sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Comentando os comentários

Arranjando alguma paciência para ler os inúmeros comentários ao texto de Alfredo Barroso em que anuncia a sua desfiliação do PS, fiquei surpreendido. Não com os aplausos e manifestações de solidariedade, é claro, mas com a brandura dos comentários muito provavelmente vindos de simpatizantes do PS. Que reconsidere, que o PS precisa muito dele, que Costa não quis dizer bem aquilo, etc. Quase que parece uma ordem de instruções saída do Rato, a minimizar danos.
Comecemos pelo que Alfredo Barroso pode fazer no PS. Alguém se lembra de ele ter tido alguma oportunidade em política partidária? A sua acção, notável, vem é da sua intensa escrita internética, mormente no Facebook. E quem é a ala esquerda do PS a não ser alguns comentadores, alguns colaboradores em iniciativas unitárias ou a sempre tronitruante (na minha terra diz-se destarelada) Ana Gomes? Ou, até se cansar, uma figura tão estimável do meu tempo, Eurico de Figueiredo, mas para se ir meter na corte de Marinho Pinto.
Os partidos não se reformam por iniciativa dos seus aparelhos e dizer-se que alguém lá faz muita falta é ilusão. Aliás, seria suicida que se reformassem. Queira-se ou não, os partidos representam interesse, classes, grupos, com que se imbricam e o sistema partidário foi reflectindo as alterações dessas relações. No final da monarquia, com o rotativismo, a política era feita por ricos, colocados muito acima dos simples eleitores, que, em termos de influência partidária, se limitavam, de vez em quando, a ser caciques. Só depois, com o Partido Republicano e a República, é que há uma ascendência da alta-média burguesia intelectual e um mínimo de aparelho partidário.No sistema actual de porta giratória, a classe dominante precisa de novas partidos para uma democracia representativa que perdeu todos os traços de virtude, velha rameira. O que são os quadros partidários? 1. os múltiplos negociantes com o Estado a cujos poderes pertencem, com destaque para os advogados. 2. a máquina autárquica, que de vez em quando desce à cidade para depois garantir o terno em ciclo à boa vida local de pequeno mandarim. 3. gente bem estabelecida a quem de vez em quando calha a “comissão”, como na guerra, para depois ter o seu lugar nos conselhos de administração. 4. mas, acima de tudo, os que saem da escola (quando a acabam) prontos para o emprego no partido ou nos gabinetes, invertebrados, capacitados só para a arte da canelada e da rasteira que aprenderam na jota.
Isto é um sistema patologicamente fechado que se alimenta a si próprio, que não tem válvulas de escape ou de regulação e que não se pode reformar porque, como na fábula da rã e do escorpião, isso é contra a sua natureza.
Ressalta como exemplo um comentário certamente generoso mas igualmente ingénuo. Escreve um comentarista: “eu não sou do PS e também lamentei a intervenção de AC. Fiquei triste e lamentei a estupidez de tal intervenção em favor do inimigo !!! Mas, não vou deixar de apoiar o AC, pois só Unidos venceremos.” O comentador tem noção da dualidade “nós” e o inimigo e, muito bem, diz que Costa beneficiou o inimigo. Mas, em nome dessa luta, continua a apoiar Costa, um messias que parece poder garantir que unidos venceremos. 
Unidos quem? As fracções no PS? Ou o PS e um penduricalho político de 2% Livres e amigos? Queira-se quer não, mesmo depois de décadas de agravos e crispações, a única garantia de derrube desta nossa direita que se situa no extremo da política e ideologia europeia é um programa mínimo (programa comum seria utopia) negociado entre toda a esquerda (sensu lato). Não poderá deixar de haver cedências mútuas, mas, em contrapartida, também linhas vermelhas, como, por exemplo, o que diz respeito à dívida. O povo certamente saberá pesar o esforço feito, a coerência, a disponibilidade, a firmeza patriótica e em função disso premiará ou castigará os partidos.
NOTA – O que tenho estado a dizer parte de um pressuposto básico: nesta incerteza, não haverá coligações pré-eleitorais e pode vir a haver muita coisa à queijo limiano. Parece-me certa uma coisa. Se o PS ficar em primeiro lugar e, de qualquer forma, mesmo encapotada for fazendo alianças com o PSD, ouviremos na noite eleitoral de 2019 António Costa dizer “afinal, sempre somos o Pasok”.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Obrigado pelo seu comentário. Os comentários de leitores não identificáveis não serão publicados.