Dia sim dia não, volta a discussão sobre as alterações democratizantes do sistema eleitoral, ou no que respeita à generalização, eventualmente contra a vontade dos partidos, de directas, primárias ou aparentadas; ou no que respeita ao voto preferencial, a pretexto da proximidade entre eleitores e eleitos e do combate ao domínio aparelhístico do partido sobre os candidatos e eleitos. Fico hoje pelo segundo problema.
A minha posição é pragmática. Dou de barato que os defensores dessas teses apresentam argumentos consistentes, mas o problema está em saber se a sua consistência vence debilidades evidentes ou muito prováveis. De fundo, e sem pragmatismo, defendo sempre a proporcionalidade, aliás só vigente nos países anglo-saxónicos. Qualquer entorse à proporcionalidade é um atentado grave à liberdade de escolha dos cidadãos, confinando os eleitores a um sistema bipartidário. Pior ainda, muitas vezes, ele tende para unipartidário e “consensual” quando um dos polos se rende a ideologias dominantes, como foi no fim do confronto entre liberais e conservadores ingleses, ou entre democratas e republicanos americanos na luta pela integração (os democratas sulistas eram mais racistas do que os republicanos nortenhos).
A tão apregoada proximidade é coisa de sistemas uninominais maioritários, “quem chega primeiro apanha tudo”. E tem muito de demagógico, isso de o gabinete de o representante em Washington estar sempre aberto aos eleitores ou de o deputado rural inglês ir ouvir os eleitores ao fim de semana.
Nada impede isto no nosso sistema, nos círculos já pequenos. Quantas vezes viajei de avião com um querido amigo desaparecido, José Medeiros Ferreira, que ia semanalmente aos Açores. Mas também ele me dizia que, ao fim do dia, lhe apareciam três ou quatro pessoas a colocarem-lhe problemas.
Pior ainda é o caso de círculos maiores. Por exemplo, nas listas de Lisboa e Porto, figuram principalmente personalidades notáveis dos partidos, em número considerável. A sua competência é provavelmente equivalente. Tenho o palpite de que uma escolha preferencial do eleitoral seria subordinada principalmente a factores de imagem e mediáticos. Ou seria por verdadeiras razões políticas, de afirmação própria, de rebeldia contra o aparelhismo?
E, na tecnicidade actual da intervenção parlamentar, com assuntos diversos a necessitarem de tratamento por especialistas, é aceitável que um mirífico e não provado princípio da proximidade eleitor-eleito prejudique a coerência final de um grupo parlamentar entretanto sujeito a remanejamentos pelos eleitores? E, mais importante, qual é a evidência mínima de que este problema seja algum dos factores importantes da degradação da democracia parlamentar, comparado, por exemplo, com os atropelos à ética, a corrupção, a promiscuidade e a porta giratória?
Finalmente, uma nota prática. Admitamos que esse sistema se aplica a círculos de dimensão mais reduzida, por exemplo de 12 deputados, e que concorrem 10 listas. O eleitor vai ter de assinalar o partido em que vota e, nesse, uns tantos eleitores preferidos (mesmo que seja só um). para salvaguarda do segredo de voto, tem de levar para a cabina todos os boletins10 boletins partidários ou um nominal com 120 nomes. Admitamos que ele não se perca nesse confusão, mesmo que seja uma velhota semianalfabeta. Regressa à mesa com um monte de papéis. Como garantir a destruição dos sobrantes?. Quantas mesas de voto para dar vazão a toto este tempo individual de votação? Já viram um boletim de voto italiano? Parece um lençol.
Como disse, prós e contras. Há vantagens essenciais que sobrelevam esses problemas? Muito bem. Senão, é tolice,
Claro que tudo se resolve com a ciberdemocracia, dizem, como nas novidades políticas partirárias. Mas esta gente tão podemos, tão democratas, tão novas comunicações em rede de cidadãos, esquece-se que os seus recursos e capacidades de pequeno-burgueses intelectuais são desconhecidas para milhares e milhares de cidadãos tão dignos como eles.
(Imagem: Condorcet, pioneiro da teoria do voto)