrático das Alternativas até ao Manifesto dos 74 pela reestruturação da dívida.”
20. Mas não ficam dúvidas sobre as balizas, que também pressinto serem as do PCP: “No caminho para as eleições de 2015, uma esquerda que pretenda protagonizar um caminho efetivamente alternativo para Portugal tem, na nossa opinião, duas obrigações irrecusáveis perante o país: primeira, não dar qualquer apoio a um governo, mesmo que dirigido pelo PS, que prossiga políticas de austeridade como as impostas pelo Tratado Orçamental; e, segunda, construir um amplo campo de recusa das imposições da União Europeia e de concretização de um programa de transformação social fundado no primado dos direitos constitucionais e na universalidade dos serviços públicos. Sobre essa base, é possível uma oposição convergente e reforçada, capaz de afirmar-se como alternativa e de triunfar sobre a alternância estéril.”
21. De facto, sem estas condições para que serve a mirífica convergência, a não ser para ir à mão de um PS a jogar à direita? E isto não é processo de intenção. Basta andar pelo Facebook para se notar que, entre aqueles que se afirmam de esquerda e que exigem a convergência, há muito menos críticos do PS que do PCP. Haverá muitos que, sendo críticos rigorosos e exigentes do PCP, não sejam  anticomunistas com forte subjectividade? E que fazer com os muitos outros? A bem da esquerda consequente, acho que devia ser grande preocupação do PCP.
22. Quanto aos movimentos de rua (12 de Março, Indignados, Que se lixe a Troika) dá-me a impressão que soçobraram ou estão latentes. Em compensação, há muitos e variados grupos activos de intervenção cidadã, comunitária, pela solidariedade, que estão activos, muitas vezes num esforço hercúleo. A sua participação num novo movimento popular dar-lhes-á ânimo.
23. As duas organizações mais estruturadas, o Congresso Democrático das Alternativas (CDA) e a Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida (IAC) merecem maior reflexão. Congregaram centenas de pessoas, no seu lançamento, e têm tido iniciativas muito interessantes, embora com alguma descontinuidade. O CDA tinha uma declaração política inicial, muito mais elaborada do que os documentos iniciais da IAC. No entanto, a principal proposta do CDA, a rejeição do memorando troikiano, perdeu tempestividade.
24. Qualquer dos movimentos, de preferência em conjunto, tem credibilidade para promover uma grande acção de cidadania para a construção, com os partidos, do Movimento Popular e Patriótico. Só tenho a reserva da sua obscuridade, que ficou manifesta quando do lançamento do manifesto do 3D, que ninguém sabia até que ponto era um aproveitamento do CDA, contraditoriamente com o facto de, pra quem esteve na Aula Magna, o CDA parecer em muito controlado pelo BE. Por estas dúvidas, é necessário que, para essa nova fase da sua actuação política, convoquem reuniões de base, apresentem os seus actuais dirigentes (quem são?) e, com um debate progressivo, se afirmem mais em intervenção, recrutem aderentes e elejam novas direcções.
25. Em síntese, proponho que
a) Se trabalhe, entre os partidos, sindicatos, movimentos sociais, organizações políticas não partidárias, etc., para a criação de um Movimento Popular e Patriótico, centrado em pilares consensuais de valores e objectivos de esquerda: 
– defesa do estado social; promoção do crescimento económico e do investimento; reposição dos prejuízos causados pela política de austeridade ao povo português; afirmação da soberania; rejeição do Tratado orçamental; admissão de que a dívida é insustentável; promoção da qualidade de vida e rejeição da sociedade unidimensional, com combate à alienação;
– tendência para a inversão da distribuição do rendimento nacional entre o trabalho e o capital;
– preocupação preferencial com o bem estar das camadas populares, bem como os sectores mais frágeis da população, nomeadamente reformados, precários, domésticas dependentes, imigrantes, desempregados, entre os quais jovens qualificados sem emprego;

– estímulo à cidadania efectiva, para construção de uma democracia participativa.
b) Que este movimento encontre formas organizativas e funcionais que permitam relações fraternas e leais entre as organizações, sem prejuízo da sua liberdade de afirmação pública das suas posições específicas, e que permita enquadrar os independentes que o queiram integrar individualmente.
c) Que se estude a mais eficaz utilização dos instrumentos da net para este objectivo, constituindo uma rede de intervenção concertada dos seus apoiantes.
d) Que o diálogo com o PS para uma possível plataforma de entendimento nas legislativas de 2015 seja estabelecido pelo Movimento e não pelos partidos isoladamente, e depois da elaboração de uma posição política de base do Movimento.

terça-feira, 17 de junho de 2014

A natureza dos partidos

A minha prioridade de agenda de escrita era uma carta aos meus amigos de esquerda. Obviamente, pela sua importância, não a posso esquecer, até porque se estão a multiplicar outras posições, como a dos dois dirigentes do BE, bem como as respostas de Ana Drago e de Daniel Oliveira. Mas, em tudo isto, sinto-me em dificuldade, numa espécie de diálogo de surdos. Que esquerda? Que unidade e para quê? O que são os factores de união? O que é que o eleitorado pensa disto? E, mais especificamente, o que pensa cada “grupo social”?
Respeito pessoalmente as pessoas com quem não concordo, mas fico muito condicionado no debate, neste período tão crítico, quando não há um mínimo de entendimento sobre as premissas do debate. Um dos mais flagrantes exemplos é o da discussão centrada na classe média. A meu ver, este conceito duvidoso confunde toda a estrutura social (reconheço que em mudança) e, transposta para a política transversal e convencional, alinha, à esquerda, com uma visão empastelada que converge com a do pântano ou do centrão.
O principal problema na discussão de uma possível unidade entre PCP, BE e PS é o de se igualizar os partidos. Concorde-se ou não (não vou discutir) o PCP é um partido de classe, em que a acção eleitoral e institucional é apenas uma parcela da acção. Pelo seu sentido estratégico, as alianças situam-se num quadro que ultrapassa um ciclo parlamentar eleitoral. Uma aliança é sempre de azeite e vinagre, teoricamente imiscíveis. Para se conseguir uma boa vinagreta, uma emulsão sempre instável, é preciso boa técnica e bom conhecimento dos ingredientes e das suas características essenciais.
Para que fique claro, e pretendendo contribuir de fora para um debate saudável e amigável sobre a natureza dos partidos e como ela condiciona as suas relações, vou deixar de lado a minha perspetiva teórica (marxista) mas não traduzida na prática (comunista, que não é a minha). Não é fácil para mim, porque, na realidade política portuguesa, o marxismo do PCP está intimamente vinculado ao leninismo, que não perfilho, no que respeita ao “centralismo democrático” (fora a teorização do imperialismo e da conquista do Estado), para além de emergências estalinistas que me horrorizam, enquanto que outros partidos, BE e Livre, dificilmente se podem considerar como marxistas. Ideologicamente, estou numa terra de ninguém. Entenda-se, porém, que não considero necessária a uma aliança de esquerda, popular e patriótica, uma base marxista.
Façamos uma viagem até muito atrás. Em 1974, ainda havia uma grande parte de proletariado industrial e agrícola, em que o PCP tinha grande influência. Entretanto, já tinha mudado bastante a relação de forças noutro sector importante, o intelectual (predominantemente o estudantil) em que, no fim da década de 60, o PCP perde posições para os socialistas e principalmente pra variadas correntes maoístas, hoje absorvidas pelo PS e pelo PSD. Entretanto, tinha-se desenvolvido uma ampla pequena burguesia de funcionários, pequenos empregados, que acorda politicamente com as posições moderadas, a jeito das democracias liberais, do PS, nas camadas urbanas, e do PSD, nas camadas da pequena burguesia nortenha, provinciana e rural. O sistema partidário estabilizou-se em três polos principais, PS, PSD e PCP.
Significa que, em polarização, o confronto faz-se em torno do dipolo democracia e totalitarismo, explodindo no 25 de Novembro. Mais tarde, e durante toda a fase da aproximação à Europa, por o PS ter posto o socialismo na gaveta, ter jogado tudo na união europeia e nunca ter precisado do PCP para uma maioria governativa. Goste-se ou não, com um PCP sempre firmemente agarrado aos seus valores, e à defesa depois do colapso do sistema soviético, e com um PS cada vez mais descaracterizado, terminando na sua veneração por uma terceira via blairiana, passou a ser impossível pensar-se em alianças. E nem isto tinha muito sentido, por não haver uma ameaça de direita suficientemente forte, antes da supremacia do neoliberalismo e do domínio da política da crise pelo pensamento único europeu.
O que eram as camadas sociais de então? O proletariado (operariado industrial e trabalhadores assalariados rurais e das pescas), a pequena burguesia de economia familiar e sem empregados em número significativo (artesãos, pequeno comércio), a pequena/média burguesia dos empregados, os intelectuais e quadros técnicos, os pequenos e médios empresários empregadores, já membros da burguesia, tal como os quadros administrativos e dirigentes, e, finalmente, a grande burguesia. Porque é que já não ouvimos falar nesse termos, só em eufemismos? O que se chama classe média é uma amálgama de sectores sociais com rendimentos, interesses, valores, níveis culturais e educacionais muito variados.
Entretanto, e em boa parte pelas mudanças económicas decorrentes da adesão à união europeia, julgo que mudou substancialmente a estrutura social, com reflexos nas projecções ideológicas e na forma de se ver a política. Aumentou enormemente o sector dos serviços, com escassa solidariedade orgânica, muita competição entre colegas, egoísmo. Sem bases, reconheço, julgo que devem ter engrossado consideravelmente a votação de direita. Decresceu o proletariado industrial e principalmente o agrícola e das pescas, o que, com a debilidade por insegurança laboral de amplos sectores do pequeno empregariado, retira apoio fiel ao PCP e ao movimento sindical. No extremo oposto, foram cada vez mais hegemonizados ideologicamente os quadros gerentes e técnicos, a reverem-se socialmente na alta burguesia e captados pela ideologia liberal e seus partidos. E, talvez a principal mudança, a democratização do sistema educativo, fez crescer uma grande camada de pequena burguesia, mesmo da mais baixa pequena burguesia, com educação superior, abalada entre as influências culturais de origem e as universitárias, e presa de ideologias confusas, vagamente contestatárias e principalmente em revolta com uma sociedade que os confronta com desemprego insustentável, precariedade de vida, dependência dos pais, impossibilidade de constituir família, em contraste com os tempos dos seus pais, em que o diploma era tudo na vida.
Com isto, a polarização “democracia” (PS e PSD) e “totalitarismo” (PCP) complicou-se com um novo polo, de jovem esquerda intelectual, desestruturante, inconvencional, ávido de alinhamento em experiências estrangeiras pós-modernistas, congregação de correntes antes visceralmente antagónicas (trotskistas, maoístas, neocomunistas), preocupação com a ocupação mediática. A princípio o BE, agora o Livre e tudo o que aparece em resposta a um apelo emotivo à convergência de esquerda. Repare-se que não se pede uma afirmação ideológica, antes um simples papel instrumental, para “agarrar o PS”. Triste destino de uma nova história política!
Tudo com grande fragilidade teórica, pouca determinação prática, distanciamento elitista do trabalho social autárquico e sindical, sobrevalorização de figuras mediáticas. Anos depois, é o que ainda faz sair figuras tão obscuras e ideologicamente tão infantilmente (?) ambíguas como Rui Tavares ou Pablo Iglesias.
Assim, é um logro pretender-se reduzir a estrutura social a proletariado (diminuído e preso ao PCP e vice-versa) e a classe média, aberta a novas soluções, como faz sistematicamente Daniel Oliveira, como base teórica das suas propostas políticas. Não há classe média, como pretendi demonstrar. Há um conjunto de camadas ou sectores sociais móveis, entre os dois polos do sistema actual, os capitalistas e os proletários. O resto está em mudança acelerada, muito em função das mudanças técnicas (o pós-industrialismo, o pós-taylorismo, o “capital humano” – expressão de que não gosto), mas também da hegemonia cultural e ideológica que “compra” alienatoriamente a consciência de classe.
Eu creio que Daniel Oliveira não consegue captar a complexidade da estrutura social actual, reduzindo tudo, nas suas análises, a “classe média”. Talvez seja coisa útil para quem quer usar o seu espaço mediático, mas não é rigoroso. E viu-se o que deu o 3D. Mais problemático foi tê-lo lido a dizer que continuava os seus contactos, a título pessoal. Isto quando, honestamente, o 3D anuncia que termina a sua acção. Mas há egos descomunais.
Eu não pretendo que todos os interessados no debate de uma aliança de esquerda pensem nestes termos, embora esteja convencido de que, não o fazendo, começam logo por ter dificuldades em perceber o que é a esquerda. Mas certamente o que não podem é pensar em alianças misturando alhos com bugalhos. É preciso compreender a natureza de cada partido para se poder imaginar como os sentar à mesa.

sábado, 14 de junho de 2014

O pós-modernismo das primárias abertas

Anda meio mundo alvoroçado com a novela Seguro-Costa, com a grande revolução política das primárias. É sobre esta última questão que gostaria de deixar alguns apontamentos.
Não tenho nada contra quem as deseja, no seu partido, ou quem as elogia noutros partidos, mas tenho o direito de ter alguma ideia sobre o significado político de tal novidade. As primárias abertas reflectem uma noção de partido mediático, em que, mais do que a coerência das posições programáticas, vale o carisma de líderes com grande presença televisiva que se elegem facilmente, sem terem de passar pelo filtro do trabalho organizativo, de mobilização, de coordenação da reflexão política. Dizem uma dúzia de slogans e é tudo, sob o disfarce de grande democracia da participação dos outros candidatos, na zona obscura de elegibilidade, que têm neste processo uma hora ilusória de importância política. As primárias abertas serviram só para legitimar, por exemplo, Rui Tavares e Pablo Iglesias, do Podemos. No caso do Livre, quem são os seus dirigentes? Alguém os conhece e às ideias com que se apresentaram às suas primárias abertas?
Antes era “o meu reino por um cavalo”. Hoje é “a minha acção política por uma hora de televisão”. E são esses eunucos televisivos – jornalistas ou comentadores –, que vêm dizer que a democracia está conspurcada. Olhem para si mesmos.
A coisa modernista das primárias abertas traduz a ideia de um partido caixa de correio, feito de programa e ideias transmitidas só pelos eleitores e sem elaboração ideológica interna. A minha concepção é inversa, embora, obviamente, aceitando a importância de os partidos estarem atentos à opinião pública e, em especial, das camadas sociais a quem se dirigem preferencialmente. Mas os partidos não são meras caixas de ressonância mediáticas. São os espaços privilegiados (ou deveriam ser) da reflexão teórica e prática, concretizada em propostas políticas.
Não há nisto, teoricamente, nada de antidemocrático mas aceito bem que, na prática, esta questão das primárias, como outras, mereça discussão, como forma de reflexão sobre a melancolia em que caiu a democracia parlamentar e partidária. Simplesmente, esta proposta não encerra a discussão, que tem a ver com o problema muito mais importante da democracia participativa.
Deve-se é clarificar alguns mitos que por aí se agitam. Primeiro, as primárias abertas a simpatizantes (o que não é o mesmo que as directas de âmbito partidário restrito) estão longe de serem uma tendência forte na Europa. Tanto quanto sei, só existem, com expressão significativa, em três partidos socialistas (Itália, França e Espanha) e no extravagante 5 estrelas de Beppe Grilo.
Depois, não têm nada a ver com o exemplo americano, sempre referido. Os dois grandes partidos americanos, Democratas e Republicanos, não têm nada a ver com a situação europeia. Não têm organização, não têm um programa claro, são principalmente máquinas eleitorais. As suas posições políticas são a resultante das propostas de cada candidato e a sua legitimidade vem do voto nas primárias (para além de alguns processos curiosos, como os caucus). Por isto, é frequente verem-se divergências de voto no Congresso, porque cada senador ou representante foi eleito com legitimidade pessoal. Não é este o sistema europeu e invocá-lo em favor de primárias na Europa é fraudulento.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

O mediatismo dos novos partidos

Disse aqui há dias que a emergência de uma política alternativa, mormente a nível da criação de novos partidos, está capturada pela “boa imprensa”, pelo domínio das “sound bites”, pela imagem telegénica dos protagonistas, com a empatia a valer mais do que as ideias.
O caso mais flagrante desta tendência (entre nós demonstrada pelo Livre) é o sucesso repentino do novo partido espanhol, o Podemos. Antes, distingamos, na situação portuguesa, os fenómenos do Livre e do MPT. O Livre capta votos, mais de 2%, claramente na esquerda, enquanto que o MPT, pelo populismo de Marinho (e) Pinto, faz uma colheita transversal, como sempre foi regra dos populismos, incluindo os proto-fascistas.
O promotor do Podemos, Pablo Iglesias, é um dos mentores de um programa televisivo de grande audiência, o “La Tuerka”. Tem um estilo forte, de comunicação muito empática e abordando problemas concretos de forma muito directa, mas sem um “plano de fundo” que os espectadores possam considerar como cassete. Fica Iglesias como figura que vai ao coração das pessoas com queixas, sem precisar de um programa político. Assim, o programa do Podemos é teoricamente muito limitado: ênfase na democracia directa, movimentos de cidadania, militância em círculos e rede (?). 
No entanto, concretiza-se em propostas apelativas, verdadeiramente de esquerda consequente, como, por exemplo: “Plan de rescate ciudadano centrado en la creación de empleo decente en los países del sur de Europa; Auditoría ciudadana de la deuda; Conversión del BCE en una institución democrática para el desarrollo económico de los países; Reorientación del sistema financiero para consolidar una banca al servicio del ciudadano; Recuperación del control público en los sectores estratégicos de la economía; Política tributaria justa orientada a la distribución de la riqueza y al servicio de un nuevo modelo de desarrollo”.
Tome-se também em conta que estas posições políticas programáticas como bandeiras pouco elaboradas invocam as palavras de ordem e as motivações de movimentos um pouco anarquizantes, como os Indignados 15M. Uma coisa e outra, resultando no sucesso do Podemos, são um desafio à nossa esquerda partidária convencional.

Isto tem entre nós dois exemplos instrutivos. O primeiro foi a criação, tecnicamente fácil, do novo partido Livre. Como discuti aqui e noutras entradas antes referidas nessa, entendo que o seu programa é confuso, até oportunista, mas com coisas na moda de que os jornalistas precisam para atrair o leitor. Estou convencido de que muitos dos seus apoiantes foram atraídos principalmente pelo mediatismo de Rui Tavares. Assim, não é de estranhar que o “revolucionário”, pós-moderno e “radical-democrático” processo das primárias abertas (coisa americana que um dia destes discutirei aqui) tenha resultado numa destacada escolha de Rui Tavares como cabeça de lista, tal como se passou com Pablo Iglesias em Espanha.
O segundo, pela negativa, foi o fracasso do 3D, que podia ter contado com a imagem de Daniel Oliveira. Não me parece haver dúvidas de que ele tem ambições políticas, embora diga sempre que a sua escrita é de análise desinteressada. O 3D foi um fracasso incompreensível quando se pensa na experiência política da generalidade dos seus subscritores. Como é que puderam admitir o sucesso de uma OPA ao Bloco de Esquerda, só porque se dizia que a sua existência era virtual? Não sabiam do espírito de “hold the fort”? Mais, como julgavam corresponder ao desejo visível de convergência de esquerda eliminando à partida da sua gama proposta de conversações o PCP?
Também isto marca uma diferença em relação ao Podemos, que se desmarca claramente de qualquer convergência com o decadente PSOE, enquanto que algumas novas movimentações portuguesas, incluindo o Livre, parecem atraídos pela aliança com o PS. Desculpando-me da ironia, muito bem fez a Renovação Comunista, namorada pelo 3D. Isto de ficar preso a manifestos de gente bem pensante mas mal actuante é uma chatice. Mais vale ir logo a jogo, apoiando o PS.
NOTA – Porque não se aliaram a Izquierda Unida e o Podemos, tão próximos que são os seus programas? Não é fácil perceber, porque a vasta informação sobre isto nos confunde. Vou tentar estudar e logo escreverei alguma coisa.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

A morte anunciada das universidades privadas

Quando começou a crise, era de esperar que se abrisse um precipício para a queda das instituições privadas de ensino superior (IPES), universidades e politécnicos. Não foi assim, e é instrutivo analisar porquê.
As famílias teriam muito maior dificuldade em colocar os seus filhos nas IPES? É certo, mas merece ponderação. As propinas não aumentaram, em geral, e as IPES começaram a adoptar práticas de facilitação para as famílias, com negociação dos encargos, deferimento de dívidas, facilitação do pagamento de taxas de diplomas. O que aconteceu é que esta redução da receita foi feita à custa de considerável redução da despesa, não só e principalmente com o pessoal, mas mesmo com a despesa directamente ligada à qualidade do ensino, em particular as aulas práticas, os seus consumíveis, ou as saídas de estudo.
Também se admiram alguns de que o aumento de vagas nas universidades públicas e mais ainda nos politécnicos (no total, 14176 vagas sobrantes de 51461 iniciais) não tenha feito baixar as candidaturas às IPES. De facto, teve, a nível que, ao que me dizem, anda por 10-15%. É uma taxa considerável que, como disse, só pôde ser compensada pela enorme contracção da despesa, com consequente diminuição da qualidade.
É necessário decompor essa maior disponibilidade de vagas no ensino público, para se ver se ela tem ou não efeitos na entrada nas IPES, cuja oferta é muito assimétrica. Quase não têm tecnologias (e quando têm, sofrem as maiores quedas) e concentram a sua massa estudantil em Direito, Economia e Gestão, Comunicação Social e Informática e Multimédia. As ciências e tecnologias da Saúde foi chão que deu uvas, assim como a arquitectura, mas por razões de empregabilidade.
Todas as vagas de Direito e de Psicologia das públicas ficaram preenchidas. As públicas ofereceram 322 lugares na área das Ciências políticas e das Relações internacionais e foram todos preenchidos. Na Economia e Gestão é que ficaram algunas vagas, 196 em 923. As privadas ainda conseguem ser supletivas nestas áreas, mas até se ver. De qualquer forma, têm de ir ao sabor da onda, sem liberdade para uma estratégia própria.
Uma obscura alteração legislativa também deu alento às IPES, apesar do apregoado rigor do ministro Nuno Crato. O sistema de graus e as suas exigências era regulado pelo DL 74/2006 e foi depois alterado pelo DL 115/2013. Com níveis diferentes de exigência em relação a cada grau, impunha-se um mínimo de requisitos quantitativos e qualitativos em relação ao pessoal docente. Por exemplo, uma licenciatura precisava de um corpo docente com maioria de doutores, tal como o mestrado, que exigia também que “desenvolvam actividade reconhecida de formação e investigação ou de desenvolvimento de natureza profissional de alto nível”. Ora o DL 115/2013 passou a aceitar que essa investigação de qualidade tanto possa ser praticar intramuros como em outros centros de que o docente faça parte.
Quanto a doutoramento, estipula o DL 74/2006 que “ só podem conferir o grau de doutor numa determinada área as universidades que: a ) Disponham de um corpo docente próprio, qualificado nessa área, cuja maioria seja constituída por titulares do grau de doutor, e dos demais recursos humanos e materiais que garantam o nível e a qualidade da formação adquirida; b ) Demonstrem possuir, nessa área, os recursos humanos e organizativos necessários à realização de investigação; c ) Demonstrem possuir, por si ou através da sua participação ou colaboração, ou dos seus docentes e investigadores, em determinadas instituições científicas, uma experiência acumulada de investigação sujeita a avaliação e concretizada numa produção científica e académica relevantes nessa área.”
Tudo isto é redondo. Conheço programas de doutoramento, em públicas e privadas, em que a maioria dos orientadores de tese são doutorados sem qualquer qualificação superior, sem publicações pós-doutorais, sem agregação, sem concursos. E que, com o novo sistema de avaliação de desempenho, se batem furiosamente para ficar com esse encargo, ultrapassando colegas mais experientes.
Porque é que isto é tão importante, para as privadas? Porque o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES, L 62/2007) estipula que só pode ser reconhecida como universidade privada a que pode (…) “d) Desenvolver actividades no campo do ensino e da investigação, bem como na criação, difusão e transmissão da cultura; e) Dispor de centros de investigação e desenvolvimento avaliados e reconhecidos, ou neles participar.”
Repare-se no que respeita a centros. “Avaliados e reconhecidos” é, consensualmente, o processo a cargo da Fundação da Ciência e Tecnologia. Tendo feito uma pesquisa rápida, confesso, só encontrei duas IPES que estivessem nessa situação, mas cada uma apenas com um centro, quando as públicas têm dezenas de centros cada uma.
Posteriormente, como disse, o DL 115/2013 veio dar uma ajuda, ao permitir que a qualidade da investigação científica dos docentes seja aferida não só pela que é praticada na própria universidade como também noutros centros em que o docente exerça actividade. No entanto, isto não ajudou muito, porque muitos desses docentes, com grande qualidade e a investigarem em centros de excelência, para obterem bolsas ou contratos com a FCT, tiveram de rescindir os contratos com as IPES.
Também o artº 47º estabelece requisitos mínimos em relação ao corpo docente, a nível global: 
“1 — O corpo docente das instituições de ensino universitário deve satisfazer os seguintes requisitos: a) Preencher, para cada ciclo de estudos, os requisitos fixados, em lei especial, para a sua acreditação; b) Dispor, no conjunto dos docentes e investigadores que desenvolvam actividade docente ou de investigação, a qualquer título, na instituição, no mínimo, um doutor por cada 30 estudantes; c) Pelo menos metade dos doutores a que se refere a alínea anterior estarem em regime de tempo integral.
2 — Os docentes e investigadores a que se referem as alíneas b) e c) do número anterior: a) Se em regime de tempo integral, só podem ser considerados para esse efeito nessa instituição; b) Se em regime de tempo parcial, não podem ser considerados para esse efeito em mais de duas instituições.
Na prática, isto é uma ficção. O que é tempo inteiro? Nas universidades públicas, é cumprir uma carga de trabalho semanal de 35 horas, incluindo carga docente, investigação, preparação de aulas, estudo, etc. Nas privadas, ninguém sabe o que é. Em algumas, talvez a maioria, os docentes são pagos à hora e só lá vão para darem as aulas. Nem um sítio decente têm para estudarem ou receberem alunos. Tutoria é coisa inexistente, mesmo nas que se afirmam pioneiras de Bolonha.
A constrição a que mais dificilmente escapam diz respeito ao mínimo de ciclos de estudos (L62/2007, arte 42º): “i) Seis ciclos de estudos de licenciatura, dois dos quais técnico-laboratoriais; ii) Seis ciclos de estudos de mestrado; iii) Um ciclo de estudos de doutoramento em pelo menos três áreas diferentes compatíveis com a missão própria do ensino universitário.”
Com alguma complacência da avaliação, parece que não estarão em risco no que se refere a licenciaturas e mestrados. Outra coisa são os doutoramentos, em muitos casos à tangente e com nível por vezes duvidoso.
Uma universidade, a que tem melhor posição, tem como orientadores de doutoramento (doutoramentos desdobrados para fazer número) uma maioria de professores que não pratica qualquer investigação (se tiverem paciência, vejam os currículos). Outra tem 7 programas de doutoramento, mas cada um com 4 ou 5 doutores e de fraco currículo. Outra tem só dois doutoramentos, abaixo do mínimo legal, mas continua em funções. Outra, nem um doutoramento tem. Parece-me complacência a mais da A3ES.
Para ter uma noção rigorosa das IPES, é preciso ter dados e recursos de análise para aferir da sua qualidade. Isto é muito difícil, porque elas estão mergulhadas numa lógica de marketing que falseia a transparência dos dados. Não é coisa de somenos, porque as famílias que lhes pagam a educação dos filhos têm direito a ser devidamente informadas, como “stakeholders”, de relatórios de confiança sobre a qualidade das universidades. O ensino superior não é um simples negócio, porque desempenha uma muito relevante actividade social.
Desenvolverei este tema em próximo artigo, mas deixo algumas notas.
i. Não há um estatuto de carreira docente que garanta a qualidade nos processos de recrutamento e de progressão.
ii. Ao contrário das universidades públicas, em que a escolha do reitor é hoje feita por um processo de selecção exigente, conjugando critérios estratégicos e de gestão, ela depende nas IPES de decisões discricionárias da entidade instituidora.
Em conclusão: é possível que as IPES se consigam manter, mas, a meu ver, em marcha acelerada para a perda de qualidade.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Um discurso político que vá ao coração

É opinião corrente que o discurso político à esquerda está desadequado, em termos de eficácia comunicacional. As grandes bandeiras e os slogans são vistos por vezes como coisa antiquada e muitas posições são formuladas de forma repetitiva. É a chamada cassete, quando, de facto, não há mais descarada cassete do que aquela que é usada para “denunciar” infindavelmente a cassete que o é, felizmente, porque não se deve dizer e desdizer a cada dia o que é convictamente assumido.
No entanto, não se deve desdenhar sobranceiramente esta questão. Mergulhadas em “ondas” de informação ligeiras e pouco sérias, sem disponibilidade para reflexão, até isoladas em casa ou em círculos muito estreitos que limitam a discussão, as pessoas dependem cada vez mais de “sound bites”. Quantos lerão os programas ou documentos partidários? É por isto que discordo de um amigo, dirigente partidário, que, em resposta a críticas minhas, me remete sempre para documentos oficiais do partido. Por exemplo, o que conta a posição escrita do PCP em relação à Coreia do Norte, quando toda a gente, condicionadamente, se lembra sempre é de Bernardino Soares?
Da mesma forma, que esclarecimento têm de facto 36,6% de eleitores que consideram que Marinho (e) Pinto se situa na esquerda ou no centro-esquerda e que desejam vê-lo concorrer a ambas as próximas eleições, legislativas e presidenciais? Ou alguém já leu ou ouviu alguma coisa diferenciadora de Seguro e Costa para ficar a reflectir nesta onda que só tem como água, ou espuma, a ideia de politiquice primária de que Costa tem mais carisma e é mais ganhador? Nos tempos de hoje, estas é que são as qualidades políticas; mais, importantíssimo, entrar regularmente nas casas por via da TV, mesmo em programas tão ligeiros como o de Marinho (e) Pinto (não recordo o nome) ou o Eixo do Mal (estou a fazer futurologia…).
Desde jovem, no movimento estudantil, escrevi muitos textos políticos. Muitos eram panfletários, cheios de slogans, muito assertivos, a apelar à luta. É claro que só têm sentido quando há alguma receptividade subjectiva a esse registo de linguagem; de outra forma, pode parecer épico-trágico. Outros textos eram doutrinários, mais aprofundados, excessivamente aprofundados. O registo era, e é ainda, áspero, de leitura cansativa, não atraente. Ainda hoje, relendo-os, me pergunto “para quem estava eu a escrever isto? Ou era só um exercício narciso-hedonístico?”.
A questão é hoje ainda mais pertinente. Talvez a esquerda consequente não esteja a saber falar bem para largos sectores sociais incluídos nas chamadas classes médias. Concorde-se ou não, no concreto, com as posições de cada um dos partidos, elas são consequentes, bem formuladas, sem demagogia. E, no entanto, só têm impacto em cerca de 20% dos eleitores. Também é necessário diversificar. Eu julgo ter mais queda para um discurso analítico  teórico, mas considero muito útil, por exemplo nos blogues, o registo satírico, o protestativo ou o emotivo.
É preciso tocar as pessoas. Quando Marx pontua os seus textos teóricos com notas vivas de retrato pungente das crianças miseráveis dos bairros operários de Londres, dá vida e emoção a todo um programa político. Quando António Gedeão nos descreve tão simplesmente o dia a dia de Luísa (aliás a sua própria mãe), a subir e descer a Calçada de Carriche, não precisa de propor um programa político para melhorar a vida das mulheres trabalhadoras. “Os Capitães da Areia” é quase um manifesto do PCB. Hoje, vemos programas que querem dizer muita coisa, listagens de medidas áridas e muitas vezes pouco perceptíveis para o cidadão comum, quando não apenas expressão de simples propaganda. Podem chegar – duvido – ao entendimento das pessoas, mas muitas vezes não lhes chegarão ao coração.
Lembro-me de pessoas que conheço e que até nem são das mais desfavorecidas economicamente. A. trabalha numa pequena empresa, de três pessoas. São amigas, mas só uma é que conseguiu capital e é a patroa. A. tem dois filhos e o marido trabalha quase sempre à noite. Por isso, ela combinou com a amiga proprietária da empresa que faria sempre o turno das oito às cinco, para ir buscar os filhos à escola, tratar deles e também preparar a ida do marido para o trabalho, podendo ainda ter algum tempo para conviver com os filhos, o único lazer/prazer que lhe resta. Mas agora, com a crise e exigências de clientes em relação a horários, e mau grado a amizade na empresa, obrigaram-na a trabalhar até às oito. Perde a vida de família. Não é uma questão de dinheiro, é de qualidade de vida. A. quer encontrar um partido que se preocupe com isso.
B. é licenciada e trabalha numa multinacional. A pressão do trabalho até a impediu de ser mãe até uma idade em que, no meu tempo, já tínhamos famílias bem estabelecidas. Toda a cadeia hierárquica da empresa quer mostrar serviço à casa mãe e ameaça com as avaliações, numa situação em que o vencimento é em boa parte de prémios. Exige-se ao máximo, das oito às nove ou dez, com a cumplicidade forçada do pessoal. O marido também trabalha nos mesmos moldes e a filha, pequenita, que eles quase não vêem, circula entre as avós, obrigadas a trabalhar a meio tempo. B. não tem sido muito prejudicada economicamente com a crise, mas não é uma questão de dinheiro, é de qualidade de vida. B. quer encontrar um partido que se preocupe com isso.
Há tempos, recordei aqui o pioneirismo do MDP do final dos anos 80, ao afirmar-se como partido alternativo. Repito:
A luta política de Esquerda continua a ser, no fundamental, a luta contra a discriminação das camadas sociais marginalizadas e excluídas, a luta contra a distribuição desigual da riqueza, a luta contra a exploração e atraso forçado da maioria dos povos, a luta contra o obscurantismo e a alienação, a luta contra a competição selvagem.Mas mesmo nos extractos sociais que hoje beneficiam da riqueza das sociedades industriais desenvolvidas emerge um novo tipo de problemas sociais que ainda não tiveram reflexo claro no pensamento de Esquerda e para os quais mesmo as formas mais avançadas da social-democracia não encontram solução.As profundas mutações sofridas pelas sociedades industriais desenvolvidas, com importantes reflexos nas sociedades intermédias e sub-desenvolvidas, acumularam novos factores de crise. Criou-se riqueza, possibilitou-se um alto padrão de consumo, subiu o nível médio de educação e mundializou-se a comunicação e a informação. Mas diluiu-se a cidadania, enfraqueceu a privacidade, intensificaram-se em abstracto as interdependências sociais com perda das relações gregárias tradicionais (inclusivamente dos laços familiares).A vida individual é mais autista, decorrendo entre o trabalho muitas vezes desinteressante e pouco criativo, a habitação em ambiente residencial descaracterizado e os lazeres massificados. A menor disponibilidade de tempo e atenção psicológica para a família isolam e vulnerabilizam os jovens. Os ritmos de vida acelerados e a competitividade agressiva geram crescente “stress” individual e social, com reflexos na expansão da criminalidade e na evasão alienante por via das drogas, do alcoolismo ou da adesão a múltiplos irracionalismos e seitas. O egoísmo, a competição e a insegurança conduzem, com outros factores, ao preocupante crescimento do racismo e da xenofobia.A satisfação crescente das necessidades materiais não é acompanhada por um sentimento paralelo de felicidade humana e de alegria de vida, e essa “tristeza” de uma sociedade sem fraternidade e sem idealismo reflecte-se politicamente naquilo a que já se chamou de “melancolia da democracia”.Portugal é um país com uma situação intermédia ou mista nesta tendência de evolução das sociedades. Vastas zonas do País e consideráveis camadas da população mesmo das zonas mais desenvolvidas vivem em atraso económico e cultural tal que os novos problemas sociais ainda não exigem uma revisão radical das linhas tradicionais de acção da Esquerda.Mas ao mesmo tempo, e de forma mais evidente no eixo litoral, enxertou-se sobre este atraso uma formação social fortemente terciarizada, com acentuadas alterações de composição social, valores e aspirações, às quais é necessário que a Esquerda tente dar uma resposta actualizada.
Pensar nestes termos, propor programas ajustados aos novos problemas sociais, ter em conta que correspondem ao sentir de vastos sectores da pequena e média burguesia, ter a expectativa de que, com novos desafios, se pode ajudar a desbloquear a situação partidária presa na política convencional, tudo isto pode abrir novas perspectivas a alianças de esquerda, partidárias e sociais.
NOTA – Presumo que vão dizer que o texto do MDP que transcrevi, sendo inovador no conteúdo, sofre do tal estilo de escrita pesado e politicamente convencional. Reconheço.

terça-feira, 3 de junho de 2014

Adiamento

Numa entrada atrás, escrevi que 
“Diz-se que para um entendimento, é preciso que todos cedam um pouco, que façam compromissos. Isto é um truísmo. O que não dizem é até que ponto é de exigir que vão esses compromissos. (…) Será um debate difícil. O resultado inicial possível é o de uma “aliança tensa”. Mas deve ser tentada. Se sobrevive ou não à prova de fogo da governação, logo se verá. (…) Também é importante que se dê um sinal inequívoco ao eleitorado, que julgo que deve começar pelo PCP e pelo BE, porque são os acusados de serem partidos fora do sistema de governação. Devem mostrar-se claramente disponíveis para negociações com o PS, desejavelmente com base numa plataforma acordada pelos dois partidos, com o apoio de organizações não partidárias e de movimentos sociais. É esta a tese que tenho vindo a defender, a da construção de uma aliança em dois passos”, primeiro à esquerda, depois com o PS.
Apesar de já ter escrito repetidamente sobre isto, terminei essa entrada com a promessa de que, a seguir, iria escrever uma “Carta aberta para uma frente de esquerda”. Afinal, vou adiar, mas não por muito tempo.
A disputa Costa Seguro, não me parecendo muito determinante para uma aliança de esquerda (NOTA – condescendo em usar o termo esquerda como incluindo também o centro esquerda), não deixa de merecer ser seguida com atenção, a ver se se vislumbram – eu, para já, não – diferenças de postura dos dois candidatos.
Também no PCP pode estar a haver alguma ênfase de intervenção, quando uma figura respeitada como Honório Novo, não dizendo nada de substancialmente em relação a muitas afirmações do PCP, é agora muito directo e incisivo ao propor uma aliança entre o PS e CDU, no que foi claramente apoiado por João Cravinho.
E também algum movimento no BE. Por um lado, a Mesa Nacional a chumbar uma proposta de Ana Drago, muito no sentido da manobra planeada há tempos pelo manifesto 3D para uma unidade privilegiada do BE com o 3D, o Livre e o PAN (?), tendo como base o programa do Congresso Democrático das Altertivas. Também outra surpresa, a concordância tardia, mas antes tarde de nunca, de Loução com a saída do euro, se necessário.
Com tudo isto, vou aguardar uns dias.