Tenho alguma dificuldade em entender-me no largo uso que se está a fazer do termo populismo. Comecei por o conhecer principalmente em relação ao peronismo, significando um movimento caudilhismo, com alguma ultrapassagem do sistema institucional e com ligação próxima do líder e do povo com base em propostas de cativação dos “descamisados”. Por tudo isto, algum proto-fascismo, como as boas relações de Peron com o nazi-fascismo.
O termo entra na literatura teórica socialista e comunista como referindo-se a movimentos e políticas progresistas, favorecendo as camadas populares, mas sem terem como objectivo final o derrube do capitalismo. Os movimentos populismos, como hoje os regimes progressistas da América latina, reivindicam uma legitimidade “de facto”, de representação das classes populares, sem as limitações de uma democracia formal dominada pela minoria económica da classe política oligárquica.
Reaparece-nos agora o termo na Europa, em duas acepções: a rejeição da UE com fundamentos nacionalistas, xenófobos e anti-imigração; e políticas internas com base na crítica generalizada aos sistemas político-partidários e aos que deles beneficiam.
Para combatermos adequadamente essas perversões políticas, é bom que nos entendamos e distingamos coisas diferentes.
Não vou discutir o termo populista em termos europeus, que me parece uma mistificação misturando no mesmo saco Le Pen, Farage, os eurocríticos de esquerda, tais como os partidos representados no grupo europarlamentar Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde. Só não seriam populistas os respeitadores da cartilha ideológica, económica e imperialista da UE.
A marca mais significativa do populismo europeu (fora o “europopulismo”) é o desvio do discurso político de um discurso de classe, com forte centragem nas questões económicas e sociais, para um novo discurso não classista, dirigido a um “povo” amorfo e indefinido e centrado na decadência da democracia, na corrupção generalizada de todos os partidos, considerados como que de uma nova classe social (?), a “casta”. Também, muito caracteristicamente, grande dependência de um líder carismático e autoritário. Os dois casos mais manifestos são o 5 Estrelas, de Beppe Grillo, em Itália, e o Podemos, de Pablo Iglesias, na Espanha.
Esta concepção populista tem uma extensão mais primária, justicialista e trauliteira, à Marinho (e) Pinto, e uma de “nova democracia”, elaborada e pretendo fundamentação de filosofia política moderna e cosmopolita, à Rui Tavares (e, vamos a ver, Ana Drago e Daniel Oliveira). São as primárias directas que servem para eleger o líder que toda a gente já sabia que ia ser, a ciberdemocracia, as “novidades” dos amigos estrangeiros que já conheço há anos, agora apresentadas como inovações, etc. Estes casos são os de populismo à europeia. Não concordo com que, como se tem escrito, a actuação de Seguro e Costa nesta sua campanha seja populista. A meu ver, é um exemplo, como muitos antes, de há muito, de uma degradação da vida democrática institucional, a que tenho chamado a “melancolia da democracia”.
O que está em causa é a captação da cidadania, da democracia participativa, pela democracia formal. É o aparelhismo partidário, feito de carreirismo, de “jotismo”, de profissionalização precoce na política, com desconhecimento de outras actividades sociais e profissionais. É a desvalorização, nessas lutas aparelhísticas, do debate ideológico e da oferta programática aos eleitores. São os truques demagógicos, o desviar a conversa, o não se comprometer ou fazer promessas fáceis de esquecer..
Todo o populismo é demagógico, mas nem toda a demagogia é populista. Na prática, acho que, como ameaça ao regime e, mais especificamente, como ameaça de esvaziamento da esquerda, o populismo deve ser combatido. O aparelhismo partidocrático há-de apodrecer por si.
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