O termo populismo teve outrora um significado preciso, ligado ao trabalhismo sul-americano dos anos 30. Foi um sistema político bem exemplificado pelo peronismo argentino e pelo getulismo brasileiro.
Essencialmente, era uma mistura de trabalhismo, apoio a uma camada socialmente pouco definida de pobres, e desenvolvimentismo nacionalista. O termo mais popularizado ligado ao populismo era o célebre “descamisados” argentinos.
No entanto, foi um movimento muito contraditório e ideologicamente muito pobre. Por exemplo, no Brasil do Estado Novo getuliano, nos anos 30, houve enorme repressão ao partido comunista e às centrais sindicais, como conta bem Graciliano Ramos nas suas “Memórias do Cárcere”. E foi Getúlio que entregou à Gestapo a mulher grávida, alemã, de Luís Carlos Prestes.
No entanto, a política de Getúlio, de certa forma continuada com o desenvolvimentismo de Juscelino, foi progressista, nacionalizante (Petrobras), anti-imperialista. E levou-o ao suicídio perante a força da classe oligarca. E também deixou um legado trabalhista, com expoente posterior em Brizola e no seu partido, hoje bastante desvirtuado.
É coisa que temos de ter em conta na América latina: os herdeiros ainda fortíssimos da sociedade colonial e esclavagista, hoje os oligarcas que detêm a hegemonia cultural e ideológica, principalmente pelo domínio de uma comunicação social, que, entrando nas casas com a telenovelas, instila também a desinformação noticiosa.
Numa recente visita ao Brasil, onde tive de ter muito contacto com uma média burguesia de quadros técnicos, e que quis contrapor com o máximo que me foi possível de visões populares, vi como o Brasil está dividido visceralmente por um racismo que se mistura com um espírito de velho colono, de uma rejeição do pobre.
A categoria pobre nem é uma classe, é um paradigma de estratificação social. É o que dá o coxinha, o casal branco que vai à manifestação pro-golpe com a babá negra atrás a levar o carrinho do bebé.
É esta experiência real de populismo que é corretamente teorizada por Laclau, concorde-se ou não.
Entretanto, na Europa, há todo um uso abusivo do termo pela comunicação social e alguns “teóricos” pouco rigorosos.
Populismo passa a ser tudo o que se dirige às massas populares, seja em que sentido for, desde que não intermediado pelo sistema democrático institucional e tradicional. Ou com alguma demagogia e caciquismo do populismo sul-americano ou, novidade! tudo que de radical, antissistema, confronta a ordem estabelecida e apela à revolta popular.
Claro que assim, definindo-se populismo como significando a oposição ao pântano, é fácil misturar extrema esquerda e extrema direita, com o novo aforismo de que “os extremos tocam-se”. Intelectualmente é uma aberração que nem vale a pena discutir.
Na mesma linha, aprofundou.-se a falácia ligando-a à UE. Quantas vezes os leitores já leram que populismo é tudo o que enfrenta o consenso cultural ideológico, hegemónico, da inevitabilidade da UE? São tão “populistas” Farage e Le Pen como o PCP. Querem fazer-nos de parvos?
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