Falou-se muito nestes últimos dias de sondagens: a coligação de direita tangencialmente à frente do PS (ignorância, trata-se de empate técnico, considerado o intervalo de confiança), o conjunto PCP-BE com respeitáveis 18%, o Livre/Tempo de Avançar vestigial.
Mais do que estes resultados, incita-me ao comentário a sua estabilidade, desde há meses, com uma pequena oscilação a quando da eleição de Costa como secretário-geral do PS. Há dois aspetos importantes a discutir: o centrão e o conjunto de esquerda radical.
Os bem intencionados de uma esquerda idílica teimam em clivar o espetro político-social entre direita e esquerda – muito bem – mas incluindo o PS na esquerda. Não é verdade. O PS posiciona-se na margem esquerda do centrão ou pântano, mas por coisas menores: maior abertura de costumes, maior atenção às causas transversais, maior sensibilidade social, maior solidariedade.
Mas, no essencial, não se destaca do trio que negociou o memorando (na sequência dos PEC), que aprovou o Tratado orçamental e que recusa a renegociação/reestruturação da dívida. A clivagem é esta, para a esquerda consequente. O resto são palavras e intenções piedosas, em catálogos programáticos que ninguém lê.
E nem o Livre/Tempo de Avançar, insignificante, altera esta situação, ninguém acreditando a não ser os seus próprios apaniguados que terá alguma influência no PS, a quem nem sequer podem oferecer a hipótese de o PS formar maioria absoluta.
O centrão, pela última sondagem, vale 75%, quase tanto como à data da assinatura do memorando. Isto corresponde em boa parte aos que acham que a austeridade teve efeitos positivos (40%, um pouco menos do que os 43% que consideram efeitos negativos), mais 6% do que achavam o mesmo há um ano. Alguma coisa não bate certa entre estas opiniões e as opiniões sobre os partidos, dado que esses 43% ultrapassam os 38% de intenção de voto no PS, apesar da sua auto-imagem anti-austeridade. Clarificando: há gente do centrão que vota no PS concordando com a política deste governo. Porque Passos veste melhor do que Costa?
E não falamos todos com eleitores típicos desse centrão, novamente indecisos? Parece que não sofreram suficientemente os efeitos da austeridade. Mais uma vez, vai parecer que se cumpre o aforisma de que as eleições se ganham ao centro. O que se passa no centro é a alternância para a mesma política. Curiosamente, isto é tão reconhecido que 55% dos inquiridos afirmam que a alternância não muda nada.
Sozinho em minoria, com apoio de pequenos partidos, com apoio formal ou não do PSD e/ou CDS, é possível que o PS venha a governar em mais um ciclo de política de direita, de obediência aos cânones europeus, em pauperização. O resultado é a progressiva conscientização dos eleitores do pântano. Se o desgaste for suficiente, teremos a pasokização. Haja tempo e paciência, que a impaciência não é uma virtude revolucionaria.
Entretanto, muita gente desespera com a falta de eficácia prática de uma alternativa – não alternância – configurada pela esquerda radical, com os seus 18%. Há quem julgue distante a meta de uma maioria, olhando para o caso grego. É erro. Em 2012 (primeiras eleições), ainda a esquerda radical grega só tinha 20,5% (8,5% do KKE e 12% do Syria) e a atual maioria deve muito ao bónus de 50 lugares parlamentares para o primeiro partido. Estamos muito longe é de duas situações: o grande descontentamento popular e, consequentemente, a grande transferência de votos de centro-esquerda – mas relativamente radicalizados (o que chamei de pasokização). E, já agora, a capacidade de luta e o orgulho de um povo com um passado histórico de heroísmo.
Diferentemente da Grécia, há que valorizar alguns aspetos: o PCP e o BE têm um bom entendimento na Assembleia da República e convergem em relação ao problema da dívida. Integram o mesmo grupo parlamentar europeu. A leitura dos seus programas para as próximas eleições mostra grandes proximidades.
O problema essencial está no seu divórcio orgânico e de atividade, que também dificulta a mobilização popular. Têm culturas próprias, implantações sociais diferentes, referenciais históricos mais ou menos marcados. Creio que, como aconteceu em Espanha com a Esquerda Unida (e agora com a tentativa desta para aliança com o Podemos), não há razão para que a verdadeira gente de esquerda não considere que é nesta área, e não em franjas do centrão, que, com tempo e determinação, sem oportunismo, a esquerda radical venha a ser a alternativa eleitoral.
Muita coisa mais do que simples aliança dos partidos será necessária. Fica para nota próxima.
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