segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

O Manifesto 3D e o Congresso Dermocrático das Alternativas

É estranho que não se tenha comparado o que têm em comum – ou não – a recente iniciativa do Manifesto 3D e o mais antigo Congresso Democrático das Alternativas (CDA). É coisa que me interessa, até como explicação de posição pessoal. Bem sei que “ninguém dá um cêntimo para saber o que comi ao pequeno almoço”, mas lá vai a nota de que aderi com muito interesse ao CDA e não subscrevi o manifesto 3D. Já escrevi sobre o manifesto, mas não nesta perspectiva.

É que me parece que sem se relacionar ambas as coisas – e, já agora, também com o eventual partido Livre – não se percebe a iniciativa do manifesto 3D. Ou melhor, talvez toda a gente, os seus já muitos subscritores, estejam a perceber, e o problema seja meu.

Há uma grande sobreposição entre os promotores, e depois os subscritores, de ambas as iniciativas. É certo que no manifesto estão em relevo ex-comunistas, renovadores e outros, que não apareciam tão em evidência no CDA (embora tenha visto alguns ). Em contrapartida, os muitos bloquistas do CDA, bem como um grupo muito interveniente de socialistas, assim como Rui Tavares e alguns seus companheiros, estiveram no CDA e não aparecem agora no manifesto. Fora isto, então porque é que um grupo de notáveis não partidários quase que se repete nas duas coisas, Manifesto 3D e CDA?

Talvez os promotores do manifesto tenham considerado que o CDA perdeu fôlego e que não consegue corresponder ao desejo emotivo e um pouco acrítico que muita gente manifesta a favor de um entendimento de esquerda, desde a esquerda em sentido real até ao centro-esquerda do PS. No entanto, tem havido iniciativas com algum sucesso, produção de documentos e actividade no “site”.

Ou os promotores do manifesto entraram em corrida com Rui Tavares, jogando no seu campo, ou vice-versa? Seria mau sinal, de oportunismo e pequena política por parte de quem sempre invoca grandes princípios, mas não é hipótese a excluir, quando se diz que Rui Tavares participou da discussão do manifesto, afastando-se para lançar o Livre. 

Afinal, mesmo tendo em conta o erro de comparação pela grande vacuidade e generalidade de ambas as posições, há muita semelhança entre o Manifesto 3D e os princípios do Livre, tudo coisas a representar a plataforma cada vez mais estreita e reduzida a banalidades de possível encontro entre a esquerda “radical” e a social-democracia pós-terceira via. Quando muito, nota-se que o manifesto não vai pelo descaminho da utopia europeia de Rui Tavares. Em todo o caso, fica a léguas da concretização de objectivos e propostas que figuram na declaração do CDA. Creio que isto é significativo. Lá iremos.

Outra hipótese: o grupo do manifesto quer uma maior intervenção eleitoral do que a definida pelo CDA e, para isso, tem de reconfigurar o seu grupo central e secundarizar o seu papel de promotor de convergência – aparentemente, ao que se vê pela adesão que proclama, sem que isso defrauda o desejo de convergência de esquerda de muita gente. Com efeito, a declaração do CDA apelava ao diálogo de toda a oposição à política neoliberal ou de “novo fascismo”, enquanto que o manifesto 3D é vago quanto a entendimentos e alianças, falando em “juntar forças”, mas afirmando que quem o quiser fazer desde já não deve esperar pela convergência de todos.

O manifesto é transparente, neste aspecto: significa o lançamento de um movimento político o mais amplo possível, mas de cidadãos e cidadãs sem filiação partidária. Parecem assim excluídos os militantes de partidos que participaram no CDA. Cheira muito a novo partido escondido com o rabo de fora. Também me parece sinal de subalternizarão da perspectiva congregadora – os os muitos subscritores estão a vê-la, não sei eu como? – que se afaste liminarmente o entendimento a curto prazo com o PCP e o PS, sob pretexto de que estes partidos vão certamente concorrer sozinhos (é verdade) e provavelmente com aumento de votação.

Mas então as preocupações do grupo do manifesto são prioritariamente eleitorais, para as europeias? Não é difícil comprová-lo pela simples leitura: “desenvolver um movimento político amplo que no imediato sustente uma candidatura convergente a submeter a sufrágio nas próximas eleições para o Parlamento Europeu”.

Começa a parecer-me que a palavra “convergência” está a ficar prostituída. Para o Manifesto, PCP e PS ficam de fora, para já (e terá sequer havido conversas prévias com eles?). O Livre ainda não há. Portanto, ou o Manifesto vira partido – o que é negado pelos seus promotores – ou está a pensar usar o BE, sem o dizer. E não parece conversa de gente séria, como são, dizer que importante é o conteúdo da plataforma política, depois se vendo a forma sob a qual irão concorrer às europeias, quando se sabe que a lei proíbe que concorram como movimento. Parece haver demasiada coisa estranha logo no início deste manifesto.

Também acho sintomático do estado de “carência” política que muita gente vive o grau de adesão ao manifesto. Em que fundamentam as suas expectativas? Numa lista de pessoas? Em 7-sete-7 linhas de propostas? Deve-se estranhar a omissão de referência a um processo de discussão e proposição de um programa mobilizador. Talvez esteja aí a principal diferença para o CDA e a sua declaração, coisa estranha quando há tanta gente em comum na promoção de ambas as iniciativas. Já sei que me virão com a moda de que agora ninguém lê mais do que uma página, nunca a dúzia de páginas da declaração da CDA. Não quererão também reduzir a Constituição a uma página A4? (A propósito: quem diz que a dos EUA é assim, com as suas emendas, é porque nunca a leu).

Palpita-me que o ponto nevrálgico de tudo isto é uma proposta muito específica e concreta da declaração do CDA: a denúncia do memorando e a reestruturação da dívida com preparação para os cenários adversos que daí podem advir (sendo obviamente um destes cenários a saída do euro). À primeira vista, poderia pensar-se que a omissão é questão táctica por parte dos promotores do manifesto, olhando para o PS, ou mesmo para potenciais apoiastes e eleitores. Mas também há a hipótese de não ser só posição táctica.

NOTA – Ninguém acredita em grupos dirigentes (sem sentido pejorativo) de dezenas de pessoas. Têm certamente um núcleo duro que as pessoas provavelmente gostariam de conhecer. Ao menos no Livre sabe-se que é Rui Tavares, Rui Tavares e Rui Tavares. No caso do Manifesto 3D aparecem 65 promotores, no CDA 53. Afinal, quem é quem?

3 comentários:

  1. O Manifesto 3D, com a sua precipitação eleitoral para as europeias, foi um gigantesco tiro no pé do "obscuro" núcleo duro promotor, que se arrisca a lixar com isso não só o precipitado manifesto como, e isso sim já seria mais grave, o próprio Congresso das Alternativas, de que, infelizmente, parece surgir como prolongamento.

    Que nem o BE, que anda à procura de tábuas de salvação como nas presidenciais com o Alegre, nem o Carvalho da Silva, que não será tão burro a sacrificar voos mais altos e prender-se nesta pequena gaiola de órfãos políticos, lhe peguem decididamente, já diz tudo do sucesso da iniciativa. Enfim, esperemos que se fique apenas pela crónica do fracasso anunciado.

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    1. O BE NÂO anda á procura de tábuas de salvação , nem agora, nem nas presidenciais com Alegre.

      Quanto aos resultados das Europeias eles são uma incógnita.

      Aliás o que a mim me surpreende é que partidos CLARAMENTE anti UE , concorram ás eleições para o Parlamento Europeu, mas pedir coerência a certos partidos, é ser utópico.

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  2. Afanadores de contribuintes é coisa que não falta por aí:
    - políticos;
    - sindicatos;
    - construtores de autoestradas 'olha lá vem um';
    - lobbys (swaper's e afins) pró endividamento do Estado/contribuinte;
    - etc.
    .
    -> O contribuinte não pode continuar a andar a 'ser comido' constantemente a torto e a direito!!!
    -> Quem paga (vulgo contribuinte) deve possuir o Direito de defender-se!!!
    -> Ora, de facto, deve existir o DIREITO AO VETO de quem paga!!! [blog 'fim-da-cidadania-infantil' ].
    .
    .
    NOTA:
    O contribuinte agradece que sejam apresentadas propostas/sugestões que possibilitem uma melhor gestão/rentabilização dos recursos disponíveis... leia-se: em vez de propostas de aumentos... apresentem propostas de orçamentos!

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