Há quem veja na vitória do Syriza e nos resultados do Podemos o prenúncio de uma grande mudança política na Europa. Duvido, e em primeiro lugar porque tal mudança seria sempre muito limitada e com pouco impacto na “fortaleza europeia” se não incluísse a França e a Itália. Por outro lado, estes recentes fenómenos grego e espanhol são em boa parte conjunturais e contingentes.
Lembremo-nos de que o Syriza, não obstante estar a governar, ficou muito longe (36%) de uma maioria eleitoral, beneficiando de um bónus para o partido mais votado. Na Espanha, a posição fulgurante do Podemos também não basta. Com cerca de 22-23% nas sondagens recentes, nem uma coligação com a Esquerda Unida (5,5-6%) permite uma maioria absoluta. Restaria a coligação com o PSOE, desdizendo todas as afirmações em contrário do Podemos, ou uma aliança espúria com o Cidadãos, outro “partido espectáculo” mas de centro-direita.
Apesar de Syriza e Podemos serem casos únicos, não falta em Portugal quem se reveja neles e neles procure a sua razão de ser. Por um lado, o BE, apesar de já ter uma identidade firmada, tem procurado capitalizar a sua pertença, com os partidos grego e espanhóis no grupo parlamentar europeu da Esquerda Unitária e Verdes Nórdicos, GUE/NGL (também o PCP, mas muito mais próximo do KKE grego).
Não é abusivo que o BE o faça em relação ao Syriza, com o qual tem bastante afinidade programática, mas parece-me que o parentesco com o Podemos é mais distante e um aproveitamento mediático. O Podemos não tem um programa ainda consolidado, desvia a dicotomia esquerda-direita para baixo/cima, assenta muito em círculos populares remanescentes do movimento 15-M mas, em contrapartida, com uma direcção central com controlo total sobre o partido, o que, diga-se em seu louvor, não parece ser o caso do BE.
De qualquer forma, há diferenças essenciais entre a situação grega e a portuguesa que não tenho visto salientar devidamente:
A Grécia tem um problema de dívida insustentável ao nível do português, com um excedente primário, muito superior ao português, a ser todo consumido no serviço da dívida, e a sua economia já é deflacionária. Mais marcante como diferença é que a Grécia ainda está em programa de resgate, sujeita a condicionalidades, que também afectam o seu principal problema, como se está a ver, o de falta de liquidez.
Também há diferenças importantes na situação política. Ao contrário de Portugal, a esquerda grega da resistência não foi monolítica ou predominantemente centrada num partido comunista ortodoxo (marxista-leninista e alinha do com o bloco soviético). Praticamente depois da invasão da Checoslováquia mas principalmente depois do colapso da URSS, sempre se viram, em contraponto, uma ala ortodoxa e saudosista do “socialismo real”, o KKE, e o actual Syriza, um conjunto de partidos, movimentos e grupos em que preponderava a ala comunista de tendência eurocomunista.
Pode parecer que é coisa só histórica, mas penso que ainda é determinante em Portugal não ter havido uma formação de tipo eurocomunista, papel não desempenhado pelo BE. Gostava de saber em que orientação de esquerda é que a maioria dos eleitores vêem o BE. Mais do que uns jovens hoje a envelhecer, com umas causas motivadoras cedo roubadas pelo PS? Com que ideologia?
O sectarismo do KKE, em permanente ataque ao Syriza, conferiu a este, junto do eleitorado, uma imagem de moderação por contraponto para com o próprio KKE. O desequilíbrio de forças entre os dois partidos tem consequências. O Syriza dava a esperança de uma vitória e, por isso, evoluiu vertiginosamente em resultados eleitorais, enquanto que o KKE estagnou. E dava essa esperança a muitos eleitores de esquerda ainda influenciados pela atitude contra o comunismo ortodoxo.
Em Portugal, o polo forte é o colocado mais à esquerda, o PCP. O BE é só um pequeno apêndice eleitoral do PCP. Para o mesmo tipo de eleitorado do que votou Syriza, a escolha não é num partido “moderado”, mas sim numa aliança determinada por um PCP ainda largamente visto como crispado e sectário.
No entanto, não é um óbice intransponível para o BE. Nas eleições gregas até 2012 o Syriza teve pequenas votações, abaixo do BE em Portugal. Como provavelmente se lembram, em 2012 houve duas eleições na Grécia. Na primeira, o Syriza sobe dos 5% de 2009 para 17%. Apenas um mês depois, espectacularmente, consegue 27%. Anote-se que boa parte destes acréscimos se devem ao esvaziamento do Pasok
Com efeito, outra diferença considerável tem a ver com o partido da “social-democracia” em cada país. Como já muitas vezes escrevi, o fenómeno da “pasokização” (esvaziamento eleitoral por prática de obediência à troika”) foi determinante na vitória do Syriza mas ainda não se verifica em Portugal por o PS não ter estado envolvido numa governação austeritária. Enquanto o PS agarrar o eleitorado de centro esquerda, tipicamente da pequena burguesia e dos serviços, não haverá nenhum Syriza em Portugal: um partido de esquerda radical, anticapitalista, com a noção clara do que significam a União Europeia e o euro
O que não significa que, entretanto, quem já está no terreno ou venha a aparecer não tenha desde já de começar a preparar o período pós-pasokização do PS. E principalmente tirar lições e estudar bem as contradições em que o Syriza se deixou enredar, entre uma vitória eleitoral conseguida com um programa ambicioso e uma situação de dificuldade financeira a obrigar a recuos desmoralizadores do seu eleitorado.
Fica para próxima entrada.
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