Cara Joana,
Perguntaste-me (creio que a camaradagem nos permite este tratamento) em comentário na minha página do facebook: “Não precisamos de “novos partidos”. Precisamos de um “partido novo”.» E isto significa…?”
É um trocadilho que muitas vezes uso, quando toda a gente se agita e pia para fundar partidos, mas quando vemos que essas iniciativas são coisas oportunistas e cosméticas, para ganhar um lugarzinho à sombra do grande patrão que só se ri destas habilidades.
Partido novo é, por contraponto a novo partido, uma metáfora para outro termo que eu e muitos amigos usámos no fim dos 80: partido alternativo. Também já escrevi muito sobre isso, por exemplo aqui:
“(…) Abordei a dinâmica e consequências sociais, económicas e culturais das mutações sofridas pelas sociedades industriais. Seria estranho que essas mutações não tivessem tido também efeitos sobre o quadro político e as suas formações tradicionais, sobre as ideologias, os programas, a organização e funcionamento dos partidos.”
“A noção de partido alternativo é todavia ainda ambígua e imprecisa. Esses partidos definem-se ainda principalmente pela negativa, em oposição aos partidos tradicionais. Podemos tentar alinhar algumas possíveis caracterizações parcelares da “alternatividade”: a) ênfase na democracia participada, na vida comunitária, na discussão e tratamento dos problemas locais; b) empenho nos movimentos sociais; c) privilégio a um largo e difuso campo de acções de resposta a “novos problemas” (releve-se a imprecisão do termo), tais como a defesa de minorias, do ambiente, a luta anti-militarista, ou algumas formas de lutas feministas; d) maior flexibilidade na abordagem dos problemas políticos, mais liberta de rigidez e preconceitos ideológicos; e) características organizativas de flexibilidade, com recusa de demasiada hierarquização. Algumas destas caracterizações só valem se entendidas por um prisma diferente do habitual, o que introduz um ou- tro factor de imprecisão.”
“A alternatividade não tem em si própria um objectivo histórico. É mais uma atitude ou forma de estar na política, que só faz sentido se ao serviço de um projecto político global. Sem considerar a ideologia como enquistadora e divisionista, mas sem negar o valor teórico, agregado e mobiliador das contribuições ideológicas. Mas, em síntese, só uma ideologia “aberta”, fundamentalmente um esqueleto central de ideias e valores a preencher permanentemente com as mais variadas contribuições, é que poderá corresponder à actual fluidez histórica.
“Neste sentido, consideramos como partido alternativo não apenas um partido com as características fraternas de organização e praxis acima referidas, mas também, e obrigatoriamente, um partido que seja portador de um projecto global e coerente de transformação social e de rotura com o modelo social e económico dominante.”
“Um partido alternativo não se situa facilmente em relação aos outros porque o seu nível, o seu plano, é diferente. Isto não significa, porém, que não tenha que se situar em relação à grande fronteira que continua a separar o que, por comodidade de expressão, continuamos a designar como esquerda e direita. Não interessa agora, nem sempre é fácil (veja-se a actual terminologia a leste) identificar no concreto, em relação a cada partido, o que é esquerda.”
“Na vastidão do horizonte da mudança, as ideias e aspirações que darão corpo teórico a um novo projecto de Esquerda, a um projecto de novo socialismo, não virão apenas das formações políticas . Virão também, e cada vez mais, dos mais variados campos de análise da sociedade actual, com realce para as ciências sociais, e da convergência das múltiplas lutas e intervenções sectoriais que questionam a sociedade actual, no domínio cultural, dos direitos humanos, da defesa do ambiente, da defesa da paz, do património, da luta por interesses comunitários e regionais, etc.
Em coerência com a actual situação histórica, a renovação da Esquerda, com a criação de novos “partidos alternativos”, deve caracterizar–se fundamentalmente por:
a) uma atitude de abertura ao recolocar de todas as grandes questões, como por exemplo a análise crítica do industrialismo (independentemente do sistema socio-económico), a compatibilização das aspirações individuais e do progresso social, as relações entre riqueza material e qualidade de vida, o conceito de igualdade individual na actual complexidade social, a própria noção de progresso;
b) uma maior dimensão sociológica e psicológica na abordagem dos problemas políticos, um discurso centrado no quotidiano e na sociedade civil e menos na gestão do Estado, uma atitude mais isenta de rigidez e preconceitos ideológicos;
c) a redefinição das prioridades na acção política – ataque ao modelo de sociedade e de desenvolvimento, mais que ao sistema económico-social; defesa de uma solidariedade social mais ampla que o tradicional confronto de classes; limitação do peso do Estado, mas sem excessos liberalistas, perversores da igualdade de oportunidades e da solidariedade; maior ênfase em tudo o que respeita à concretização dos direitos de cidadania e à efectivação de uma verdadeira democracia participada.”
Este artigo está datado e postula que é ainda possível congregar forças de esquerda (como se considerava à data, para acções transversais transformadoras). Em 25 anos, mudou muito, mas, sendo optimista, creio que se manteve ou reforçou o sentido de cidadania das pessoas e a rejeição da podridão dos partidos tradicionais, o privilégio aos movimentos sociais. Por outro lado, as pessoas estão cada vez mais indignadas com a corrupção, com a porta giratória, com o engano do que tinham por esquerda, a social-democracia aliada ao neo-liberalismo.
Desconfiam de novos partidos encabeçados por jovens aprendizes da mesma escola. Falo por isso de “partido novo”. Faz sentido? Honestamente, não sei.