quarta-feira, 27 de julho de 2011

O povo está zangado

Horas depois, quando escrevo, ainda estou sob o efeito de um programa televisivo de hoje de manhã, um daqueles com participação do público. O tema era os “jobs for the boys”, a propósito das nomeações para a Caixa. Mesmo sabendo que estes programas são manipuláveis, fiquei impressionado.
O povo está zangado!
A grande maioria dos participantes declarava-se eleitor do PSD em Junho passado, na maioria dos casos porque queria mudar, estava farta do Sócrates. Não me parece que seja atitude inesperada, nas últimas eleições. Estavam hoje revoltados. Ao fim de um mês, já dizem que foram enganados, que este governo é igual ou pior. As pessoas estão zangadas, é natural, mas isto turva-lhes a lucidez.
Só assim se compreende que eu hoje tenha ouvido essas pessoas, que votaram à direita, que engoliram as obrigações para com a “troika”, que se deixam esmifrar porque são gente honesta e vêem a política como se fosse coisa de honestidade doméstica, porque detestam a ideia de poderem ser acusados de caloteiros. Que todas essas pessoas, dizia, proclamem coisas espantosas.
Imagina-se gente anónima que votou à direita vir hoje dizer, como eu ouvi, que o que devia ser feito era outro cerco à AR, com sequestro dos deputados? Que devia ser já votada uma moção de censura ao governo? Que se devia nacionalizar já toda a banca “parasita”? Que se houver uma manifestação vou para a rua, desde que não partam montras nem queimem carros? Ouvi mesmo, e muito mais.
O povo está zangado!
No entanto, também ouvi coisas preocupantes. Que no salazarismo estávamos melhor. Que os partidos são todos iguais. Que a política é toda a mesma m… Que nunca mais vou votar. Que já não acredito em nada. Etc.


Este niilismo político, que compreendo, é perigoso.Foi esta depressão da democracia que sempre abriu a porta aos fascismos. E nem nos tranquilizemos com não se ver ameaça. Há sempre um "big brother" à espreita. 
A democracia, triste, melancólica, deprimida, está a precisar de grande dose de Prozac. Mas remédio só alivia, não cura. Curar, renovar a democracia é coisa que eu, velho com quarenta anos de passado de esperança na democracia real, gostava de ainda ver em vida. E em vida útil, em que eu possa contribuir com qualquer coisinha.
O povo está zangado! Mas a minha esquerda está defrontada com o desafio histórico de oferecer a este povo zangado uma alternativa que, eles manipulados, afogados em preconceitos, não conseguem ver nessa esquerda. Têm culpa? Claro que não, são vítimas, cumpre-nos elucidá-los.
Ah, grande Gramsci, o único que soube ler Marx e percebeu que a estrutura, esquemas reduzidos a nível leninista, pode bem ser vencida dialeticamente pela superestrutura, quando ganha a hegemonia. Desculpem lá esta coisa pretensiosa, mas é que esta entrada não é lida só pelo povo zangado.

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