O artigo que José Vítor Malheiros (JVM) escreve hoje no Público, “Pela convergência de uma esquerda plural”, é, como sempre, articulado e intelectualmente honesto. As minhas discordâncias são, principalmente, por a minha perspectiva geral ser diferente. Os eixos de visão são dois: o do sistema partidário e da política no plano convencional, com rearranjos do sistema; o de uma superação radical desse sistema, esgotado, que eu perfilho e que, como já escrevi aqui em muitas entradas, significa a diferença entre criar um “novo partido” e um “partido novo”. Fica isto para uma entrada a seguir.
Isto está bem expresso no que se passa em Espanha com o Podemos. Numa entrevista que merece atenção, diz Pablo Iglesias que o essencial para a esquerda é atingir as pessoas e que isto ultrapassa a simples constituição de frentes, que se limitam a reuniões convencionais de organizações de esquerda.
Eu próprio, que não sou burro e só uso como definição para isso a incapacidade de reflectir e avançar nas minhas ideias, defendi até há pouco tempo – e até me mexi para isso na net – uma táctica centrada na conjugação de forças partidárias e sociais, sem perda de coesão e consequência.
O pequeno manifesto dessa página recolheu, modestamente, 125 apoios. Não é isto que me faz desistir. Como combinado com os apoiantes, vai ser enviado aos partidos de esquerda à esquerda do PS e a movimentos sociais.
No entanto, reflectindo muito, atormentadamente em fim de vida útil, ou vencido da vida, não me parece que essa seja a via para o êxito. É preciso estar sempre a aquecer a caldeira das ideias novas. Para quem viu um filme que aí passa, vai ser preciso um buraco de minhoca a abrir um caminho para nova dimensão espaço-tempo da políica.
JVM começa por discutir a fragmentação da esquerda (ou à esquerda), com o que estou inteiramente de acordo. Nada tenho contra o aparecimento de novas formações, que podem enriquecer o debate, desde que, pelas regras do sistema, não enfraqueçam o poder eleitoral do conjunto.
Também vejo com simpatia a visão generosa do desejo de convergência de toda esta diversidade de movimentos e grupos de esquerda. Sou é mais cínico e penso sempre no namoro mais ou menos encapotado ao PS, afinal a atração do poder, nem que seja de uma pequena sinecura à mesa do orçamento de Estado.
Escreve JVM que “A convergência, o compromisso, a criação de uma plataforma comum ou de uma frente comum são acções que não exigem identidade entre as organizações mas apenas a partilha de alguns princípios essenciais. O entendimento é possível e necessário entre o que é diferente, com a manutenção de identidades diferentes entre organizações que cooperam, desde que possuam um entendimento estratégico e táctico compatível.” (itálico meu)
Este é o nó górdio de toda a discussão emaranhada que tem havido sobre a unidade de “esquerda”. Vamos crer, generosamente, que toda a esquerda (à esquerda do PSD) se entende miraculosamente sobre a necessidade e propostas práticas para uma política de emprego, de reposição das perdas salariais e d reformas, de ressustentação do estado de bem-estar, de investimento, de aumento da procura interna, de substituição de importações. A pergunta inevitável (que a direita faz, atrapalhando o PS) é “onde se vai buscar o dinheiro?”. A resposta passa obrigatoriamente pelo serviço da dívida, logo pela reestruturação, pelo tratado orçamental, pelo controlo da banca, eventualmente – pelo que isso não pode ser tabu – pela saída do euro.
Este movimento que apareceu agora, mas que se adivinhava, aponta claramente para um entendimento governativo com o PS (e em relação de forças muito desfavorável, quase de enfeite). Subscreveste-o. Muito amigavelmente, e como diria o Mário de Carvalho, “Era Bom que Trocássemos Umas Ideias Sobre o Assunto”.
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