terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

"À la calle!" (II)

Escrevi que estou a ser egípcio, cada vez mais cada dia que passa, como fui tunisino. Deixei uma leve alusão a vir a ser europeu, o que se pode entender como estar a prever uma revolução europeia do mesmo tipo. Claro que era figura de retórica, mas é bom deixar as coisas claras. Que nem se pense que eu possa transpor simplisticamente para a nossa situação o que estamos a testemunhar, e espero que a testemunhar com generalizada alegria. É verdade que os europeus da periferia vão sofrer uma espiral descendente de austeridade, dívida e défice, austeridade, etc. Já estão zangados e cada vez mais estarão zangados. Mas vão sair para a rua como os tunisinos e egípcios, possivelmente também os argelinos, jordanos e iemenitas? Não me parece.
É facto que o processo histórico, lá nos seus meandros dialéticos (um físico falaria na teoria do caos, no efeito borboleta, nos fractais, etc., mas vem tudo a dar ao mesmo) nos prega enormes partidas, de surpresa. As situações revolucionárias, muitas vezes, só se percebem com grande aproximação temporal. Quando me lembro de que, em 1970, eu em Angola, na guerra, me perguntava quando tudo aquilo acabaria, nem imaginava, nem ninguém, que estava a 4 anos do 25 de Abril. O que são quatro anos na escala de tempo da história?
No entanto, neste afundamento político, económico, geoestratégico (para quem gosta do conceito) da Europa milenar, 4 anos, sendo um segundo, podem ser fermento de grandes surpresas, numa perspetiva revolucionária. Isto quer dizer uma possível continuidade com este atual processo revolucionário do norte de África? Creio que não. Será outra coisa, ninguém sabe o quê.
O que se está a passar começa logo por ter uma base política radicalmente diferente. Nós vivemos em democracia formal estabilizada, eles em ditaduras. Quando a democracia como temos ainda é o grande referencial político, a bandeira de luta contra opressões por todo o mundo, a começar no próximo grande império, a China, parece-me inconcebível uma revolução para derrubar uma democracia. Seria experiência contrasensual.
Na Tunísia ou no Egito, mesmo na Argélia ou na Jordânia, é quase certo que, seja o que for que vier como poder político, não será pior do que o atual, porque pior só seria o fundamentalismo muçulmano, com pouco poder político nesses países. Pelo contrário, entre nós, a grande probabilidade de resultado de uma convulsão política seria a de um regime a relembrar o fascismo.
Também é verdade que temos corrupção, mas longe do nível de cleptocracia daqueles regimes. E, principalmente, não há justificação, entre nós, para tal aceitação da incerteza de alternativa política como na Tunísia (quem é o novo poder?) ou mesmo no Egito, apesar do provável papel de El Baradei. Muito menos se pensa que os europeus, por muito que lhes cresça a revolta contra o consenso político-económico de Berlim-Bruxelas que os vai conduzir à depauperação com cumplicidade de todos os governos, mesmo que de “esquerda” (Portugal, Espanha e Grécia, os que restam), muito menos se pensa, dizia, que estejam dispostos a morrer na rua às dezenas.
Quer tudo isto dizer que a onda sul-mediterrânica não nos faz pensar, senão como notícia televisiva? Creio que não, que devemos pensar bem no que nos pode surpreender o futuro, conjugando as motivações que são comuns de um lado e de outro do mar nosso com a grande diferença de situações. E, principalmente, tentando ver e ultrapassar o que nos limita, a nós europeus, em relação a uma vaga de revolta mediterrânica e a uma mudança revolucionária (no sentido científico do termo) desta Europa desconchavada que construíram à nossa revelia.

Como diz um querido amigo, no seu Politeia"essa luta acabará por favorecer, a Norte, todos os que lutam por um mundo diferente!". Certo, vem ao encontro do que eu disse. Mas o mais importante é começar a pensar nessa tal luta que esta de hoje vai favorecer.

1 comentário:

  1. Vai ser mesmo en la calle, meu caro. Na Europa também. O que virá depois nem deus sabe. Na mesma é que isto não fica.
    Abraço
    V

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