quinta-feira, 23 de junho de 2016

Programas e programas

O BE acaba de eleger os delegados à sua convenção, com base em moções que, afinal, refletem sem dúvidas o grupo de dirigentes que as subscrevem e se propõem, com essa base eleitoral, transpô-la para a composição dos órgãos dirigentes. À primeira vista, parece um jogo, porque toda a gente sabe quem está por detrás das moções à votação e à eleição dos delegados. 
Quem seguiu a última convenção, deu obviamente pela clivagem entre o grupo “fundador maioritário”, antiga moção U, a de Semedo, Catarina, Louçã, Marisa e amigos de Miguel Portas (os que restam depois da saída do manifesto) e, por outro lado, os radicais da moção de Fazenda. Hoje vão todos juntos, o que nem sequer critico, para mais não sendo aderente do BE (mas com muito interesse pelo que lá se passa).
Mas talvez não seja bem assim, um simples jogo tático e momento, dada a natureza atual dos partidos e uma relativa evanescência dos programas e da visão estratégica. Efeitos da grande mutabilidade da política nos nossos tempos.
Desde há muito tempo, e sob a noção distintiva de estratégia e tática, era tradicional os partidos terem programas a longo prazo, que incluíam a sua perspetiva histórica, o seu referencial ideológico e as linhas gerais da via para concretizar os objetivos estratégicos. Isto tanto à direita como à esquerda, principalmente no caso de partidos ideologicamente muito marcados (comunismo, social-democracia, democracia cristã).
Não é bem o que se passa entre nós. Do CDS, de quem ninguém duvida da sua mira ideológica, há apenas uma curta declaração de princípios (2300 palavras), da fundação em 1974. Tendo passado dessa democracia cristã para o populismo d direita, agora no neoliberalismo, tudo foi deixado à decisão dos dirigentes e congressos, sem uma clara redefinição dos princípios, desatualizados.
O PSD tem um programa, com última versão de 2012. É um programa curto, de 20 páginas, e tão genérico que serve para lideranças bem opostas.
O PS surgiu como “partido ideológico” e era de esperar que desse importância a um programa com certa fundamentalidade e estruturante. Tem desde 2012, no XIII congresso, uma declaração de princípios muito vaga, tanto mais quanto se pensa que essa época reflete um momento importante d viragem na comunidade socialista europeia, já muito contaminada pelo blairismo e a virar para a conciliação com o neoliberalismo. Daí que essa declaração seja um rol de palavras ocas e floreados, típicas de um partido de “catch all” e de clientelismo sem escrúpulos ideológicos.
Verdadeira tradição de um programa que define uma estratégia para iluminação das teses conjunturais sempre foi o do PCP. Tem sofrido alterações, mas pequenas, em função da conjuntura (por exemplo, o colapso do sistema comunista de tipo soviético). Fora isto, resta saber se o programa é adequado à sociologia e economia dos dias de hoje, de que tenho opinião contrária, ms não cabe essa discussão no âmbito deste artigo.
Volto ao BE. Que eu saiba, nunca teve um programa estratégico, talvez pela dificuldade inicial de elaborar um documento aceitarem por trotskistas, moaístas e dissidentes do PCP. O seu corpo doutrinário vai-se fazendo passo a passo, em moções às convenções e em programas eleitorais.
isto vai sendo um pouco moda. É o mesmo com o Syriza (que tem o programa de Salónica, mas exclusivamente de política económica e com objetivos eleitorais) e também com o Podemos, este chegando ao limite de evidentes contradições, oportunistas, entre os sucessivos programas eleitorais (populista, transversalista e oposto à ideia de esquerda-direita num dia, integrante de uma plataforma de esquerda clássica no outro).
Será que as condições atuais da vida política implicam isto, a regra da oportunidade e conjunturalidade dos programas? Claro que sim, no que toca às propostas para ciclos curtos e muito dependentes da conjuntura, por exemplo os programas eleitorais. Mas a definição programática essencial é necessária para a identificação de um partido. Julio Anguita, atualmente guru do Podemos, ficou famoso no seu tempo de PCE/IU pelo seu “programa, programa, programa!”.

Duas moções do BE, a A (largamente majoritária) e a R (ala mais radical) têm muito a merecer comentários neste quadro da relação entre a ideologia a prazo e a política a curto prazo, principalmente neste momento de todos os apertos do BE (e do PCP) deste jogo necessário mas perigoso da “geringonça”, em que se testam todas as capacidades de ginástica de cintura e coluna. Fica para próxima nota.

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