segunda-feira, 21 de abril de 2014

Voto branco e abstenção

Já votei em branco, mas nunca me abstive. Conheço mesmo quem, de há uns anos para cá, vote sempre em branco. Quem o faz, certamente que não quer ser confundido com abstencionistas. Mas as coisas podem não ser tão simples, como mostra uma conversa que tive há dias sobre este assunto.

Tratava-se de pessoas de certa idade, politicamente interessadas e votantes habituais em um ou outro dos partidos do bloco central. Estavam traumatizadas com as duas últimas experiências. Tinham chegado a hostilidade enorme contra Sócrates, como tanta gente, e foram iludidas com as falsas promessas de Passos Coelho. Agora, já não se trata apenas, novamente, de um outro mentiroso, como também do responsável pelos sacrifícios por que estão a passar, apesar da sua situação razoável de pequena classe média.

É assente para estes meus velhos amigos que não vão votar em nenhum partido do arco da troika, mas também ainda têm muitas e antigas reservas em relação à esquerda, em que não confiam para governar “respeitavelmente”. Lá terão as suas razões, infelizmente partilhadas por muita gente, e que é urgente que a esquerda combata, principalmente pelo exemplo e clareza de posições.

Pela conversa, fiquei a pensar que talvez não seja muito fácil levar pessoas deste tipo para o voto branco, já que não as posso convencer a votar na esquerda consequente, que mais não seja para lhe dar o reconhecimento eleitoral do mérito de luta e resistente que lhe vêem.

Preferiam claramente a abstenção, e não por preguiça ou comodismo. Para além de outros argumentos todos ligados à questão da eficácia do voto, o principal não me convence mas talvez motive muita gente. É quase como a questão de votar útil, no mais forte. Sendo as abstenções muito mais numerosas do que os votos em branco, mais valia pregar um susto aos partidos fazendo subir muito as abstenções. 

Mas mais importante é analisar a variação em ambos os casos, De 2005 para 2011, as abstenções passaram de 34,97% para 41,93% (variação de 6,96% do total, ou de 19,9% em relação a 2011). Os votos brancos passaram de 1,81% para 2,66% (variação de 0,85% do total ou de 47,7% em relação a 2005). Assim, a abstenção cerce mais em termos dos eleitores inscritos, mas o voto branco cresce mais rapidamente como escolha.

Contrapunham-me também que o valor das abstenções é muito mais divulgado e comentado na noite eleitoral e que, portanto, tem mais impacto nas pessoas e nas análises partidárias. Têm alguma razão. De facto, raramente se ouve os jornalistas e comentadores falarem nos votos brancos. Mas mais uma razão para se insistir neles. Obviamente que, para mim, em último recurso, quando não se sabe de todo em quem votar, sendo então melhor do que ficar em casa, engrossando uma mole complexa de preguiçosos, descrentes na democracia ou pessoas sem espírito cívico.

A propósito do resultado prático dos votos brancos, vê-se frequentemente defendida a teses das cadeiras vazias. Isto é, os votos brancos seriam atribuídos como lugar de deputado a um “partido virtual”. Não tenho opinião formada sobre isto. Primeiro, não me parece que, seja qual for a consequência disto, tenha muito significado. Fiz uma simulação, por alto, em relação a 2011 e creio que o “partido branco” teria, no máximo, 2 assentos no parlamento. No entanto, em situações limite, isto poderia condicionar a regra da proporcionalidade. Depois, há dois casos diferentes, dependendo de as maiorias se calcularem com base em 230 lugares ou descontando esses lugares vazios. Aqui fica o mote para uma discussão interessante, que só tenho visto como agitar de slogans.

1 comentário:

  1. Gostava de comentar o seu texto, mas não o posso realmente fazer: o texto é - com toda e legitimidade - extenso, e o comentário necessariamente breve.
    Não sei porque saíu do PCP, mas lá terá tido as suas razões que no limite e sendo de escrutínio pessoal, são sempre as adequadas e suficientes.
    Não encare por isso - para mais referindo-me a alguém que não conheço, e que não me merece hostilidade - as minhas sucintas palavras como prova de desdém, ou apologia redutora de qualquer coisa. Mas, pelas razões da estreiteza que um comentário tem e porque para bom entendedor meia palavra basta (e o João V. Costa, pelo que diz, parece bem informado e por isso certamente bom entendedor), diria então apenas o seguinte: aqui que ninguém nos ouve, a sério que não percebeu MESMO as verdadeiras razões do enquistamento eleitoral do PCP? Mas, sendo assim, terá ao menos percebido as razões de resiliência eleitoral dos partidos do arco da governação, que, durante quatro décadas têm perpetuado e aprofundado o Capitalismo em Portugal? E quanto ao desmoronamento do campo socialista, a História já deu uns passos mais, depois do tempo em que parece ter feito as suas avaliações da situação. Finalmente, o endeusamento do Álvaro Cunhal. Sou dos que pensam que o devir colectivo é obra de todos e não de alguns. Mas que a Históruia também é feita de pessoas concretas com os seus particularismos, nisso estaremos concerteza em absoluta sintonia. E avaliando - com isenção e objectividade - o percurso do Álvaro Cunhal, temos que reconhecer que há por aí muita estátua feita a criaturas que não entregram a esse mesmo percurso libertário uma ínfima parte do que ele deu. Por isso, desculpe-me lá a franqueza das minhas limitações, há coisas que se me afiguram tão simples, que fico sempre intrigado quando, quem compreende as muito complexas, não parece depois compreender estas.
    Termino como comecei: não tome por sectarismo, por cegueira ou preconceito: é apenas um exercício de liberdade.
    Cordiais cumprimentos de quem, no campo de batalha, não terá, ainda assim, qualquer repugnância em caminhar ao seu lado, evidentemente.

    ResponderEliminar

Obrigado pelo seu comentário. Os comentários de leitores não identificáveis não serão publicados.