terça-feira, 19 de junho de 2012

As eleições gregas

1. Eleições livres?
Num certo sentido, sim. Não houve destruição de urnas, chapeladas, traulitadas nos eleitores. Mas houve uma intolerável pressão das instituições financeiras e políticas internacionais, da UE ao FMI, de outros governos - qual havia de ser? - da comunicação social. Desrespeito da soberania democrática de um povo, a espelhar bem o que se conhece, a total falta de democraticidade da atual ordem mundial, a começar pela União Europeia, ordem antidemocrática que muitos querem combater à maneira homeopática, dando mais veneno à doença, no caso clamando por mais federalismo.
Pior, a manipulação da vontade eleitoral foi desonesta, porque a tendência geral foi a de dizer que o que estava em causa era uma espécie de referendo sobre a permanência ou saída do euro. Nenhum partido advogava a saída do sistema do euro! Para meu gosto, até acho que podiam ao menos ter dito estarem preparados para essa hipótese, como faz o Parti de Gauche francês. A Syriza propunha a suspensão imediata (“segunda feira estamos em Bruxelas”) do compromisso grego com a troika, mas mantendo o euro.
Mas creio que isto é revelador. O sistema do euro (CE, BCE, corte Merkel, gente da escola Goldman e Sachs, seus primos no FMI mais a europeia Sra. Lagarde, primeiros ministros tontoibéricos que emprenham pelos ouvidos dos seus gaspares, etc.) sabe que quando alguém na grande mesa dos 27 der um murro na dita e disser “não pago”, todos vão tremer, porque tudo isto está a ser um enorme bluff. Mesmo a Alemanha, que tem um grande monte de fichas posto a jogo, tem só um par de duques. Se todos pagarem para ver, ela estoura. 

E quem julgar que a economia é moral, honesta, Egas Moniz de baraço ao pescoço, coisa de boa gestão dos dinheiros da família, é pobre vítima de manipulação que já vem do Salazar. A economia, como a política, é luta! Leiam este senhor aqui ao lado. Luta devia ser com regras de fair play e de golfe jogado entre cavalheiros, aperto de mão no fim e cheers no 19º buraco, mas de facto é "desporto" de canelada. 

Porque os meninos do fato preto ou o loiro bonitinho angélico presidente do Bundesbank são tudo menos meninos de coro ou missionários mórmons, mesmo que igualmente bem vestidinhos e a cheirar a Old Spice. São apenas a versão envernizada da canalha do bairro de lata, do salve-se quem puder. O problema é que a malta do bairro salva-se só com umas coisinhas de droga e esses senhores salvam-se com a miséria de milhões. Ah, mas o Gaspar é diferente, fala pausada e sisudamente.
E lá em escuras boticas de Trás-os-Montes, em lojas palreiras de barbeiros do Algarve, se dizia, com respeito, com esperança:—«Parece que há agora aí um rapaz de imenso talento que se formou, o Pacheco!» Pacheco estava maduro para a representação nacional. Veio ao seu seio— trazido por um Governo (não recordo qual) que conseguira, com dispêndios e manhas, apoderar-se do precioso talento de Pacheco. Logo na estrelada noite de Dezembro em que ele, em Lisboa, foi ao Martinho tomar chá e torradas, se sussurrou pelas mesas, com curiosidade:—«É o Pacheco, rapaz de imenso talento!» E desde que as Câmaras se constituíram, todos os olhares, os do governo e os da oposição, se começaram a voltar com insistência, quase com ansiedade, para Pacheco, que, na ponta duma bancada, conservava a sua atitude de pensador recluso, os braços cruzados sobre o colete de veludo, a fronte vergada para o lado como sob o peso das riquezas interiores, e os óculos a faiscar... [JVC - o nosso Pacheco não usa óculos mas tem umas papadas suboculares que lhe dão um ar distinto… colesterol é coisa fina, não se dignem médicos discutir possíveis causas de públicas virtudes e vícios privados]. Finalmente uma tarde, na discussão da resposta ao discurso da Coroa, Pacheco teve um movimento como para atalhar um padre zarolho que arengava sobre a «liberdade». O sacerdote imediatamente estacou com deferência; os taquígrafos apuravam vorazmente a orelha: e toda a câmara cessou o seu desafogado sussurro, para que, num silêncio condignamente majestoso, se pudesse pela vez primeira produzir o imenso talento de Pacheco. No entanto Pacheco não prodigalizou desde logo os seus tesouros. De pé, com o dedo espetado (jeito que foi sempre muito seu) [JVC - ou aquelas mãozinhas a desenhar arcos íris no céu da iluminação divina], Pacheco afirmou num tom que traia a segurança do pensar e do saber íntimo:—«que ao lado da liberdade devia sempre coexistir a autoridade!» Era pouco, decerto:—mas a câmara compreendeu bem que, sob aquele curto resumo, havia um mundo, todo um formidável mundo, de ideias sólidas.
Volto ao murro na mesa, depois deste devaneio bebido no meu patrício ilhéu, terceirense, com nome que nunca vi nas minhas ilhas, Fradique. Claro que os outros 26 vão fazer cara de maus, mas quero ver se não aguenta essas caras, olhos nos olhos, quem tiver tido a coragem dessa atitude. Não será Tsipras, por força desta derrota eleitoral, não será o insonso Hollande, não será nenhum socialista porque já não há mais nenhum, não será Louçã se um dia pudesse (amanhã falarei sobre isto), mas será alguém, porque não poderá deixar de ser. E contra quem tiver tido essa coragem, a tristeza de se olhar par pobres cães rafeiros.

2. Olhando para os resultados


Partido
Maio
Junho
Dif


Votos
%

Votos
%

Nova Democr.
1
1192051
18,9
1
1825609
29,7
53,1
Syriza
2
1061282
16,8
2
1655053
27,9
55,9
PASOK
3
833527
13,2
3
755832
12,3
-9,3
Gregos Indep.
4
670957
10,6
4
462456
7,5
-31,1
Neonazis
6
441018
7,0
5
425980
6,9
-3,4
Esq. Democr.
7
386263
6,1
6
385079
6,3
-0,3
P. Com.
5
536072
8,5
7
277179
4,5
-48,3
Abst.


34,9


37,5



  • A abstenção não variou de forma a dificultar a comparação dos resultados dos partidos, mais um menos um por cento.
  • Reforça-se a bipolarização. Os dois partidos mais simbólicos, pró e antitroika, ND e Syriza, somavam 35,7% em maio e passam para 57,6% em junho. É uma situação radicalmente diferente da portuguesa, em que gaspares e amigos se sentem confortados com a maioria pró.trika de 80%, uma vergonha de carneirismo quando olhamos para estes gregos, seja lá qual metade deles tenham razão. O que não são é unanimistas.
  • O PASOK continua a sua queda inexorável. Menos 31% de 2009 para maio de 2012, menos 9% num só mês, de maio para junho de 2012. Não há socialistas em Portugal a pensar nisto? E em que há uma semelhança flagrante entre os dois partidos socialistas: ambos são bengala da direita no apoio aos programas da troika.
  • Os partidos menos afirmativos na sua oposição “moderada” ao programa da troika, os Gregos independentes e a Esquerda democrática, partidos de gente moderada e sensata, de intelectuais bem pensantes, caem significativamente ou mantêm-se a um nível pouco expressivo.
  • A extrema direita nazi parece ter feito o seu pleno em maio e perde algum eleitorado, embora ainda sem nos aliviar da sua ameaça.
  • O Partido comunista (KKE) é fortemente penalizado, como acontece vulgarmente em situações de forte tensão (já o vivemos cá). Não consegui ler as suas posições, que só vi em grego, mas parece ser um partido rígido e sectário. Não ganhou nada com esta eleição e talvez tenha impedido a Syriza de ter obtido a maioria.
3. Ficou tudo na mesma?

Ainda hoje li num blogue respeitável, mas com uma mistura diáfana e de encanto discreto da burguesia, entre esquerda e algum elitismo direitista, que nada mudou com estas eleições. Que, afinal, pasme-se a francesice de uma velha cultura queiroziana, mais importante foi a obscura segunda volta das legislativas francesas. Acrescenta-se que nada de novo na frente de Berlim.
Claro que eu preferia a vitória da rejeição do programa da troika (redigo, independentemente de não me saber muito bem a firme declaração da Syriza de fidelidade ao euro). Mas que nada mudou? A corte europeia valsa e rejubila, mas como baile de fantasmas com teias de aranha, como no filme de Polansky. Sabem bem que um povo esteve à beira de pôr em risco toda a tranquilidade do sistema e que, se não foi ontem, será amanhã. E que nenhum governo grego, nestas condições terá condições para governar pacificamente como os discípulos do Goldman (que nome mais ironicamente acertado!) nos governam.
4. Futebol
E claro que vou torcer furiosamente pela vitória da Grécia sobre a Alemanha!

P. S. - Thomae and other Greek friends, sorry, no time to translate this to English, but i'm sure you guess what i'm saying. Zeus save Greece!

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