sexta-feira, 14 de março de 2014

Notas leigas sobre economia


1. O aparelho oficial, do governo e sua corte, embandeira em arco com os últimos indicadores, referentes ao último semestre de 2013. Ficando-nos agora pelo PIB, é inegável algum progresso: aumento em cadeia de 1,7%; variação homóloga de -1,4%, quando tinha sido de -3,2% em 2012. Mas não me parece que a análise seja assim tão simples.

O fundamento da política oficial europeia de austeridade, de raiz ordo ou neoliberal, vem da arcaica lei de Say – agora celebrada por Hollande – que postula que o motor do crescimento económico é a oferta e não a procura. Para tornar competitiva a oferta, no caso das exportações, não podendo cada país europeu recorrer à desvalorização da moeda, procede-se à desvalorização interna, isto é, a redução do preço do trabalho. Só assim é que, segundo os austeritaristas, a sua política pode ser de “austeridade expansionista”, fornecendo em paralelo meios para a resolução do problema da dívida e do défice.

A ser assim, alguma coisa está mal na situação do último trimestre. Como se vê no gráfico, o que evoluiu favoravelmente e de forma muito significativa foi o peso da procura interna. A procura externa, a que, grosso modo, correspondem as exportações, estagnou. Como se explica o aumento da procura interna? Talvez haja mais razões, mas parece-me bem que é caso para dizer que a economia (e as pessoas que a vivem) têm razões para estarem gratos aos travões à austeridade, entre os quais o Tribunal Constitucional.

2. De que depende a sustentabilidade da dívida? Elementar. Sendo uma fracção, dívida como percentagem do PIB, este em denominador, o valor é tanto maior quanto o PIB for menor. Depois, depende do montante a pagar ao longo dos anos (maturidades), das taxas de juro a agravar o pagamento e do saldo orçamental primário, sem os juros, isto é, o que fica disponível para ir pagando a dívida e os juros (o serviço da dívida).

Não percebo muito bem como se fixa um critério para a sustentabilidade da dívida. Palpita-me que é um pouco arbitrário. O célebre critério de 90% do PIB derivado do estudo de Reinhart e Rogoff caíu em desgraça. Ficou o critério de Maastricht, mais restritivo, de 60%. Vamos admitir, porque o Tratado orçamental nos prende a ele, enquanto não quebrarmos essa prisão.

Para isso, há muitos cenários, mais ou menos irrealistas, para se chegar à conclusão de quantos anos serão necessários para, invertendo a tendência para subida da dívida, agora 129,4% do PIB, se chegar àquele limite. Por exemplo, o FMI calcula que será de 115% do PIB em 2019, desde que as taxas de juro andem por 3,5-4%, que o saldo primário vá de 1,9% em 2015 até 3,2% em 2019 e que o PIB nominal (PIB real mais inflação) cresça em média 1,5% ao ano. O que não leio no cenário do FMI é o prazo para se atingir o critério de Maastricht.

No último fim de semana, Cavaco Silva também fez contas, segundo as quais ficaríamos obrigados a mais austeridade e sacrifícios por a garantia da sustentabilidade da dívida só se atingir daqui a 21 anos, desde que se garanta um aumento anual de 4% (!) do PIB nominal e de 3% do saldo primário. Já para Passos Coelho e sua gente as coisas são muito mais simples: a dívida já é sustentável (só não se percebe é para quê, então, mais austeridade).

Será que os parâmetros do FMI são realistas? Não sou economista, mas julgo que tenho bom senso. Vou admitir que os mercados não tenham mais crises de nervos, como meninas histéricas, e que os juros fiquem pelos 3,8%. Quanto ao PIB nominal, considerando uma inflação de 0,8%, e que o crescimento médio foi de 2,4% antes da destruição troikana da economia, proponho, generosamente, um aumento anual de 2% (deflector mais metade da média de crescimento pré-crise). Para saldo primário não dou mais do que 1%, porque saldo primário é coisa que, ao que julgo saber, raramente tivemos na nossa história ( e nunca nos últimos 17 anos).

A Deloitte, com o Expresso, oferece uma página da net onde se pode fazer a simulação da sustentabilidade da dívida, em termos do número de anos necessário para se alcançar o limiar de Maastricht. Introduzi estes meus parâmetros. O resultado foi de 147 anos! Façam as vossas simulações.

1 comentário:

  1. Mestres/elite em economia (com o silêncio cúmplice de muitos outros mestres/elite em economia) enfiaram-nos autoestradas 'olha lá vem um', estádios de futebol vazios, nacionalização do BPN, etc, etc, etc...
    -» Ora, como é óbvio, quem paga (vulgo contribuinte) não pode continuar a ser 'comido a torto e direito'... leia-se: quem paga (vulgo contribuinte) deve possuir o Direito de defender-se!!!
    .
    -» Votar em políticos não é (não pode ser) passar um cheque em branco... isto é, ou seja, os políticos e os lobbys pró-despesa/endividamento poderão discutir à vontade a utilização de dinheiros públicos... só que depois... a 'coisa' terá que passar pelo crivo de quem paga (vulgo contribuinte).
    ---> Leia-se: deve existir o DIREITO AO VETO de quem paga!!!
    [ver blog 'fim-da-cidadania-infantil'].
    NOTA: o contribuinte agradece que sejam apresentadas propostas/sugestões que possibilitem uma melhor gestão/rentabilização dos recursos disponíveis... ou seja: em vez de propostas de aumentos... apresentem propostas de orçamentos!
    .
    ---» Resumindo: O REGABOFE NA DESPESA/ENDIVIDAMENTO TEM DE ACABAR!...

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