terça-feira, 3 de março de 2015

Carta aberta a Alfredo Barroso

Caro Alfredo Barroso, gostaria de comentar com maior profundidade o seu muito discutido texto no Facebook. Os nossos leitores comuns sabem que tenho perguntado infindavelmente “o que é hoje o CDA?” À simples pergunta “quem é o seu núcleo duro dirigente?”, aos costumes dizem nada. Só não formulo uma opinião definitiva porque ainda vejo ligados ao CDA pessoas que estimo e tenho por honestas, mas cada mais me parece que, hoje, o CDA não é politicamente sério.
Recordemos alguns factos. 
1. Em Outubro de 2012, o Congresso Democrático das Alternativas (CDA) foi um sucesso, mobilizando cerca de 2000 pessoas de todas as correntes de “esquerda radical” em torno de um programa que ia tão longe como a exigência de denúncia do memorando, ainda em vigor. Viam-se na sala militantes e simpatizantes do PCP e do BE, ex-comunistas sem partido, militares de Abril, um pequeno grupo pouco interveniente à volta de Rui Tavares e até meia-dúzia de socialistas de esquerda, com destaque sonoro para Ana Gomes. A declaração política recebeu cerca de 4000 subscrições. Recorde-se que o congresso teve lugar no rescaldo da grande manifestação de 15 de Setembro.
2. O CDA foi convocado por uma comissão organizadora de 52 pessoas, que mais tarde veio a designar uma comissão executiva desconhecida. Na organizadora, avultam jovens intelectuais com reduzida experiência política, com a cobertura da credibilidade política de pessoas como Carvalho da Silva. Começam a emergir os novos economistas, reunidos no blogue Ladrões de Bicicletas e com destaque para o até então quase desconhecido professor de Coimbra, José Reis. Também, operacionalmente, uma pessoa de grande capacidade de relações pessoais, José Maria Castro Caldas. Curiosamente, vai-se apagando o nome antes ubíquo na esquerda intelectual de Boaventura Sousa Santos.
3. Não posso garantir, mas julgo lembrar-me que em todas as reuniões ou conferêcias de imprensa, na mesa ou na agitação organizava, se via quase sempre Daniel Oliveira.
4. Este capital político nunca foi devidamente aproveitado, pelo menos em termos de actividades inovadoras e apelativas. Uma conferência de impacto mais reduzido, 580 pessoas, “Vencer a crise com o estado social e com a democracia”, em 2013, teve muito menor projecção política e as suas conclusões políticas são mornas, generalistas e sugerindo uma preocupação central “convergencista” peri-PS que estava então a ganhar força. Ressalte-se no entanto, positivamente, que as conclusões mantenham a proposta de denúncia do memorando.
5. Desde então, o CDA provavelmente alienou muito do interesse inicial, limitando-se a uma actividade envelhecida e para envelhecidos, principalmente de debates de convencidos para convencidos, de manifestos, num “downsizing” de que falaremos adiante. As sessões públicas têm sido rituais e não me lembro de uma única em que, livremente se tenham discutido linhas estratégicas e tácticas, relações à esquerda ou aspectos organizativos. Nem sequer de alguma vez convocado, de entre os apoiantes iniciais do CDA. Quase uma organizaçãoo secreta.
6. A partir do fim de 2013, há gente que, a) aproveitando o natural desejo de unidade por muitos eleitores da esquerda em sentido amplo; b) considerando que o descontentamento não estava a garantir a vitória do PS, eventualmente a exigir um encosto à esquerda, ainda que ridículo, para não ser obrigado a um bloco central que o “pasok”iaria; c) beneficiando de alguma evidência (infrutífera) nas grandes manifestações de 2011 e 2012 e de boa imprensa (onde muitos estavam), começou a agitar-se no sentido de qualquer coisa “no centro da esquerda”, corrida ganha pelo LIVRE de Rui Tavares.
7. O último ano é fértil em movimentações, não sendo abusivo considerar que, em boa parte, condicionadas por Daniel Oliveira e, a meu ver, em estreita articulação com a sua influência no CDA. Em Dezembro de 2013, aparece um manifesto – “3D: Pela Dignidade, pela Democracia e pelo Desenvolvimento" – assinado por 65 pessoas, em enorme maioria conhecidas como participantes em iniciativas do CDA. Dificilmente se poderia imaginar, naqueles 7 parágrafos, tal generalidade, unificadora, o preço indispensável num teatro político de primas donas, como o nosso. Entretanto, correndo por outra pista, Rui Tavares consegue a legalização do LIVRE. Muito pouco diferencia ambas as coisas e uma os assemelha essencialmente, como dizem e redizem: "eles são necessários porque PCP e BE são partidos de protesto que não querem governar e é necessária uma coisa nova com vocação de viabilizar governos de esquerda" (leia-se, com o PS, o único que pode dar base a uma maioria, a curto prazo).
8. Entretanto, Daniel Oliveira já tinha deixado o BE. Uns tempos depois, reestabeleceu (ou tinha-as mantido) relações organizavas com ex-camaradas, isto é, o pequeno grupo de Ana Drago que, ao que parece, tinha no BE uma associação (Fórum Manifesto) a que continuou a pertencer Daniel Oliveira mesmo depois de se desfiliar do BE.
9. Os promotores do 3D tinham-se proposto “desenvolver um movimento político amplo que no imediato sustente uma candidatura convergente a submeter a sufrágio nas próximas eleições para o Parlamento Europeu (…) e a constituição de uma lista credível e mobilizadora, que envolva partidos, associações políticas, movimentos e pessoas que têm manifestado inquietação, discutido alternativas e proposto acção”. À partida, o 3D exclui discussões com o PCP, o que, eventualmente, não deixava de ser realista. Note-se que, por razões técnicas e legais, era impossível a candidatura sem ser sob o chapéu-de-sol de um partido legal, do que o Manifesto (Miguel Portas, Daniel Oliveira, outros) já tinha experiência, com a OPA ao MDP/CDE..
10. Depois de contactos infrutíferos com o BE e tendo tido acolhimento favorável só pelo LIVRE, os promotores do 3D decidiram, em assembleia, “pôr termo à sua atividade enquanto Comissão Promotora e a qualquer forma de intervenção pública em nome do Manifesto 3D.” De qualquer forma, nos meses seguintes, Daniel Oliveira (creio que não invocando o 3D, mas sim o Fórum Manifesto codirigido por Ana Drago, recém-saída do BE), mais o movimento autárquico independente do Porto e a Renovação Comunista (uma associação letárgica), constituem com o LIVRE a plataforma Tempo de Avançar. Continua tudo em carrossel.
11. O LIVRE recebeu um presente envenenado. Tem a imagem de gente bem intencionada, talvez ingénua, mas não carreiristas da política. Mas, tendo-se definido como no meio da esquerda e totalmente aberto a entendimentos dessa esquerda larga, não podia deixar de acolher esses primos, quando ainda nem sabe o que vale em eleições nacionais. Os parceiros vão dar-lhe alguma coisa ou vão prejudicá-lo na tal imagem simpática?
12. Volto ao início, agora que Alfredo Barroso faz acusações graves e pesadamente adjectivadas a Daniel Oliveira. Essencialmente, para além da caracterização da personalidade de Daniel Oliveira, acusa-o do “downsizing” que referi no ponto 5. Longe de mim duvidar desse convencimento de Alfredo Barroso, mas deve haver lapso. Logo dois meses depois do congresso (Dezembro de 2012, ainda Daniel Oliveira era membro do BE!), Alfredo Barroso e Vasco Lourenço demitiram-se da sua comissão organizadora, sem motivos de “downsizing” de actividades. O que invocam é a existência de tentativas de controlo partidário, designadamente pelo BE (BE tal como era, antes das cisões e abandonos de 2013 e 2014, e onde ainda estavam, relembro, Daniel Oliveira e Ana Drago).
13. Será que então Alfredo Barroso ou Vasco Lourenço podem esclarecer os milhares de apoiantes do CDA sobre os pecados originais do movimento e erros de procedimentos subsequentes, sempre muito bem escondidos? Podem dizer alguma coisa sobre a minha já fatigante pergunta – quem controla o CDA?
14. E, à Catão, termino sempre repetindo-me, mesmo que a despropósito: a esquerda tem de ter imaginação! 
NOTA FINAL 1 – Não gosto de fulanizar a política, mas nem oito nem oitenta. Uma organização de massas é muito o carácter e o estilo que os seus líderes lhe imprimem, muito mais em época de enorme valorização mediática.
NOTA FINAL 2 – Acho perfeitamente legítimo que se pertença simultaneamente a um partido e a um movimento. Há é coisas que não são éticas: esconder o relevo dessas pertenças; encabeçar movimentos ou iniciativas ditas explicitamente como apartidárias mas cedo a dar origem a uma candidatura de barriga de aluguer; escrever na qualidade de jornalista profissional artigos de óbvio interesse político pessoal.

4 comentários:

  1. "...os assemelha essencialmente: eles são necessários porque PCP e BE são partidos de protesto que não querem governar e é necessária uma coisa nova com vocação de viabilizar governos de esquerda (leia-se, com o PS, o único que pode dar base a uma maioria, a curto prazo)."

    Li até aqui... e, tristemente concluo que além de memória curta, partilha de conceitos estranhos que papagaios avençados repetem ad nauseam. Não falta interesse à telenovela...

    Prezado João, boa sorte.

    Fechei!

    ResponderEliminar
  2. E retire sff o barbudo lá do canto direito.

    ResponderEliminar
  3. Mário Reis, está rotundamente enganado. Longe de mim perfilhar esa tese. Referi-a como coisa que aproxima o LIVRE e os seus actuais companheiros, nas suas declarações e como sound bite de tudo o que é jornalistas e comentadores. Devia ter escrito entre aspas.
    Partidos que não querem governar? pode dizer-se sem vergonha tal alarvidade?
    E, se ficámos entendidos, convido-o a ler o texto completo, chamando-me a atenção, como agora, para ambiguidades. A língua portuguesa é traiçoeira ;-)

    ResponderEliminar
  4. Entre os economistas do "Ladrões de Bicicletas", o João Rorigues lançou um repto (ou melhor dizendo, um grito de alma) que muitos gostariam seguramente de ver ecoar: o estabelecimento de um amplo movimento de convergência à esquerda, CONSTRUÍDO SOBRE UMA BASE DE TEMAS E PROPOSTAS CONCRETAS (peço desculpa pelo uso de maiúsculas, mas creio que não disponho da função sublinhar) e não de figuras e lugares. Um movimento que integrando no espectro político-partidário a esquerda partidária e parlamentar (PCP e BE), seja capaz de chamar a si outras e outros democratas e progressistas (os conceitos não se gastam pelo uso, mas sim pelo mau uso, que é coisa diversa, e, por isso, carecem de ser revisitados, revitalizados e ponderados) que se afirme como uma voz alternativa e que cumpra uma função imediata e urgente: a de promover a clarificação indispensável entre os que reivindicam o direito a um caminho de justiça, de liberdade (sim: de liberdade; qual é a da precário? A do desempregado? A do que disputa o salário de subsistência com o exército de reserva que tem nas suas costas?) e de afirmação do primado do interesse nacional sobre os interesses tentaculares que se afirmam supra-nacionais. Talvez desse modo se ultrapasse finalmente essa falácia, mantida e alimentada em partes iguais pelo triunvirato de partidos alternadeiros, que mantêm um pequeno coro de aspirantes e de viscondes besuntos (precisamente assim), para quem é indiferente o estar aqui ou estar ali, desde que perto da gamela onde se alimentam. Veja-se, a repugnância do ex-"dirigente sindical" Proença, conviva do PSD em debate sobre o estado da Nação. E não, não me venham com a conversa do pluralismo e do anti-sectarismo e de outras patetices do mesmo género. Aqui por este sítio, ao que vou vendo, há espaço para concordar e há espaço para discordar, mas já é tudo gente grande, que não tem interesse nenhum em ouvir outra vez a história da carochinha, como se diz cá na minha terra.

    ResponderEliminar

Obrigado pelo seu comentário. Os comentários de leitores não identificáveis não serão publicados.