Em termos políticos, aqueles a que me atrevo como cidadão, sou favorável à saída da zona euro, embora, como é natural, desejando a minimização do custo dessa decisão: que só se necessário é que decorra da imprescindível – essa sim – denúncia do memorando e da reestruturação da dívida; que seja negociada, se possível; ou até que se enquadre num processo mais geral de transformação da moeda única em moeda comum. No entanto, todas estas alternativas me parecem pouco viáveis e com escasso grau de liberdade pela nossa parte. Por outro lado, falta-me informação sólida em termos económicos. É o que cada vez mais espero dos amigos economistas.
Como eu, mas com opinião diferente, muitos não têm informação económica suficiente e, por isto, opondo-se à saída do euro, também circunscrevem a sua argumentação à esfera política. Creio que a sua posição é frágil porque nada de substantivo suporta o euro, politicamente, principalmente quando a sua defesa é apresentada como uma posição de esquerda. Mais ainda, dizem, como a única posição moderna, aberta, liberta de fantasmas e de teias de aranha de “esquerdas fósseis” já esquecidas do internacionalismo agora redescoberto. Curiosamente, redescoberto por esta “nova esquerda” no território que também é de outro internacionalismo, o do capitalismo financeiro. Como escrevi há dias, é a eurofantasia, uma história para crianças políticas em que pontifica a fada europeia.
Com a sua varinha mágica, a fada virará a tendência dominante para governação à direita na Europa (ou para a direitização da social-democracia), combaterá a “constitucionalização” à escala europeia do ordoliberalismo alemão (escreverei sobre esta tendência evidente), corrigirá o crescimento do egoísmo e xenofobia que desmentem a ilusão dos “pais fundadores” europeus.
Os que defendem a saída do euro têm deixado em aberto a questão da concomitante saída da União Europeia (UE). Não é questão urgente; os problemas são diferentes e também o é a sua percepção pública. No entanto, esta diferença não seria válida se a saída do euro só fosse possível com saída simultânea da UE. Por isto, o argumento é brandido pelos políticos eurofílicos, a começar, como é seu dever, por Durão Barroso, acompanhado, por exemplo, por Francisco Louçã (Le Monde Diplomatique, edição portuguesa, Junho de 2013) ou por Rui Tavares.
Pessoalmente, tenho dúvidas sobre se uma saída da UE é uma catástrofe. Em termos de construção histórica e simbólicos, pouco me diz, como obra sem raízes, artificial, desligada do processo histórico popular. Acho vantajosas as suas aquisições em termos de alguma redistribuição de investimentos (fundos comunitários) e de solidariedade – cada vez mais posta em causa nesta crise de norte contra sul. Economicamente, parece-me que tem sido importante a livre circulação de pessoas e bens, menos a de alguns serviços e certamente menos a de capitais. Simplesmente, não é coisa que agora me preocupe, preocupa-me é o euro.
Não concordo de todo com o que já referi num “post” recente:
“a única saída do euro que depende de nós é a saída da União Europeia. Acarretaria também a saída do mercado único, do espaço Schengen, da cooperação judicial, e de mais outras centenas de instrumentos que fazem o nosso quotidiano mais do que imaginamos, em cada tribunal, empresa ou departamento universitário. Para recuperar uma parte, estando fora da União, precisaríamos de um novo tratado para cada tema e demoraríamos mais de uma década — sem veto nem voto no Conselho ou no Parlamento Europeu. Esse é o modelo norueguês, pouco menos improvável que o dinamarquês. Enquanto isso, a nossa fronteira passa a acabar em Badajoz, deixamos de ter liberdade de circulação no espaço europeu e os nossos emigrantes passam a cidadãos extra-comunitários. Todas essas consequências têm, depois, mais consequências.”
Esta é uma posição tipicamente institucional e formalista, sem consideração por processos dinâmicos, sem compreender – à esquerda… – o que é a dialéctica. Como não sou jurista, nem o são os meus oponentes, só vou ver esta questão pelo lado político.
Juridicamente, só direi coisas banais e bem sabidas. É certo que o Tratado de Lisboa ou Tratado da União Europeia (TUE) só prevê (artº 50º) a saída da UE, a pedido de um membro e num processo negociado com os restantes. Também que a participação no euro, após cumprimento de algumas condições mínimas, é uma obrigação a que só se podem eximir os estados membros que, logo na aprovação do TUE por unanimidade, tenham obtido uma derrogação nesse sentido (Reino Unido e Dinamarca).
Significa isto que a aprovação de uma nova derrogação, para Portugal, tenha de seguir todo o processo moroso de aprovação e ratificação? Antes disso, teríamos morrido da doença da austeridade. O que sei é que toda a construção europeia sempre se fez com bastante elasticidade no entendimento das cláusulas processuais – e não só – do TUE. O célebre artº 136º dá para tudo e mais alguma coisa, em termos da defesa do euro, o que, no limite, até pode significar que a defesa do euro justifica a saída de membros da zona euro, a seu pedido.
Não é da minha lavra a expressão “no limite”. Ela é usada repetidamente por João de Menezes Ferreira, um dos mais experientes diplomatas em matéria europeia, em relação à possibilidade de saída de um membro do euro por via de decisão intergovernamental, à margem do TUE. Não exclui também um novo tratado complementar, só sobre o euro e assinado pelos 17, provavelmente com maior facilidade e rapidez. Vão no mesmo sentido, embora com menores efeitos benéficos para Portugal, propostas como a de Jean-Claude Piris de uma zona euro a duas velocidades, em que medidas mais extremas, como as actuais, seriam objecto de um processo restrito de cooperação reforçada.
Houve sempre entorses aos tratados. Coisas tidas como consagradas e aprovadas foram modificadas para, depois de nova aprovação, poderem ultrapassar referendos negativos. Nesta crise, escandalosamente contra os tratados, a UE financiou os estados em dificuldades com empréstimos do SEEF, o que é proibido pelo TUE. Proibido é também outro papel do BCE que não seja apenas o de controlo dos preços e da inflação, e afinal o BCE andou a comprar dívida no mercado secundário. E se desceram as taxas de juro foi porque o BCE, no verão de 2012, assumiu inequivocamente essa actividade de compra ilimitada. Da mesma forma, a saída da Grécia, a tão falada “Grexit”, certamente seria negociada, como de interesse mútuo, à luz de qualquer parágrafo legal descoberto pelos burocratas juristas de Bruxelas.
Como disse o ex-juiz europeu Cruz Vilaça em entrevista a Ana Isabel Travassos,
“Nada no mundo é irreversível, nem mesmo no quadro da União” (…) “Não está previsto expressamente, nem nos Tratados, nem nos regulamentos da UEM, a saída de um Estado da Zona Euro. Esta saída pode ser uma saída com dois significados: ou uma saída empurrada porque já não respeita os critérios da Zona Euro, ou uma saída voluntária. A expulsão não está prevista. (...) Se os Estados, se os políticos, decidirem sair da Zona Euro, saem, até porque nem todos os Estados da União pertencem à Zona Euro, seja porque não respeitam os critérios, seja simplesmente porque não querem, querem manter a sua soberania monetária e cambial. (...) Uma questão é a realidade política, outra questão é a realidade jurídica. Não é possível raciocinar em relação à União Europeia apenas com base na interpretação formal do que está nos Tratados. (...) É indiscutível que um dia se um Estado quiser sair, sai mesmo”.
Também não me parece acertado pressupor que esta questão nunca se tenha posto a tanta e tanta ilustre gente que, em Portugal, noutros países, nos organismos internacionais, tem discutido a saída unilateral do euro por iniciativa de um ou mais dos seus membros. Ajuízo que tendem a pensar mais em termos políticos e dinâmicos do que jurídicos e formais.
O que é essencial é ter em conta, acima de tudo, que o poder político necessário para o confronto negocial para a saída tanto quanto possível ordenada do euro é uma manifestação da força de todo um povo, trabalhadores, desempregados, reformados, e da soberania – não quero dizer que ignorando as interdependências, antes as utilizando – e só possível com nova política assegurada por um governo que não seja um lacaio de interesses estranhos ou de fanatismos ideológicos importados.
Como já uma vez aqui lembrei, escreveu Camões que “Dizei-lhe que também dos Portugueses / Alguns tredores houve algumas vezes” (L., IV, 33).
Não sou capaz de repetir o comentário que aqui deixei há uns dias e se perdeu nos procedimentos.
ResponderEliminarMas sou capaz de repetir a ideia central.
A construção político-normativa que a União Europeia é hoje ainda cabe no projecto original? O balanço entre as forças agregadoras e a pulsões centrífugas será um desenvolvimento natural compatível com a dinâmica própria desse projecto ou aquilo a que se assiste é uma sua irremediável perversão?
Quando propugna apenas a possibilidade da saída do Euro, parece estar a optar pela primeira das possibilidades.
Mas não devemos nós assumir a reflexão sobre esse tema?
Por mim, não quero este modelo.
Boa prespectiva do problema jurídico. Existe ainda a saida da UE de forma temporária que pode demorar até 2 anos segundo o tratado de Lisboa, e o país teria de negociar toda uma série de preparativos que poderão ser os suficientes para obter uma relação diferente com a UE, similar à que o RU vai obter, sim não a que tem. E esse processo estão em andamento.
ResponderEliminarO tratado de Lisboa permite o seguinte no Art.º 35:
«1. Qualquer Estado-Membro pode decidir, em conformidade com as respectivas normas constitucionais, retirar-se da União;.
2. Qualquer Estado-Membro que decida retirar-se da União notifica a sua intenção ao Conselho Europeu. Em função das orientações do Conselho Europeu, a União negocia e celebra com.
esse Estado um acordo que estabeleça as condições da sua saída, tendo em conta o quadro das suas futuras relações com a União. Esse acordo é negociado nos termos do n.º 3 do artigo 188.º-N do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. O acordo é celebrado em nome da União pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada, após aprovação do Parlamento Europeu;.
3. Os Tratados deixam de ser aplicáveis ao Estado em causa a partir da data de entrada em vigor do acordo de saída ou, na falta deste, dois anos após a notificação referida no n.º 2, a menos que o Conselho Europeu, com o acordo do Estado-Membro em causa, decida, por.
unanimidade, prorrogar esse prazo;.
4.Para efeitos dos n.º 2 e 3, o membro do Conselho Europeu e do Conselho que representa o Estado-Membro que pretende retirar-se da União não participa nas deliberações nem nas decisões do Conselho Europeu e do Conselho que lhe digam respeito. A maioria qualificada.
é definida nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 205.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia;.
5. Se um Estado que se tenha retirado da União voltar a pedir a adesão, será.
aplicável a esse pedido o processo referido no artigo 34.º».
É que não havendo forma de negociar que permita à UE reconhecer as derrogações para o RU ou Dinamarca, ou mesmo o estatuto da Suécia então terá de se negociar durante dois anos em processo de saida da União uma novo acordo de associação.
Prevendo todos os problemas inerentes a reintroduzir o escudo, sair da UE por 2 anos dará ao estado uma série de instrumentos de soberania para arrumar a casa. Diga-se mesmo que reintroduzindo uma pauta aduaneira a perda de valor relativa dos activos Portugueses seria bem menor, assim como a necessidade de grandes desvalorizações, e podere-se-ia muito mais facilmente impedir a fuga de capitais (a meu ver este é um falso problema, pois já não existem capitais de tal ordem para fugir, os depósitos são de valores muito baixos, e as grandes fortunas estão investidas, com a saída do euro seria perder demasiado dinheiro retira-lo do país antes da reestabeliazação do novo escudo).
Uma das grandes discussões que se deveria fazer, igualmente para o euro, é o modelo de sistema monetário. Duvido que o euro se consiga reformar sem que os seus grandes pilares não tenham antes grandes perdas (Bancas nacionais, grandes bancos internacionais e bancos centrais). Mas o novo escudo deve ser de natureza bem diferente do euro. Deve-se fomentar inteiramente na monetarização da economia produtiva e nunca em expansão financeira, introduzindo barreiras à monetarização da especulação. Este será o detalhe que permitirá ao capital entrinchado em investimentos especulativos e protegidos da concorrência internacional ser transferido para àreas de produção de bens e servições transacionáveis. Colocando até uma diferenciação clara entre taxas de juro para sectores produtivos, para o consumo e para negócios de mercados bolsistas, sendo que a última deverá ser em dobro da bonificada para a industria. Este detalhe será perponderante para que não existam nenhuns dos receios apocalipticos de que se fala. Diga-se o euro sofre desses problemas de desfecho apocalipticos muito mais brutais que qualquer saida desordenada do euro...