sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Pagar para ver

Como mostra a expressão muito usada, a política é uma luta, não um jogo de recreio infantil. E, sendo filosofia, teoria e ideologia, não se resume a isto, bem como a análise objectiva de uma actuação política concreta não deve ser obrigatoriamente influenciada pela perspectiva ética com que a vemos.
Por exemplo, considero, por tudo o que tenho lido e visto em entrevistas televisivas, que Pablo Iglesias e os seus amigos estão a fazer uma experiência social de cuja sinceridade se pode duvidar; que é demagógica; que é incoerente quando conjuga toda uma retórica basista com uma organização que atribui poder real exclusivo a Iglesias e ao seu grupo; que é indefinida quando apertada em problemas difíceis; que joga com dicotomias aclassistas – como gente e casta – e negando a validade da polaridade esquerda-direita; que usa em catadupa “sound bites” que pretendem tocar nos pontos-mola das pessoas e, em suma, propondo uma espécie de política pop. 
No entanto, reconheço a grande qualidade técnica dos académicos de serviço no Podemos, o seu traquejo e talento comunicacional e a habilidade certeira para elencar as posições demagógicas que vão ao encontro do desgosto de muita gente com a política de sistema, mas – ou não fossem demagógicas – sem aprofundamento, sem racionalidade e sem estímulo à análise crítica.
Já agora, uma provocação. Certamente que nenhum dos meus leitores habituais duvida da minha posição ética, política e ideológica em relação ao fascismo e, em caso concreto, o salazarismo. Mas isto não me impede de considerar que Salazar tinha uma notável capacidade política, de príncipe florentino (os outros que sujassem as mãos) e que não é coisa menor durar décadas no poder. Ou então cairia no paradoxo de dizer que tal facto, não se devendo ao seu talento para usar como sabemos os meios para os seus fins, teria então de se dever a incapacidade do povo.
Desculpe-se-me a lapalissada de lembrar que tomar por parvo o adversário ou diminui-lo de qualquer forma pode ter consequências funestas. Vem à cabeça o “Foxcatchers” e a forma como os lutadores estão atentos a que um descuido não resulte em o adversário usar a nossa força contra nós próprios (nunca pratiquei judo, mas julgo que anda por aí perto). Ainda outra analogia, com o xadrez: é indispensável a antecipação e o plano de alternativas.
Vem tudo isto a propósito da última entrada, no que respeita às propostas da Syriza quanto à reestruturação da dívida e à avaliação dessa situação tendo em conta, com  o maior interesse, que partilhamos em Portugal a centralidade dessa questão. Tal como nós, a Syriza está relativamente presa numa contradição: por um lado, a insustentabilidade da dívida, noção que ganha largo terreno na opinião pública; por outro lado, a impopularidade, por receio de consequências e por falta do seu conhecimento, da perspectiva de saída da zona euro. É óbvio que ninguém pode afirmar que as duas propostas podem estar inter-relacionadas.
Por isso, é compreensível que, para fugir à armadilha, a proposta de reestruturação  apresentada por Ricardo Cabral e os seus co-autores procure ser tão precisa e quantificada, como quem diz “vejam, é possível reestruturar mantendo-nos no euro”. É o que a Syriza também pretende, ao conciliar reestruturação e manutenção no euro.
Será possível? Parece impossível ter uma ideia sem se conhecer o decorrer das negociações (no caso grego, também a renegociação do memorando). Não se trata de um jogo solitário, mas de uma luta dura a duas partes. Por isto, o factor determinante de avaliação não é tanto o de se ver quanto dinheiro se propõe reaplicar aqui ou ali, em que políticas, com que montante de “haircut”, isto é, não é tanto uma questão técnica e económica.
É, na Grécia, cá, na Irlanda e na Espanha, escolher os que têm coragem, determinação e coerência política para um combate que vai ser muito duro e que ninguém, honestamente, pode dizer que se passe num jardim florido.
O que os poderes centrais europeus estão a dizer ao povo grego que a saída do euro já não é um tabu e que, portanto, votar na Syriza pode significar a impossibilidade de uma reestruturação colaborativa, sendo então melhor o divórcio. É uma ameaça inadmissível, imperial e antidemocrática, mas, novamente em termos de política real, era de esperar.
Podemos gozar com muita coisa trapalhona no aspecto e modos da Sra Merkel, mas não se pense que é uma política incompetente. Neste momento, está a avaliar se Tsipras está a fazer bluff. E vai pagar para ver.

NOTA – Peço sinceras desculpas a quem me acusar de este texto ser pretencioso como expressão de pedagogismo de banalidades. É que, creiam, não estou certo de que não tenham razão.

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