1. Partido de aluguer
Há mais um caso de utilização por empréstimo de um “partido envelope”. Primeiro foi a proposta do manifesto 3D, mal sucedida, para o BE se prestar a dar cobertura partidária – condição exigida para candidatura às europeias – ao 3D, ao Livre e à Renovação Comunista. Agora, segundo o Público de hoje, é um grupo de individualidades conservadoras, distintas da maioria da direita por terem posições eurocépticas e até anti-euro, que se propõem candidatar usando o estatuto partidário do PND.
Não comento esse fenómeno das barrigas partidárias de aluguer. Parece-me que o eleitorado não verá muito bem tal expediente e que até é um risco para os interessados, que ficam sempre afectados pela imagem que se tem do partido que se presta a esse serviço. Além disso, é também um risco para o partido, que deixa de controlar a situação e sacrifica o património político do partido, eventualmente a sua reputação. Foi o que se viu com esse grande logro político que foi o PRD, no fim transformado em albergue da extrema direita fascizante.
Interessa-me nesta nota é chamar a atenção para esse grupo de eurocépticos, intitulado já como “Portugal Independente”. Ao que sei, são conservadores, com sentido talvez tradicional do patriotismo, mas de uma direita civilizada e com repúdio tradicionalista (de bons hábitos cristãos…) da selvajaria social do neoliberalismo desbragado.
Não será prudente negligenciar essa movimentação. Não parece nada de semelhante ao que se passa em França, em que a direita mais reaccionária, nacionalista e xenófoba, se apropriou do eurocepticismo que, como cá, era marca dos partidos comunistas. Daí a afirmação sem sentido de que os extremos se tocam sempre, bem como a desmarcarão para o eurofilismo utópico de boa parte da esquerda radical, cá bem expresso no neófito partido Livre. É também abandonar à direita bandeiras tradicionais da esquerda, como a soberania nacional e o patriotismo (claro que não o “patrioteirismo”).
No caso deste possível novo movimento de direita anti-euro, não parece haver nenhuma razão para se suspeitar de ligações à extrema-direita e pode assistir-se a um novo contributo para um debate que está a ser monopolizado pela cartilha europeia. Vale a pena estar com atenção.
2. Soluções para a desunião das esquerdas, segundo André Freire
Ainda no Público de hoje, um artigo de André Freire traça muito bem o quadro factual das relações entre os partidos de esquerda (sensu lato) e criticando todos, sem facciosismo, pelas responsabilidades partilhadas em relação a essa situação. Mais interessante, mas também para mim mais duvidoso é o resto do artigo, em que André Freire propõe soluções. Passam, essencialmente, pelo sucesso eleitoral de um partido como o Livre, que se propõe essencialmente promover a convergência; por uma cisão de esquerda no PS que desse origem à formação de um novo partido, uma espécie de socialistas de esquerda; e por uma solução eleitoral que premeie a convergência.
Quanto à primeira solução, claramente da simpatia de André Freire, se o leio bem aqui e em outros escritos, já muitas vezes manifestei – aqui e em entradas anteriores – a minha discordância a nível estratégico e o meu cepticismo, também baseado na minha opinião (admito que só palpite, mas os resultados dirão) de que, para muitos eleitores, esta questão pouco diz e que o seu desejo de mudança passa por um “partido outro” – expressão que usei para o caracterizar – não sentindo como coisa próxima as tricas características de uma vida partidária de que estão fartos. E até talvez nem seja de excluir que muitos eleitores tenham faro para o oportunismo. Além disso, um novo partido essencialmente virado para a convergência só tem o mínimo de peso para forçar os outros se, como também reconhece André Freire, tiver um bom resultado eleitoral e os outros mau resultado. De momento, ninguém sabe. Guardemos para depois esta discussão.
Passando para a segunda solução, um novo PS, é o próprio André Freire que logo admite que é irrealista, considerando que, “ao contrário de outros países, as vozes críticas da chamada ‘ala esquerda’ na ‘hora h’ parecem pensar mais nas suas carreiras do que nos seus constituintes”.
A terceira solução, para André Freire, poderia passar por um sistema misto, com um círculo nacional a garantir a proporcionalidade e círculos uninominais à francesa, em que não basta ficar à frente numa volta única; é necessária a maioria absoluta, em segunda volta, o que promove o entendimento para apoio a cada um dos dois candidatos melhor classificados. Não vou discutir esta tese, porque não sou especialista em sistemas eleitorais, como André Freire, mas desde logo digo que não sou nada favorável a círculos uninominais, mesmo que num sistema atenuado.
Talvez de todo o artigo o que mais me tenha levado a esta nota é outra tese de André Freire: “haverá apenas um modelo de federalismo? Não seria possível defender um federalismo mais alinhado à esquerda defendendo nomeadamente alguma uniformização fiscal e da proteção social, para evitar os dumpings e a ‘corrida para o fundo’ pelos mínimos sociais e fiscais (…)?”
Creio que o federalismo, sendo assunto essencialmente institucional, é em boa parte politicamente neutro. O que diferem são as políticas exercidas no âmbito de um sistema federal, em que também contam as relações de força entre as unidades federadas. Mas, em si, os princípios institucionais e as configurações práticas do federalismo são muito comuns. Não sei o que é, institucionalmente, uma federação “mais alinhada à esquerda” ou "mais alinhada à direita”. Com a mesma constituição federal, os EUA já tiveram governos liberais (no significado americano do termo) e governos conservadores. O Brasil já teve Sarney e Lula, para só falar nas últimas décadas.
Aquilo que André Freire refere são evidentemente coisas desejáveis como política de uma eventual federação europeia. Simplesmente, na actual situação europeia e com a relação de forças que é legítimo presumir que se mantenha por muitos anos, apostar no federalismo, mesmo com essas pias intenções, é tomar a nuvem (cinzenta) por Juno e desviar a atenção do terreno privilegiado (mas claro que não único) da luta de hoje, o nacional.
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