O Livre e o 3D, cada um à sua maneira, definem-se essencialmente pelo objectivo de promoverem, facilitarem, auxiliarem, etc., a convergência da esquerda. Obviamente, esquerda em sentido lato, representada a nível partidário por PS, PCP e BE. Não vou discutir a fantasia um pouco petulante de umas dezenas de personalidades respeitáveis ou de um protagonista com mais um grupo desconhecido de amigos se arvorarem em capazes de fazerem entender-se partidos com implantação no terreno institucional, social e eleitoral.
Outra característica comum a essas iniciativas é a sua vacuidade programática, que quase se esgota no mito messiânico dessa convergência e da constituição de um governo comum. Para governar como? Com que políticas? Com que soluções imediatas para a recusa da austeridade e para a reposição de regalias sociais que a direita expropriou às camadas populares? Com que recursos financeiros para essa política alternativa, necessariamente contrária à actual “impossibilidade” (para os troianos externos e internos) de nos libertarmos do peso da dívida e do seu serviço?
Dizem os profetas da convergência que tudo se conseguirá com um programa mínimo e credível “naturalmente” emergente dessa convergência. Quanto ao credível, leiam um pouco mais abaixo. Quanto ao mínimo, pergunto o que é isso em termos de eficácia, de coesão governativa, de confiança dos eleitores. Além disso, e em termos históricos, nunca ouvi falar de uma aliança que não tivesse à partida – e não depois do seu anúncio – a discussão de bases programáticas comuns (o que não é o mesmo que mínimas).
E não seria de esperar que, para além da agitação da bandeira sempre simpática da convergência, os novos partidos/manifestos contribuíssem para os pontos programáticos que dêem corpo ao tal programa mínimo? A declaração do Livre é uma mão cheia de nada, como critiquei, aqui e em entradas anteriores. O manifesto 3D nem chega a ser mais do que um panfleto, que, em 461 palavras, consegue o feito d e nunca empregar os termos “esquerda”, “socialismo”, “euro”, “reestruturação”.
Nas últimas eleições, o PCP (CDU) teve 552.690 votos e o BE teve 120.982. Com os 1.812.029 do PS, a esquerda consequente e a esquerda liberal têm, em conjunto, 2.485.701 votos. Ao que dizem os jornais, o Livre conseguiu 8500 assinaturas (consideremos como de simpatizantes ou pelo menos interessados na sua criação) mas só tem cerca de 250 militantes activos. O 3D parece que recolheu cerca de 5000 manifestações de apoio. Para o Livre e o 3D, são números simpáticos, mas não são nada, por enquanto, em termos eleitorais – e eleições são desde já, e até para Maio, em se colocam prioritariamente.
Um erro politicamente perigoso, com reflexo na forma como o eleitorado vê essa discussão sobre divisão ou convergência da esquerda, é considerar que ela é, para esse eleitorado, uma questão essencial e determinante das suas escolhas eleitorais. É esquecer que, para além de oscilações não muito significativas dos resultados do PCP (CDU) e do BE, bem como da abstenção, o essencial joga-se sempre ao centro, na deslocação de votos, de uma vez para a outra, entre o PS e o PSD.
Assim, que influência terão o Livre e o 3D na alteração desta situação eleitoral ou na mudança de atitude dos partidos condicionada por esses resultados? Não falo da abstenção porque ninguém sabe ao certo o que significa a tal tantas vezes referida abstenção de esquerda, a ser combatível por essas novas forças. De facto, estou convencido de que o mito da convergência não tem qualquer tradução eleitoral.
O eleitor da rua, tanto quanto os que conheço, acha isso tudo bizarria de gente especialmente motivada pelo jogo político, quando não com contas a ajustar e com desejos de protagonismo ou de cura de orfandade partidária. Quem é que quer saber se Rui Tavares quer ser eleito por primárias directas, essa panaceia para a doença mortal da democracia? Não é perante os eleitores que se deve testar a tal credibilidade político-pessoal e programática? Ou é só coisa de clubes e de comunicação social?
O eleitor da rua, tanto quanto os que conheço, acha isso tudo bizarria de gente especialmente motivada pelo jogo político, quando não com contas a ajustar e com desejos de protagonismo ou de cura de orfandade partidária. Quem é que quer saber se Rui Tavares quer ser eleito por primárias directas, essa panaceia para a doença mortal da democracia? Não é perante os eleitores que se deve testar a tal credibilidade político-pessoal e programática? Ou é só coisa de clubes e de comunicação social?
Dito tudo isto, aceito que me acusem de incongruência, dado que tantas vezes aqui defendi a necessidade de um novo partido, como nesta entrada e anteriores. A incongruência é aparente. Usando a analogia geográfica de entradas anteriores, não defendo um partido no mesmo plano dois actuais, situando-se no meio, à esquerda, à direita ou seja lá onde for. Defendo um partido noutro plano, um partido radicalmente diferente, um “partido outro”, que conjugue o sentido de classe com o sentido de alternatividade que proponho desde há muitos anos e que justificam a publicação de velhos textos do MDP/CDE que tenho vindo a fazer.
Preocupa-me pouco a visão táctica que está a prevalecer em relação à convergência – visão que julgo perigosa – quase como entendamo-nos já para governarmos, depois se verá como e com que propostas. Preocupa-me mais o que deve ser um novo partido que mostre ao povo eleitor o que pode ser uma verdadeira e nova política popular e patriótica, uma política alternativa de esquerda.
Cada mais vejo na net comentários de amigos políticos que manifestam, no essencial, as dúvidas e preocupações que aqui deixo. Não vejo é que estejamos a contribuir eficazmente, pela positiva, para a elaboração de um corpo de ideias e propostas que vão construindo uma alternativa real, não oportunista (uso o termo na acepção clássica, não pejorativamente). Vamos a isso?
NOTA 1 – Não gosto do termo convergência, preferindo aliança ou entendimento. São termos que preservam a noção de pluralidade e diversidade. Convergência significa um movimento de polos opostos para um ponto central, isto é, de certa forma simbólica, um esbatimento da diferença.
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