Logo à chegada ao hotel, prolongando-se a impressão pelos dias seguintes, era manifesto que, para além de alguns grupos de franceses, italianos e alemães, de visível bom nível socio-económico (exceto uns ingleses a tenderem mais para “Liverpool dockers”), a esmagadora maioria era de portugueses.
Exorbitava, com o seu alto tom de voz característico e com palavrões, gente do “Puarto”. Fiquei a pensar porquê. Questão técnica, uma agência portuense mais agressiva? Não me parece. A mesma empresa, a Abreu, organiza o pacote charter-hotel de uma semana, tanto de Lisboa como do Porto. Todavia, perguntando eu quantos turistas vinham no voo de Lisboa e quantos no do Porto, confirmou-se a minha impressão. Muito mais do Porto. Mas há maior poder de compra no Porto, ou há um padrão diferente de compra?
Tendo nós encomendado um esquema fora das normas e mais caro, cerca de 1700 € por pessoa, com escolha sempre top do alojamento, visita a outras ilhas, uma data de voos entre ilhas, só agora, indo à “net”, vejo que uma semana no nosso hotel da Boavista, tudo incluído com voo direto, nas nossas escolhas de nível, custa cerca de 900 euros. Dispensando os nossos requintes, pode vir para 700 euros. Em pacote de família com pelo menos 4 pessoas, quase metade. E biba o Puarto! E carago, não toquem essa tal Cesária, toquem Quim Barreiros!
Alguns turistas nortenhos educados com quem falamos faziam este fim de férias, mas usavam um fim de semana de inverno para irem a Londres ou Paris. Era o que se passava com o casal X, do grupo do "charter" do Porto, com quem conversámos. Disseram logo que, com a crise, nunca pensaram viajar com tanta gente de nível social e económico evidentemente baixo. E têm dinheiro, nesta crise da austeridade! Por este exemplo, mais do que em Lisboa. Porquê? Não ganham mais, a não ser por economia paralela. Provavelmente têm menor nível de gastos.
Diz-me a morena: “em que gastamos? Cinema semanal, teatro e ópera mas só quando vale a pena, livros é certo que muitos, discos e DVDs também, de vez em quando um restaurante top, uns drinks num bar à beira mar, alguma roupa elegante, duas vezes ao ano nos saldos, alguma coisa de gourmet, mas raramente”. É isto extravagante? Não é, mas é caro para quem compra apenas o nível mínimo da oferta do supermercado e com cartão do Continente.
Assim, há toda uma camada social de pequena burguesia que até pode ganhar bem, em esquemas, que nessas coisas gasta pouco, ao nível dos seus hábitos, que nunca comprou um foie gras, que não lê um livro, que não paga descarga da internet, e que poupa para, em férias, serem senhores. Ainda não sentiram a troika.
Assim, há toda uma camada social de pequena burguesia que até pode ganhar bem, em esquemas, que nessas coisas gasta pouco, ao nível dos seus hábitos, que nunca comprou um foie gras, que não lê um livro, que não paga descarga da internet, e que poupa para, em férias, serem senhores. Ainda não sentiram a troika.
Mas, insisto, porquê mais no norte do que no sul?
E confesso-me elitista, o mais aristocrata dos democratas. Depois desta experiência, não me apanham em resort de portugueses em que se grita aos berros para as criancinhas de um para o outro lado da piscina. Em que às 8 já todas as espreguiçadeiras estão marcadas com toalhas de gente que só lá vai a meio da tarde. Em que as criancinhas, com os pais ao lado, dão pulos seguidos para a zona da hidro-massagem. Em que as casas de banho estão inundadas de urina e o assento da sanita está todo regado. Em que quase metade das pessoas estão tatuadas. Em que toda a gente se atropela nas filas do bufete. Em que ninguém fecha a porta de um bar com ar condicionado. Em que se pede um "uisquezinho". Em que as pessoas apregoam em alta voz o seu catálogo nortenho de palavrões. E muito mais.
Uma senhora a quem, muito justamente, alguém tinha surripiado a toalha, deixando depois livre para mim a espreguiçadeira, veio dizer-me, indignada, que eu estava deitado sobre a sua toalha. "Mas julga que eu sou capaz de me deitar sobre a toalha usada de alguém, muito menos a sua?"
Uma senhora a quem, muito justamente, alguém tinha surripiado a toalha, deixando depois livre para mim a espreguiçadeira, veio dizer-me, indignada, que eu estava deitado sobre a sua toalha. "Mas julga que eu sou capaz de me deitar sobre a toalha usada de alguém, muito menos a sua?"
É português mediano. Dizer que o português mediano é rasca é coisa reacionária, aceito. É a democratização, com acesso alargado a muito que antes era de elite, e muito bem alargado. Enriqueceu o povo, embora as maneiras, o estilo, o bom gosto mínimo, tardem sempre uma geração em relação à conta bancária. É excelente que a pequena burguesia do meu tempo de jovem, então confinada na Reboleira do J. Pimenta e sem saber o que eram férias, possa hoje ter isto. Por isso lutei muito, mas com a ilusão de que ia ver toda esta gente ao meu nível. Nivelamento por cima. Afinal, sou eu que tenho de viver rasca.