quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Quem tem medo da revolução?

Nenhuma leitura como a que reproduzo me podia cair tão bem depois das minhas entradas precedentes. Sem comentários, revendo-me inteiramente neste texto de grande lucidez, com a inteligência brilhante do meu querido amigo J. M. Correia Pinto, no seu blogue Politeia. Lucidez e inteligência, coisas importantes, mas quando vêm com coragem demonstrada na vida e coerência sem concessão a benesses. Aqueles de nós que ainda vão ficando, sem concessões, dos anos 60s.
Os programas da Troika qualquer que seja o zelo ou a incúria com que são levados à prática falharam completamente aos olhos do povo. As metas propostas nunca são alcançadas e a realidade subsequente à sua aplicação é sempre pior do que as piores previsões poderiam supor. Foi assim na Grécia. É assim em Portugal e na Irlanda. Será assim na Espanha. Como já foi assim no século passado em África, na América Latina e na Ásia.
Na Europa só a luta dos povos pode inverter a situação. Desse ponto de vista o exemplo grego é importante. Ao longo destes últimos anos tem-se elogiado e enaltecido a luta do povo grego contra a TROIKA e contra o governo que aplica servilmente as medidas por ela impostas. Todos temos feito isso. E, todavia, vendo friamente as coisas, o exemplo grego não é um bom exemplo.
A Grécia é hoje um país completamente destruído e destroçado. Não obstante a revolta que campeia na sociedade grega e no íntimo de cada grego, a Grécia é actualmente um país sem esperança. Onde não se aceita nada do que está sendo ou foi feito, mas onde parece já não há força para inverter a situação por falta de verdadeiras alternativas.
O desemprego em massa, a precarização completa do trabalho, a degradação progressiva dos salários não são bons conselheiros nem as verdadeiras molas reais para uma luta vitoriosa. O combate, o grande combate contra a austeridade, deveria ter sido travado antes. Quando a Grécia ainda se não tinha esvaído material, psicológica e moralmente.
É essa situação que temos de evitar em Portugal e em Espanha. O combate, o combate decisivo, tem de ser travado enquanto temos força material e anímica para o fazer. Esta é a nossa hora. A hora da vitória. Não podemos deixá-la passar. Nunca como hoje se reuniram tantas condições para travar um combate vitorioso.
Para isso é preciso rejeitar as falsas alternativas com a mesma força, o mesmo vigor, com que se rejeita o programa do bando que ao serviço da TROIKA governa Portugal. O único caminho alternativo é o que for trilhado por nós. Um caminho que não conte com o apoio daqueles que nos têm imposto a pobreza e a marginalização. E não há que ter medo: Nós sempre soubemos historicamente encontrar o nosso caminho!
Este caminho ninguém o consegue hoje definir, nesta situação de enorme imprevisibilidade e de aceleração do processo histórico. Aceleração até no essencial, de que tantas vezes falo, a viragem na hegemonia, no sentido gramsciano.

Pequeno exemplo: depois da manifestação de sábado, conversei com um casal idoso, de reformados, com tendência para ideologicamente conformados com “o que tem de ser”, adeptos da visão económica de tipo familiar e honesta, votantes do PSD nas últimas eleições, por simples reação anti-Sócrates. No entanto, disseram-me que já não podiam mais e que, se não fosse a idade, lá estariam comigo, e que se tinham entusiasmado a ver a reportagem da televisão. Aproxima-se uma situação revolucionária.

É claro que para o JM e para mim, no recato da nossa idade (o que não quer dizer acomodação), revolução não tem nada a ver com coisas – não digo que não respeitáveis – de jovens anarcas, tatuados e com rastas. O que significa é que este separar de águas, desse lado (mas sempre vendo o que daí se pode aprender e, obviamente, sem misturar num grupo homogéneo toda a juventude), não serve para alinharmos com os instalados na democracia formal em crise, na exclusividade dos mecanismos institucionais. A revolução vem aí. Como diz o meu grilo falante, que me alerta para o entendimento comum, é preciso é que nós, com um sentido dinâmico da história, do processo histórico, mostremos que a revolução não é coisa de assustar a massa aculturada, não é incendiar carros e partir montras.

Afinal, é coisa com que muita dessa gente concorda. Acabar com os privilégios, traduzir a ética republicana no sistema de vencimentos dos políticos, punir eficazmente a corrupção, acabar com as fraudes fiscais, com a especulação financeira, com os benefícios dos offshores, mudar o balanço de distribuição de rendimentos do capital e do trabalho, valorizar o esforço de toda a vida dos reformados, investir na educação dos nossos jovens, etc., etc.

Para isto, é quase indispensável que a revolução suspenda temporariamente algumas garantias “democráticas”, legais. São medidas revolucionárias a combater outras medidas “legais” que o sistema estabeleceu a favor dos privilegiados. O 25 de abril tinha de respeitar os direitos "sagrados" dos pides (e muito fez o Spínola para os proteger)? Não haja ilusões. Sem uma suspensão provisória do sistema legal, quem o fez continuará a usá-lo em seu favor. Claro que nada disto tem a ver com violação dos direitos humanos. Nenhuma revolução se legitima, na mentalidade moderna, com tortura, prisão arbitrária, coisas que tal. 

Revolução ou democracia? Revolução não é intolerável como violação da “democracia”? Mas afinal, a tortura de afogamento com água, à americana dos presos de Guantanamo, é mais aceitável do que a tortura do sono ou da estátua da Pide?

Em conclusão e muito simplesmente. A ordem política, traduzida desde logo nas constituições, tem uma base indiscutível, que faz parte da civilização, desde a revolução francesa, os direitos do homem e do cidadão. Mas, depois, o ordenamento concreto traduz o pensamento e valores dominantes de uma classe social dominante e de camadas sociais diversas que assimilaram passivamente essa ideologia. Nada disto é sagrado e está em permanente mudança.

Não se espera que seja o sistema político instaurado por um conjunto hegemónico de ideias e de interesses que se suicide historicamente. A mudança vem dos que podem mudar o sistema, por fora dele, por revolução. Logicamente, definindo o seu principal inimigo, o sistema denegra a revolução, o espetro de que falava Marx. Mas a revolução não é nenhum papão, não é obrigatoriamente violência (quantos mortos houve no 25 de abril, e os que houve só por ação da Pide?), é o parteiro de uma nova criança promissora.

Lembrando Camões,
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,  
Muda-se o ser, muda-se a confiança; 
Todo o Mundo é composto de mudança, 
Tomando sempre novas qualidades.

2 comentários:

  1. Revolução é tambem mudarmos o que podemos e está perto. Por isso pergunto como esta o Caso Relvas na sua universidade? Resolvido? Pois...bem me parecia.

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  2. Penso que sim, resolvido. Como ainda hoje relata a Inspeção do Ensino Superior, não houve qualquer ilegalidade, mas até isto é o menos importante para mim. Como escrevi aqui, houve foi más práticas. O responsável, antigo reitor, foi demitido, passando para um cargo honorífico. O atual reitor, a cuja equipa pertenço sem ter nada a ver com as práticas anteriores, escreveu no Expresso um artigo muito honesto em que admitia as responsabilidades e maus procedimentos. Aprovou-se um regulamento de creditação. Constituiu-se uma comissão pela qual passarão a partir de agora todos esses casos e a que eu pertenço.

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