segunda-feira, 10 de novembro de 2014

O muro de Berlim

A comunicação social celebrou estridentemente a derrota do campo soviético na guerra fria, iniciada, simbolicamente, com a queda do muro de Berlim. Começando por declarar interesses, não sou simpatizante da forma burocratizada de socialismo que se vivia, negando o humanismo marxista que continua a guiar-me. Também que, apesar disso, me desgosta ainda mais o mundo unipolar que os EUA, a NATO e o capitalismo neoliberal conseguiram impor. Que, hoje, alguma resistência contra o imperialismo seja protagonizada por políticos, como Putin, distantes dos valores que perfilho (mas é a política!).
Nestes dias, tem sido difundida uma posição oficial do PCP, publicada no Avante. Creio que, historicamente, e principalmente em relação à vitória “ocidental” na guerra fria, está correcta. No entanto, principalmente pelo estilo, dá azo a muitas críticas. A linguagem é velha e saudosista e recorre a alguns chavões que, mesmo que eventualmente correctos, não pegam em relação a tanta gente matraqueada em sentido oposto. O PCP continua fechado numa linguagem de “langue de bois”.
Veja-se só um exemplo, sempre antes repetido à exaustão: o muro foi erguido para defender Berlim/RDA das provocações e acções de espionagem por parte dos aliados ocidentais. Claro que a resposta de contrapropaganda foi óbvia e conquistou as pessoas: o muro foi erguido para impedir os milhares de alemães de leste "amantes da liberdade" de fugirem para o ocidente (como se não houvesse milhares de quilómetros de fronteira menos defendida, fora de Berlim).
Para mim, tenho como mais provável que o muro foi só uma jogada menor, de disposição de peças, num jogo de xadrez de que Berlim era o tabuleiro (até para conversações secretas e troca de espiões).
Outra passagem notável do artigo do Avante afirma que “manifestações, nomeadamente em Leipzig, que na sua essência reclamavam o aperfeiçoamento do socialismo e não a sua destruição, ganhassem a dinâmica contra-revolucionária que conduziu à precipitação dos acontecimentos e à anexação forçada da RDA pelo governo de Helmut Kohl.” Para mim, é talvez a mais discutível das afirmações deste texto do PCP. Nada a sustenta. Aceitemos, mas com muitas dúvidas minhas, que os levantamentos populares (mas com infiltração CIA/fascismo local) da RDA em 1953, da Hungria em 1956 e da Polónia  de 1981 (o da Checoslováquia de 68 é radicalmente diferente, impulsionado pelo partido) defendem o aperfeiçoamento do socialismo tal como estava estabelecido segundo o modelo soviético.
Em 1989 nada indica um desejo de aperfeiçoamento, mas sim de rotura. Quem andou por esses países, quem encontrava por cá muitos dos seus cidadãos, sentia uma descrença profunda e, pior, o domínio ideológico do adversário em relação aos valores de vida e ao formato da democracia, para além do que agora é tão sentido entre nós, o domínio e o privilégio de uma burocracia dominadora do estado (se fosse militante do Podemos escreveria “a casta”).
É verdade que Cunhal, num congresso do PCP, fez uma análise brilhante da crise final do sistema soviético (mas sem aprofundar as suas raízes no estalinismo). Mas, depois disso, o PCP voltou a embrulhar-se ideologicamente, a ponto de tolerar expressões de neoestalinismo.
O PCP diz também que “não esquece que o povo português encontrou sempre na RDA e no Partido Socialista Unificado da Alemanha (PSUA) solidariedade para com a sua luta contra o fascismo e para com a Revolução de Abril”. Quanto a isto, estou plenamente de acordo. A gratidão ainda é parte do carácter.

4 comentários:

  1. 100% de acordo! Como aliás com o tom geral do blog e a maioria dos posts. Comungo da preocupação com a 'calcificação' do pcp, que quanto a mim contribuiu para o afastamento dos intelectuais, tão necessários a uma actualização da sua linguagem.
    Parabéns e obrigado pelo blog.

    ResponderEliminar
  2. Caro Vasconcelos Costa:
    Sobre um ponto do seu post, só queria deixar-lhe um meu falível testemunho: é que já vi vários documentários sobre a «queda do Muro» (mais exactamente a decisão das autoridades da RDA de abrir as portas) com depoimentos de cidadãos e até de líderes oposicionistas feitos naqueles dias e uma coisa que sempre me impressionou é que aparecem reivindicações de democracia e renovação do socialismo mas nunca por nunca ser encontrei a palavra «reunificação».

    ResponderEliminar
  3. Caro Vítor,
    Concordo. Em 1990, vi muitos ossies a visitar Berlim-Oeste claramente como se lhes fosse terra estranha. Creio que, depois, foi o marco trocado por igual que os seduziu.
    Mas o que escrevi foi outra coisa. Não tenho dados que me permitam pensar que os povos dos países da influência soviética quisessem a manutenção do seu socialismo aperfeiçoado. Penso que se reviam no modelo capitalista ocidental, com o resultado que deu (mas, dizendo isto, não estou a defender o modelo soviético)

    ResponderEliminar
  4. Caro Anônimo
    O Sr comunga da preocupação com a "calcificação" do PCP (eu escrevo com maiúsculas), que quanto a si, afastou intelectuais. Deve estar a referir o Carlos Brito a Zita Seabra, o Vital Moreira, o Pina Moura...etc...etc. E também deve comungar a preocupação de, o PCP não seguir a linguagem do PCE, do PCF, do PCI, e de outros por essa europa fora. Pois, meu caro, o PCP, é um partido Marxista/Leninista, que tem com projecto político, a implantação do socialismo e do Comunismo. Nos nossos estatutos nada menciona "alterações de linguagem". Naturalmente deve estar a referir-se aos partidos ditos do "arco da dívida" P"S" PSD e CDS, que têm uma "Linguagem" circunstancial, sobre o que prometem, antes das eleições e o que executam no poder. Nós somos gente de uma só cara e uma só palavra e é assim que temos que continuar. Temos provas dadas nas dezenas de Autarquias que governamos, RENOVANDO SEMPRE, maiorias ABSOLUTAS, assim o nosso povo queira, estamos prontos para assumir as nossas responsabilidades a nível da governação do País.

    ResponderEliminar

Obrigado pelo seu comentário. Os comentários de leitores não identificáveis não serão publicados.