segunda-feira, 23 de maio de 2011

O seu a seu dono

O Bloco de Esquerda (BE) está a apresentar-se como o campeão da reestruturação/renegociação da dívida. Vou dar de desconto a terminologia, apesar de não estar convencido de que o BE a esteja a usar com rigor. Admitamos que estamos de acordo com o que isto significa: anulação da dívida odiosa, “haircut” do valor da dívida, alteração da taxa de juro, dilação do tempo de pagamento.
Disse Louçã que “estamos a ganhar a batalha da renegociação da dívida”.  Que o BE conseguiu pôr o assunto na agenda política, que há uma semana era tabu absoluto. Disse mais, que “o ‘consenso’ da renegociação da dívida, que o Bloco de Esquerda (BE) inscreveu na agenda política, é a “maior vitória política do Bloco até hoje”.
Nada disto é verdade. Se não estou em erro, a primeira vez que ouvi ou li o BE falar em renegociação, e com ambiguidade, como direi adiante, foi no debate Sócrates-Louçã, com este a não ser capaz de responder ao que aquele dizia, que reestruturar era coisa de caloteiro e que seria dramático para Portugal. Esse debate foi no dia 11 de maio. Antes, tudo o que se podia depreender da posição do BE era o que constava da moção "A" à convenção, encabeçada por Louçã. Nem uma palavra sobre a reestruturação/renegociação. Longa caracterização da dívida e das suas origens, mas propostas limitadas à visão estreita da simples redução do défice orçamental, com significado reduzido em termos de montante de redução. No limite, recusa categórica da "resposta nacionalista de saída do euro", antes uma política de refundação da UE, sabe-se lá como na relação de forças políticas da união.
Só no dia seguinte é que o BE apresentou o seu “Compromisso eleitoral”. Agora sim, fala-se de renegociação da dívida, mas  de modo que me parece muito ambíguo: “As condições leoninas impostas à Grécia, à Irlanda e a Portugal conduzem estes países a uma bancarrota adiada. A espiral para o abismo só pode ser evitada mediante uma renegociação rigorosa.” De que renegociação está o BE a falar? Parece-me que principalmente da dívida assumida com o resgate, 78 mil milhões de euros, muito pouco comparado com os 158 da dívida pública total, e sem contar com muito mais da dívida privada. Sendo assim, claro que, face aos credores trindáticos, não há lugar para falar em dívida odiosa, em “haircut”, apenas a remota possibilidade de negociar melhores taxas de juro e dilatação do prazo de pagamento. É pouco, é a tal “reestruturação suave” que até a UE começa a admitir em relação à Grécia.
O seu a seu dono, escrevi. É que o PCP já tinha apresentado semanas antes, em 21 de abril, o seu “Compromisso eleitoral” (até no nome do documento teve primazia). “O PCP considera que o Estado português deverá assumir, em ruptura com a actual política, as seguintes posições: A renegociação imediata da dívida pública portuguesa – com a reavaliação dos prazos, das taxas de juro e dos montantes a pagar – no sentido de aliviar o Estado do peso e do esforço do serviço da dívida, canalizando recursos para a promoção do investimento produtivo, a criação de emprego e outras necessidades do país. (…)”.
Mais recentemente, Jerónimo de Sousa afirmou que “a única solução para os problemas financeiros do país passa pela imediata renegociação da dívida externa ao nível dos prazos, montantes e taxas de juro, a chamada reestruturação da dívida". Repare-se na diferença essencial para o que consegui ler no BE: montantes da dívida! A tal coisa de “caloteiros” que o BE não quer assumir claramente. Nesse dia, esclarecia melhor Jerónimo de Sousa: “renegociar também montantes, a partir de uma reavaliação do Estado português, designadamente dos valores em dívida que decorrem da actual espiral especulativa (…)”.
O BE está a portar-se bem, como gente comedida que não quer assustar os muitos flutuantes PS que em 2009 lhe deram o grande sucesso eleitoral mas que agora parecem querer votar útil no seu velho redil. Mas assim, BE, mal com a esquerda por amor desses PS, mal com esses PS por amor da esquerda. Assim não vão lá.
Declaração de interesses. Sou independente de esquerda e, a não ser que volte a votar em branco (o que me parece remoto nestas circunstâncias concretas) vou votar ou PCP ou BE. Não sei ainda em qual, não sei quando saberei e por isto vou estar muito mais atento às suas posições do que ao que se passará na santíssima trindade, que não me aquece nem me arrefece. Por isto, não me parece de estranhar que eu escreva, como aqui, a “malhar” nesses partidos de esquerda. Hoje no BE, amanhã se calhar no PCP. É a suscitar no meu círculo de amigos e leitores a discussão sobre a melhor escolha no dia 5. 

2 comentários:

  1. O BE está a fazer um discurso de "bem comportados". Creio que não vai travar o voto útil e, em contrapartida, distancia-se do que entendo deveria ser a marca de uma esquerda responsável: enfrentar a questão do endividamento (público e privado) com uma estratégia credível. Tenho pena, porque competências técnicas não lhes faltam.

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  2. Meu Caro Amigo

    Agora não tenho tempo, mas para a semana vou-te mandar o link da primeira proposta de reestruturação da dívida. Mas a originalidade, no caso, também é pouca: o Krugman anda a dizer isso desde que se começou a falar da crise da Grécia - começos do ano passado.

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