1. “Que se lixem as eleições!”, lembram-se? “La donna e mobile”. Como as coisas se prestam agora a manipulação da informação pelos mandantes europeus e seus mandados nacionais, vai de pensar outra vez em eleições. Veja-se o que escreve hoje o Diário Económico: “(…) seguir o caminho de Dublin é uma vontade pessoal de Passos Coelho. O primeiro-ministro pensa que a opinião pública não tem clara a diferença entre cautela e segundo resgate, pelo que só a saída limpa permitirá passar a ideia de que os esforços [JVC: leia-se sacrifícios] dos portugueses valeram a pena”.
Quer dizer: o governo arrisca tudo o que é imprevisível e potencialmente lesivo num financiamento exclusivamente entregue aos mercados (taxas de juro, procura, “ratings”) só para aldrabar os eleitores. Podendo mesmo considerar, como também escreve o DE, que o plano cautelar lhe pode dificultar medidas demagógicas e eleiçoeiras, como descidas de impostos.
Mas lembre-se que o PS tem andado a afirmar que se o governo não conseguir uma “saída limpa”, será uma derrota do governo. O peixe ainda vai morrer pela boca, se Passos Coelho “conseguir” mesmo essa saída.
2. O Bloco de Esquerda está em desagregação? É o coro por que afinam ultimamente muitos jornalistas, opinadores e comentaristas. O panorama da nossa “opinion making” é confrangedor. Se, à partida, como o nome indica, é coisa com portas abertas a desinformação, pior ainda é quando é ela própria desinformada e incompetente.
Nada me liga ao BE, mas tudo me liga ao rigor e a análises fundamentadas. Afinal, o que se diz é que o BE desceu nas últimas legislativas, sem se ter em conta que o anormal foi a grande subida anterior. Que os últimos resultados autárquicos foram decepcionantes, quando o BE não tem grande força e capacidade de atracção a nível local. Que as sondagens o mostram a cair, quando não é o que eu vejo (ou melhor, infelizmente tem havido uma ligeira queda das esquerdas, não especificamente do BE). Finalmente, que o BE se está a partir por dentro, como é “provado” pelo caso Ana Drago. A quem é que interessa esta campanha?
Pode interessar à direita, obviamente. Pode interessar ao PS, para valorizar alguma ala menos à esquerda no BE. Mas não me parece fantasista nem mal intencionado pensar que também interessa a todos os que se estão a posicionar como concorrentes de um BE eventualmente aproximado do PS. E também aos que podem recear que, apesar de cerca de 20% de votos de uma frente coerente de PCP-BE – provavelmente a agregar ainda mais eleitores assim motivados, senão mesmo novas forças a aparecerem – não chegarem para governarem, abrem perspectivas para novas relações políticas. Isto sem nos preocuparmos, para já, com a separação de candidaturas em Maio. Nem tudo, ou até muito pouco, se decide nestas europeias.
3. A “melancolia da democracia” é uma expressão que, com amigos de há já vinte anos, usávamos para descrever o que, infelizmente, hoje se revela muito mais acentuadamente neste tempo de crise – sacrifícios de trabalhadores e reformados, desemprego e emigração forçada. Parece reinar o desânimo e a apatia. Não só cá. Como aconteceu com o esbatimento do movimento 12 de Março, depois com o Que se Lixe a Troika, também se foram os acampados de Madrid, os manifestantes da praça Sintagma, até, mais longe, os ocupantes de Wall Street.
Será fastidioso tentar aqui analisar o que se tem passado nestas últimas décadas e que tem conduzido a esta apatia, resignação e automutilação da cidadania, fazendo o jogo da globalização do pensamento único, socialmente e ideologicamente dominado pelo ultra/neoliberalismo. O pântano partidário ganha relevo como espelho de um grau importante de apoio mental acrítico a “verdades indiscutíveis”, como o fim das ideologias, o capitalismo como ordem natural das coisas, a redução da democracia ao estrito cumprimento de regras cada vez mais desprovidas de sentido real, até a intocabilidade da banca.
Parece-me necessário reconhecer que, em parte, também há um factor causal relacionado com o bem estar e nível de vida do pós-guerra, com uma maior osmose social, novos padrões de consumo e novas aspirações individuais/sociais, em boa parte se traduzindo em crescente avanço da mentalidade e atitude egoístas. Faz agora 50 anos que Marcuse tratou dessa alienação do “homem unidimensional”.
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