segunda-feira, 11 de abril de 2011

5 de junho: eleições=referendo?

Se bem percebi, José M. Castro Caldas (JCC), no Ladrões de Bicicletas, sugere que se transformem as próximas eleições legislativas de 5 de Junho num referendo sobre o programa de austeridade que nos querem impor (gente de dentro e gente de fora). Quem me lê ou quem tem lido frequentes comentários meus deixados no Ladrões sabe que tenho com esses amigos alto grau de concordância e estima. Desta vez, não estou nada de acordo. Ou melhor, estou obviamente de acordo com os considerandos mas não com a tese. Claro que tenho em conta que há muito de metafórico no escrito de JCC, mas com perigos de má interpretação. Há sempre quem leia à letra uma metáfora, mormente quando o assunto, como neste caso, tem alguma subtileza - vejam-se os comentários ao "post" de JCC.
Podia começar logo pelos bem conhecidos riscos, até de ricochete, do aproveitamento de eleições, sua campanha e resultados, para objetivos diferentes. No entanto, como isto poderia ser considerado mera conversa de teoria política - mas com casos práticos bem conhecidos - vamos a coisas mais práticas e desta situação.
Parece inegável que a proposta de JCC decorre muito da reação de satisfação (minha também) com o resultado do referendo islandês - embora ainda seja muito incerto se, daqui a algum tempo, os islandeses não estarão a precisar de lutas mais duras do que ir pôr o voto na urna. É claro que o caso islandês nos pode inspirar, mas com muitas cautelas. É raro haver situações tão semelhantes na história que as soluções se possam copiar.
O ponto central da crise islandesa foi a bolha financeira e a falência dos bancos, não a dívida nacional e o défice orçamental. Os bancos foram nacionalizados. A Islândia tem a sua própria moeda. A Islândia não pertence à UE e não tem de cumprir os critérios de Maastricht. A Islândia estava muito melhor do que nós em termos de crescimento e de balança comercial. Os juros sobre a sua dívida são muito menores, apesar de ratings penalizadores e só vai pagar cerca de 3% de juros aos credores ingleses e holandeses dos seus bancos nacionalizados. JCC, que é economista e investigador, sabe isto muito melhor do que eu. Não estou a dizer que estas diferenças nos tolham, estou a dizer é que não me parecem permitir cópia nem pensar que referendo lá, referendo cá...
Também politicamente, se não me engano - claro que não consigo seguir a imprensa islandesa - há uma situação muito particular. Os partidos estavam separados metade-metade a favor do sim e do não (embora, neste sábado, a primeira ministra já estivesse em posição muito recuada). Nós temos um entendimento austeritário e vassálico de partidos que representam 80% dos eleitores. 

Por isto, só quem não lê os comentários nos jornais “online” ou não ouve os programas de TV e rádio com os ouvintes é que pode pensar que as pessoas estão fortemente motivadas para uma luta anti-sistema. Nem sequer estão para considerar alternativas a curto prazo, como a reestruturação da dívida. Muito menos, claro, a saída do euro. As pessoas queixam-se, sofrem, zangam-se por lhes irem ao bolso mas, no fundo, aceitam que é quase castigo divino inevitável. Se até o conselheiro se interrogava "ele há cada problema..."
Nem os devemos criticar. O massacre da ideologia dominante usando toda a comunicação social dá uma imagem arrasadora, catastrófica, de inevitabilidade do dogma prussiano sob pena de um 1755 económico. Como é que o homem da rua não há-de ter medo de que o levem para ainda maiores desgraças, teme ele? O povo está zangado, acha que entre Dupont e Dupond leve o diabo a escolha, está até suscetível a populismos que sabemos como começam mas não sabemos como terminam (venha o padre Malagrida saneado da SIC Notícias!). Mas também está tão condicionado pela noção hegemónica do sistema partidário baseado no “arco do poder” que ainda não está preparado para sair desse labirinto.
Não atender  a isto, a meu ver, é dar tiro no pé. O nosso momento atual é de luta, é coisa indubitável para quem se queira de esquerda. Mas também de serenidade clarividente. Eu não defenderia agora um referendo em Portugal, porque um referendo faz-se para ganhar, como qualquer luta política (desculpem a lapalissada). A derrota em coisa tão importante não tem efeitos temporários, a emendar na próxima. É que a próxima pode tardar muito; um ciclo referendário não é um ciclo de quatro anos eleitorais legislativos. Veja-se o aborto e a regionalização.
Fazer coincidir agora um objetivo referendário, mesmo que informal ou simbólico, com o resultado eleitoral dos partidos do “não” é coisa que não lembra ao diabo. Ou eu não consegui interpretar bem o texto de JCC? Comecemos logo por coisa prática. PCP/PEV mais BE foram, em 2009, 17,7%. Imaginemos que se consegue engrossar isto com os 1,74% de brancos, temos 19,4%. Mais 10% de eleitores, e só se podem ir buscar, significativamente, ao PS e um pouco à abstenção, votarão na esquerda, por protesto e motivados pelo que espero que seja uma movimentação político-social iniciada com o encontro partidário? Já será muito, politicamente mesmo muito, a abanar o sistema, mas mesmo assim, 30% no final. Queremos transformar este resultado num resultado referendário à islandesa?
Como isto já vai longo, deixo só nota curta sobre outras coisas, talvez menores. Dar significado referendário implica, nesta associação, considerar um governo PCP-BE, porque é irrealista, e muito mais depois do espetáculo plebiscitário do congresso do PS, pensar em qualquer aliança partidária mais alargada. Quem acredita no necessário resultado eleitoral? E como fazer decidir por esse voto “referendário” na esquerda muitos eleitores a quem meteram na cabeça (valha a verdade que com muita ajuda do PCP e do BE) que a esquerda só tem vocação para a oposição, que só faz propostas de bota-abaixo?
Concluindo, e para não haver dúvidas. Estou inteiramente de acordo com aquilo em que JCC é autoridade, as propostas de alternativa económica que faz. Estou em desacordo com esta sua proposta política. Afinal, a situação atual não é só para discussão de economistas :-)
A latere. Isto faz lembrar o entusiasmo com as revoluções Facebook e a tentativa de imitação. É a imitação, contra a imaginação. É claro que em 12 de março, a mobilização pela net fez lembrar a praça Tahrir, mas a semelhança ficou por aí. No Egito, foram dias e dias de ocupação da rua; foi a aliança de facto com os militares; foi a capacidade visível de organização, na ocupação do espaço e na sua “infra-estrutura”; foi a existência de um mínimo de propostas políticas a serem negociadas com o poder "à rasca" (aí está a diferença!) por jovens que - não se iludam os “à rasca” - já se estavam a organizar pela net mas há dois ou três anos. E, sobretudo, foram 300 mortos.
Em Portugal, foi uma única saída à rua, que os cansou/deslumbrou e nem sequer se juntaram à CGTP uma semana depois; foi a incapacidade para, mesmo na net, promoverem um verdadeiro debate político, reduzido a uma caldeirada de propostas bem intencionadas mas de uma ingenuidade inoperante e sem credibilidade. Infelizmente - repito, infelizmente - tenho o palpite de que o movimento 12/3 não vai ser capaz, como seria necessário, de participar numa eventual ação unitária gerada pela recente aproximação preliminar entre PCP e BE. E em que a rua tem papel importante!
Nota final - Nada disto que escrevi vai contra uma coisa essencial dita por JCC, talvez não tão brutalmente como vou dizer: as próximas eleições são uma fraude! Já tudo está decidido, o programa governamental está feito, o verdadeiro governo chegou já hoje a Lisboa. Tudo o que nos deixam decidir é quem será o palhaço desse espetáculo circense.

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