quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O que pode hoje escrever um não economista?

Leio regularmente o blogue Arrastões. Um dos seus principais animadores é Daniel Oliveira, que gosto muito de ler. É conhecido por ser militante do BE, embora numa posição marginal, que me desperta muita curiosidade sobre o que daí poderá vir em relação a algumas minhas preocupações.
Um seu “post” recente, “Um golpe de estado constitucional”, fez-me pensar no risco, que assumo com grande preocupação a cada vez que publico um “post”, de quem escreve politicamente numa época em que a política é essencialmente economia política e nos podemos interrogar sobre os riscos de descredibilização política dos leigos que escrevem erros sobre economia. 
Quantas não direi eu, até no comentário a DO, que se segue? Mas o reverso da medalha é o silêncio dos cidadãos não especialistas, o domínio dos economistas. Ou, como cada vez mais vejo, o refúgio dos generalistas num discurso político tradicional, "partido contra partido" (como se fossem muito diferentes), "quem teve a culpa da dívida" (Sócrates? ou porque não Barroso, Guterres, Cavaco? afinal todos e nenhum porque a culpa foi da ignorância económica e do domínio do pensamento económico neoliberal). É um discurso, a meu ver, desajustado dos tempos atuais. Confesso que já me custa lê-lo, mesmo quando escrito com grande nível intelectual.
Comentei no Arrastões (com alguma edição do texto que se segue):
Concordo com a generalidade do "post", mas lamento ler um erro primário, considerações sobre a nova "regra de ouro", com desconhecimento do que é o défice estrutural. Nem tudo se pode desculpar só porque se é leigo. O leitor quer ver que escrevemos sobre o que sabemos. 
Claro que nenhum país vai ficar sujeito a uma limitação do défice, tal como geralmente se fala dele, de 0,5%. Na prática, o limite do défice total andará por volta do limite imposto por Maastricht e o seu PEC, isto é, 3%. 
O défice estrutural é apenas uma parte do défice total. É aquela que resulta de decisões políticas discricionárias dos governos, sem contar com o défice cíclico, resultante de regras automáticas e diria que incontroláveis decorrentes de variações ao longo de um ciclo económico. Por exemplo, custos de empréstimos e PPP assumidos por governos anteriores, alterações das expetativas de despesas e receitas por razões de mudanças no quadro económico mundial, efeitos da recessão, custos de matérias primas, etc. 
É por isto ser tão vago que já haja quem diga que a nova regra de ouro, ao contrário da rigidez primária dos critérios de Maastricht, vai ser inócua. Que tribunal vai decidir se uma certa parcela do défice é estrutural ou cíclica?  
Um défice total com máximo de 0,5%, coisa de que a Alemanha está longe (por excesso, porque o seu défice total é muito maior), devia parecer suspeito mesmo a quem não é economista, como DO e eu não somos.
Qual a margem de manobra hoje do opinador político sem domínio elementar da economia? A minha resposta muito banalmente prática é que tive de comprar um livro que estou a estudar como se ainda estivesse na universidade: Krugman e Wells, "Economics", quase 1000 páginas já devoradas quase até ao fim. Difícil? Com uma ou outra ida à Wikipedia para ver “background” ou definição de termos, ainda não houve um parágrafo que não conseguisse aprender.

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