Dou por mim que já decorreram 27 anos desde 1987 (desculpem isto parecer uma afirmação à Thomaz almirante). É que aquele ano foi muito importante para mim, politicamente, e alguns dos jovens hoje na vida política ainda nem eram nascidos. Vou lembrar o MDP/CDE e como ele foi precursor em relação a tanto do que se discute hoje.
O interesse no “estudo de caso” do MDP vai mais longe, ultrapassando o partido. O quadro político social e institucional de hoje não é novo. Já então, a esquerda estava polarizada nos dois partidos implantados, PCP e PS, com insatisfação de um número crescente de pessoas a não se sentirem representadas. A incapacidade de entendimento entre os dois partidos era como hoje. A direita (então o cavaquismo) era dominante e por isso era largo o coro de vozes “entendam-se” dirigidos à esquerda (o termo convergência é que ainda não tinha entrado na moda).
Talvez os mais jovens ignorem que, depois das eleições de 1969, o movimento de oposição que concorreu unido (salvo três distritos em que os socialistas das CEUD concorreram sozinhos, com ilusões no marcelismo), MDP/CDE, manteve permanente acção política, emergindo logo no 25 de Abril como movimento unitário organizado, com grande implantação local e com papel de relevo na desfascistização das autarquias.
Nele participavam, com diversos movimentos, grupos e muitos membros sem partido, comunistas e socialistas, pouco antes aliados, em 1973. A seguir ao 25 de Abril, pretendendo afirmar-se como partido e provavelmente receando os preconceitos anticomunistas de camadas atrasadas do povo, os socialistas retiram-se do MDP e, para as eleições de 1975, para a constituinte, forçam-no a se transformar em partido, para poder concorrer. Também houve o outro lado da medalha, com muitos comunistas destacados a permanecerem no MDP, depois de ele passar a partido, comprometendo a sua imagem de independência em relação ao PCP.
Lembro-me bem da euforia irrealista que se vivia no PCP antes das eleições de 25 de Abril de 1975 e do balde de água fria que foi o resultado de 12%. Era não conhecer a realidade de um país rural, católico, tradicional, que emergiu na patuleia do verão quente. O mesmo em relação ao MDP, que se julgava, pela sua história na resistência antifascista, ir conseguir muito mais do que os 4% de votos que teve. Tudo isto conduziu a uma subalternizarão de facto face ao PCP e, em boa parte, a indiscutível dependência, pelo menos por parte de alguns sectores do MDP.
Segui com interesse o processo de afirmação do MDP e sua saída da coligação APU, depois substituída pela CDU, com os Verdes. Fui convidado a assistir a algumas reuniões muito interessantes, conversei com alguns dirigentes “secessionistas” – afinal estavam era a manter o MDP genuíno. Creio que os meus muitos amigos do MDOP não me levarão a mal que, lembrando-me deles, refira só um como sendo todos: José Manuel Tengarrinha. Pouco tempo depois filiei-me e julgo que tive algum relevo no processo de reconversão, infelizmente falhado. Era já tarde demais.
A extinção da APU, por parte do MDP, teve duas ordens de razões. Em primeiro lugar, para a grande maioria dos seus militantes de base, como tal activistas no terreno da APU, nas campanhas eleitorais e entre elas, era incompatível com uma sua tradicional humildade democrática e espírito unitário o sectarismo tão frequente dos seus companheiros comunistas. Mais em relação aos quadros, principalmente os que tinham larga vivência da luta antifascista e de esquerda, relevavam também questões de estratégia política e de ideologia. Mesmo muitos dos que eram verdadeiros simpatizantes do PCP não diferiram muito do que foram logo depois as vagas perestroikas de dissensões do PCP.
O que estava principalmente em causa eram questões essenciais de uma visão aberta da evolução da esquerda e do progresso social: 1. a discussão do visível falhanço do modelo socialista baseado na propriedade estatal, no planeamento central e na fixação político-administrativa dos preços. 2. A democracia participada e a valorização dos corpos intermédios, dos movimentos sociais e das iniciativas cidadãs. 3. A importância do compromisso entre os interesses sociais e os interesses e aspirações. 4. As mudanças aceleradas da estrutura social, dos hábitos e motivações, dos esquemas ideológicos, da consciência de classe. 5. As migrações e as alterações demográficas. 6. A constituição de uma frente política de progresso a acompanhar as novas mudanças sociais. 6. As movimentações em torno de causas transversais. 7. Etc. Toda esta discussão configurava o que se começava a designar como partidos alternativos, característica que o MDP assumiu, tendo sido reconhecido como tal pelo movimento europeu dos verdes e alternativos (com grande contestação pelo recém-criado partido Os Verdes).
As tensões internas geradas pela questão da dissolução da APU conduziram na cisão do próprio MDP. A grande maioria permaneceu, mas muitos dirigentes, próximos do PCP, abandonaram o M;DP, vindo a constituir a associação Intervenção Democrática (ID), hoje ignorada. Mais significativamente, deu-se o caso de alguns dirigentes bem conhecidos do MDP, que nele militavam já depois da legalização do PCP, terem aparecido como militantes do PCP logo após a cisão do MDP e, em alguns casos, aparecendo mesmo como funcionários políticos do PCP. É legítimo suspeitar-se da sua anterior lealdade ao MDP.
Alguns de nós, eu incluído, julgámos que a simpatia manifestada por muita gente pela reconfiguração do MDP e pela sua contribuição para um arejamento da esquerda se traduziria em votos, nas eleições seguintes, ainda em 1987. Foi uma desilusão, com menos de 1% de votos e sem se eleger qualquer deputado. A APU tinha "queimado" o MDP. A partir de então foi um lento enfraquecimento do partido, sem recursos financeiros e logísticos. Ainda hoje me lembro disto, quando defendo a criação de um novo partido, mas sabendo muito bem como é coisa bem difícil, na prática. Também por isso fico desgostoso quando vejo desperdiçadas – claro que em minha opinião – iniciativas que possivelmente beneficiam de condições práticas, organizativas.
Desses anos que decorrem da “alforria” até à extinção do MDP, em 1994, relembro dois processos menos conhecidos. No início da década de 90, não sei precisar a data, pensámos numa aproximação com a UDP e o PSR. Como autor da proposta na Comissão Política, fui encarregado das demarches, mas com bastante reserva de muitos companheiros, que não acreditavam na sua viabilidade. De facto, o PSR declinou o convite e o delegado da UDP, bastante conhecido ainda hoje, aproveitou toda a reunião para me tentar convencer das virtudes do camarada Enver Hoxa. Quem diria que, anos depois, iriam fazer o Bloco com o sucessor do MDP. Nessa altura, era cedo demais. Estar à frente, em política, pode ser tão mau como o oposto.
Alguns meses depois o golpe de Moscovo, de 1991, abandonou o PCP um número importante de militantes. Isto teve reflexos no MDP, creio que pouco conhecidos em relação à primeira fase de relações com os ex-comunistas. Quase semanalmente, houve encontros entre um grupo de dirigentes do MDP (essencialmente Tengarrinha, Silveira Ramos, Mário Casquilho e eu) e um grupo variável de recém-ex-comunistas, informal mas visivelmente liderado por Pina Moura. A tendência para nos arrastar para uma aliança com o PS, a credibilizá-los, era manifesta, tendo-se sabido que, enquanto diziam privilegiar uma aliança com o MDP, já estavam profundamente comprometidos com o PS, até para lugares eleitorais, como se viu nas legislativas de 1995 e nas autárquicas de 1993.
A outra corrente dos ex-comunistas de 1991 constituiu a Plataforma de Esquerda, liderada por Miguel Portas. Em 1994, entra no MDP, adoptando este o programa da Plataforma e alterando a designação para Política XXI. O grupo da Plataforma passa a dispor dos meios do MDP e acaba por integrar o actual Bloco de Esquerda. Novamente há uma cisão no MDP. Muitos dos seus membros passam para o novo partido (digo novo porque, em muitos aspectos, se distinguia do anterior), enquanto outros, como eu, tentam fazer renascer o MDP como associação política, o que nunca teve eficácia prática.
A intenção era boa, mas o projecto estava esgotado. No entanto, não haverá dele muita coisa que merece hoje reflexão? Infelizmente, muita coisa em 20 anos permanece igual ou até pior. Disponho, até como frequente autor, de documentos importantes do MDP desses anos de viva discussão política. Talvez imodestamente, julgo que vale a pena divulgá-los. Começará em próxima entrada.
* * *
Dedico esta entrada à memória de Mário Casquilho, um dos melhores homens que conheci e, apesar da diferença de idade e do nosso contacto tardio, um dos meus maiores amigos. Para além de muito mais, era de um carácter e integridade exemplares. Sendo chefe de gabinete do grupo parlamentar do MDP da APU e sabendo que a rotura da APU quase certamente lhe faria perder esse lugar confortável, apoiou firmemente a cisão e manteve-se no MDP, vivendo depois numa situação difícil.
Não pretendo fazer qualquer analise ao que escreve , só fazer uma correcção.
ResponderEliminarNas eleições de 1969 só existia a sigla CDE, o que se pode comprovar por uma consulta simples á internet.
O MDP-CDE foi uma sigla que só surgiu alguns anos depois.
Tem toda a razão. Lapso meu.
ResponderEliminar