segunda-feira, 30 de maio de 2011

Padre Malagrida (ou "Autolimpeza da esquerda")

Hesitei em escrever esta entrada, de evidente crítica a uma pessoa. A pedagogia política e cívica que me sinto na obrigação de professor de exercer, a defesa dos meus valores com base no rigor e na análise objetiva e racional, não precisam de ataques a pessoas. No entanto, há um critério meu essencial que certamente reconhecem como norteador de muitas das minhas entradas neste blogue: só quem denuncia o que, na sua “família”, é inadmissível é que tem credibilidade para exigir dos leitores que o considerem honesto, isento, não demagogo ou manipulador, que o considerem “homem político” à maneira dos virtuosos romanos republicanos (perdoe-se-me esta manifestação de vaidade, mas é que eu sou um reformado sem dependências, como Cincinato).

Assim, vou dizer que não me sinto bem, na minha esquerda que amigos “realistas” me dizem ser uma patetice romântica minha de justificação de vida passada, em estar acompanhado por pessoas que podem protagonizar, simultaneamente, as situações que vou dar como exemplo. É que são pessoas de prestígio (?) que poluem a generosidade desinteressada, inocente, dos que não podem competir com a sua demagogia. Não vou dizer quem é, tão óbvia é a identificação. Fica como jogo de adivinha.

1) 27.4.2011. “Os portugueses deviam recusar-se a pagar a dívida do Estado, evocando o exemplo da Islândia. Nós não sabemos como chegámos a esta dívida porque ela foi feita nas nossas costas".

2) 27.5.2011. "É preciso renegociar a dívida, porque ela é impagável e parte dela não deve ser paga, nomeadamente a que respeita ao período entre 23 de Março, quando o PEC 4 foi chumbado, e o princípio de Abril, quando foi pedido o resgate e os juros dispararam acima dos 7%. (…) É preciso ter coragem de enfrentar os riscos políticos, mas esta é a única solução (…). A renegociação da dívida portuguesa tem de ser lançada antes que a economia se destrua. É uma questão de bom senso, basta ver o que se passa na Grécia e pensar que Portugal é o único país desenvolvido que em 2012 vai estar em recessão (…) os problemas económicos que Portugal atravessa têm de se resolver, e não é com eleições".

3) 27.5.2011, no Rossio, falando aos da “acampada”. “Isto é em Portugal neste momento um dos melhores exemplos da democracia que podíamos fazer, isto é, a democracia ao vivo. É extraordinário que, depois de tantas armadilhas e tantas desilusões que a democracia representativa nos tem causado, todos nós, e eu partilho isto convosco, somos realmente amantes da democracia real. O que está aqui pode ter outros caminhos, mas encorajo-vos a um movimento constitucional, mudar as nossas constituições, para que os cidadãos mais diretamente possam intervir na vida política”.

4) A seguir, falando para jornalistas. “Qual é a história recente de países como a Argentina, o Equador, a própria Alemanha de 1953, o Brasil? Países que fizeram desobediência financeira, que disseram nós não pagamos isto”.

Muito bem, mas também houve o momento 5, pouco anterior, o da sua co-assinatura, preto no branco, do manifesto dos “sensatos e bem comportados”, o que saiu no Expresso de 9 de Abril com o título “Um compromisso nacional”:
“Em primeiro lugar, um compromisso entre o Presidente da República, o Governo e os principais partidos [JVC: quais? Inclui-se o PCP e o BE?], para garantir a capacidade de execução de um plano de ação imediato, que permita assegurar a credibilidade externa e o regular financiamento da economia, evitando perturbações adicionais numa campanha eleitoral que deve contribuir para uma escolha serena, livre e informada; (…)
em segundo lugar, um compromisso entre os principais partidos, com o apoio do Presidente da República, no sentido de assegurar que o próximo Governo será suportado por uma maioria inequívoca, indispensável na construção do consenso mínimo para responder à crise sem a perturbação e incerteza de um processo de negociação permanente, como tem acontecido no passado recente; numa perspetiva de curto prazo, esse consenso mínimo deverá formar-se sobre o processo de consolidação orçamental e a trajetória de ajustamento para os próximos três anos prevista na última versão do Programa de Estabilidade e Crescimento (…)”
Em que ficamos? Repare-se que o manifesto do Expresso, assinado pelo guru coimbrão, alude inequivocamente ao PEC. O nosso demagogo pode ser ao mesmo tempo defensor do PEC e da reestruturação da dívida? Há limites para a incongruência.

E porque há, e porque sempre li com agrado Alices e outros, embora coisas ditas antes, por exemplo, pelo MDP de 87 - em afirmação de esquerda alternativa, que não vingou - quero crer que há coisas tristemente - mas mais aceitavelmente - justificativas de tais incongruências, coisas que a gerontologia hoje nos ensina. O mal é que pessoas destas, se já não estão bem, continuam a opinar, a influenciar, a prejudicar a esquerda com quem ainda são abusivamente identificados.

Não é este o único caso de incongruência senil (para ser benévolo). Podia ir de braço dado com Medina Carreira. Falo dos dois porque são casos de demagogia na zona crepuscular da transição para a tontice. E de problema de saúde pública mental. Citando um caro amigo meu, Portugal sempre teve padres Malagrida! Porque Savonarola era só louco. Nós é que conseguimos ter um Malagrida ao mesmo tempo louco e tonto.

Nota - A alocução aos acampados no Rossio só me impressionou inicialmente pelo balofo da arenga, pela sua indigência ideológica (veja-se só o “movimento constitucional” a sair dos “ó meu” acampados no Rossio…). Depois, passei pela praça. Como se diz no “18 de Brumário”, na história tudo se repete como drama e depois como farsa. Fui ver vídeos do acampamento de Madrid. Não estou certo do que aquilo significa, mas tem dimensão impressionante. Do Rossio fiquei com boa ideia. Meia dúzia de tendas, umas dezenas de jovens com ar etéreo-passado, rastas e chitas indianas, refastelados a fumar e a beber cerveja, uma espécie de mercado de venda de artesanato e de coisas que foram giras em Woodstock, coisa da minha juventude já bem passada. Parece que há coisa equivalente mas mais pequena (como é que ainda pode ser mais pequena?) em Coimbra, que “mandatou” o nosso sociólogo para ir a Lisboa mostrar solidariedade. Já não há sentido do ridículo?

(Editado)

1 comentário:

  1. É um vigarista do mais alto coturno. Assinou o Manifesto para não correr o risco de perder os milhões que o ministério da justiça lhe paga desde o tempo do Laborinho Lucio, ministro do Cavaco, para o Observatório da Justiça fazer uns estudozecos que um estagiário teria vergonha de assinar.

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