terça-feira, 12 de julho de 2011

Merda! Sou lúcido

Já não sei o que dizer em relação a esta unanimidade patriótica em relação à pérfida Albion-Moody. A direita está maravilhada com esta desculpa que arranjou para começar a corrigir, de acordo com os factos cada vez mais indesmentíveis, as coisas avassaladas que dizia sobre os mercados, a sua infalibilidade, a sua nova natureza divina, a ordem natural das coisas.
Alguma esquerda está a embarcar. Alguma esquerda institucional, convencional, partidária. Bastante mais a “esquerda” inconvencional, a da nova intervenção, da net. A que hoje me propõe eu gastar uma data de tempo a bombardear daqui deste torrão o site da Moody’s, um couraçado em que o que fizermos é cagadela de mosca. A que até leva a sério a minha blague de ir outra vez ao Camões vestir de crepes pretos a estátua.
Tudo isto é ridículo, tudo isto é “déja vu”, cheira a avental republicano em revolta de indignação virtuosa contra o ultimato. Atenção, eu prezo a indignação transcendente de tragédia grega ou de escrito bíblico, mas não há maior ridículo do que a “indignação virtuosa”. Porque lhe falta o essencial para a grandeza, segundo Álvaro de Campos, “Merda! Sou lúcido”.
E cheira a história triste para a esquerda histórica. O fervor “patriótico” é forma de “panem et circenses" atirado à plebe pelos dominantes, que nunca tiveram patriotismo. Qual é o patriotismo da nossa banca que foi, em última causa, a desencadeadora do resgate?
O caso mais manifesto, porque já então havia uma forte corrente de internacionalismo de classe, foi o da Grande Guerra, 1914-18. A Internacional dividiu-se, o imperialismo pôs os povos uns contra os outros, morreram milhões - também muitos portugueses - nas trincheiras, sabiam eles lá porquê. No entanto, quantas coisas bonitas ainda hoje podemos ler de escritos políticos a apelar para a fraternidade dos povos, até apelos conjuntos dos socialistas franceses e alemães? E a luta contra a “união sagrada”, a conferência de Zimmerwald, etc.? Também Lenine, que até nem teve rebuço em usar um comboio alemão para chegar à Rússia prenhe da revolução.
Até há pouco, eu descria da frente de luta europeia. Achava que o europeismo “de esquerda” era utópico. Começo a duvidar, nunca pensei ver a Itália atacada pelos predadores financeiros. Nunca tinha imaginado o que pode ser o efeito da sargenta dizer que telefonou para Roma e lá lhe disseram que sim. Viva a RDA, que tais alemães gerou!

Acho que o sistema europeu, político e económico, está a abrir tais brechas que mesmo os seus medíocres dirigentes, Barroso, Trichet, Merkel, sentem que as pernas se estão a afastar para um lado e outro da falha sísmica e há qualquer coisa no meio que vai cair no buraco (duvidoso no caso Merkel…). Neste sentido, é essencial afirmar-se um coerente e eficaz internacionalismo europeu.
O nacionalismo patrioteiro e ridículo que estamos a ver não ajuda nada à formação deste necessário espírito internacionalista europeu. E lembram-se de que escrevi isto, “Escrever à esquerda, hoje”, a primeira entrada deste blogue, sobre a necessidade de ultrapassar o discurso político pequeninamente português?

NOTA - Anda por aí todo o tuga vivaço, especialista da net, a gabar-se de ter bloqueado o "site" da Moody's. Fácil de ver, chamam de Portugal essa página e ela não responde. Porquê? Porque tudo o que conseguiram foi bloquear o acesso ao "site" dos computadores, como o meu, que têm um endereço (IP) português! Ainda por cima, como a coisa foi anunciada, estilo guerra do Solnado, a Moody's defendeu-se e bloqueou o acesso aos tontos atacantes. Eu às vezes tenho mesmo vergonha de ser português!

E outra NOTA - Se eu fosse um truta da Moody's, estaria a partir-me de gozo a ler as tiradas patrióticas que lhes estamos a mandar. O que é chato é que não gosto nada que gozem comigo como esse tal gajo ignoto está a gozar. Mas neste caso não consigo fazer nada contra isto porque toda a gente alimenta esse gozo contra mim.

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