quarta-feira, 30 de maio de 2012

A esquerda (IV)


Concluindo esta série de entradas sobre um novo partido, resta o mais difícil, a proposta programática em relação ao assunto crucial, a crise, o compromisso com a troika, as alternativas (o que pode ser estultícia, "devendo-me"  ficar prudentemente por coisas que não são os dogmas da religião neoliberal). Essencial: um partido que diga que está aberto à discussão de tudo, por mais heterodoxo que o tudo pareça, já é diferente.
Como prólogo e exemplo, pego naquilo que, como disse há dias, um amigo meu adiantava como impossibilidade de programa diferente de um novo partido: “onde vão buscar o dinheiro?” Sem ofensa, o meu amigo parece-me estar limitado a pensar num quadro estreito e condicionado. Claro que, no atual pote de dinheiro, com pequenos potes nacionais, parece ter razão. Mas não se pode criar mais dinheiro, à escala do espaço do euro? Claro que sim, nada teoricamente impede o BCE de emitir moeda. É certo que isto, se demais, significa inflação, mas o balanço de inflação, crescimento, competitividade, desvalorização, dívida, é um conjunto dinâmico que foge ao esquematismo dos ideólogos e economistas neoliberais.
Acresce que o risco de inflação (porquê o máximo de 2%, como se a economia fosse coisa rígida, em ordem de parada?) faz tocar as campainhas pavlovianas dos alemães lembrando a enorme inflação pré-hitleriana.
Mas isto é científico ou ideológico? Podem ter os EUA emissão notória de moeda (até para monetarização da dívida pelo Fed) com inflação de 2-3% e a Europa não pode? Pode o Fed fazer “quantitative easing”, a segurar os cerca de 9% de défice orçamental - o triplo do autorizado na UE - e o BCE (ou o BdP) não?
Estou a falar de emissão de moeda pelo BCE, contra o dogma. Mais adiante falarei de emissão de moeda pelos bancos nacionais. Não comecem já é a dizer que é impossível. 
Eu não digo que deva ser assim, não sou especialista, mas quero discutir, não aceito de barato os dogmas dos outros e quero que um novo partido promova essa discussão.
A segunda questão tem a ver com os ensinamentos da prática, com a validação experimental das teorias. Ao que sei, toda a experiência de intervenções do FMI é negativa. A das troikas ainda vai mais longe no austeritarismo e é indiscutível já que gera uma espiral recessionista. Por este lado, já não há o benefício da dúvida sobre os efeitos nefastos, pese embora a fé mística dos gaspares na fada do regresso da confiança dos mercados. As previsões falham uma atrás da outra, a Grécia já precisou de segundo resgate e de uma envergonhada reestruturação da dívida (controlada pelos credores). Ninguém se atreve a dizer que não se passará o mesmo com Portugal.
Dizem os austeritaristas que não há alternativa e riem-se quando se fala na Argentina, por exemplo (mas também há o Equador). Dizem que o argumento de demonstração empírica, que joga contra eles por força do FMI, não vale, porque ainda não foi demonstrado que a receita oposta - a que eu aqui defendo - resulte. Claro que resultou naqueles países (e na Coreia do Sul, de outra forma, e na Rússia, também de outra forma).

"Mas não são comparáveis”, embora essa de comparáveis me pareça logo nós espanhóis não somos portugueses, nós portugueses não somos gregos, como se não houvesse uma razão funda comum a todas as crises pontuais que vivemos, no quadro da crise global. É o mesmo sistema bancário, a mesma desregulação do mercado financeiro, o mesmo predomínio da finança sobre a economia, a mesma disfuncionalidade do euro.
É verdade que a Argentina sobreviveu com base num grande potencial de exportação de “commodities”, principalmente a carne. Mas a Grécia e nós também não temos um grande potencial de exportação de serviços, desde logo o turismo? Ou de recuperação da agricultura, criminosamente destruída, agora com seleção criteriosa de produções de alto valor acrescentado? E mesmo da pesca, com a maior ZEE da UE. Dirão que isto é impossível com respeito pelas quotas e regras da UE. Veremos, quando desobedecermos. E se for impossível, então talvez se justifique discutirmos bem a nossa integração na UE.
E, afinal, a questão é outra: digamos que a Argentina pagou com 30% da sua riqueza, durante 3 anos, a sua política de desafogo e de independência económica. Digamos que a Grécia e nós teremos de pagar o mesmo com 50%, em 3 anos. Ao fim desse tempo, a Argentina começou uma escalada de crescimento económico. Não o poderemos fazer? Como é que isto se mede contra menos custos ao ano com o plano da troika, digamos que 30%, mas em 20 ou mais anos? É questão de aritmética mas principalmente de decisão política.
(NOTA - esclarecendo bem: quando falo do caso argentino é depois das medidas de Nestor Kirchner. Até então, o que se fez, com Menem, foi a política do FMI, depois coisas erráticas na transição com De la Rua. Quando li uma vez o dirigente nosso do BE criticar o caso argentino por causa das consequências no desemprego, afinal referindo-se ao tempo imediatamente anterior a 2004, o tempo de Menem e Cavallo, a levar aos panelaços, fiquei indignado. E a pensar que o BE nunca terá chances antes de correr com os fósseis dos "ismos", Louçã e Fazenda).
Podemos aprender com a Argentina e o Equador? Não sei.
Eu não digo que deva ser assim, não sou especialista, mas quero discutir, não aceito de barato os dogmas dos outros e quero que um novo partido promova essa discussão.
Questão seguinte: há uma linha divisória clara na política económica europeia, isto é, tanto no que respeita às instituições centrais (CE, BCE, EFSF, BEI) como à relação de forças entre países? Estamos por isto apertados num constrangimento total a tolher-nos margem de manobra política, de acordos e manobras pontuais? Claro que não, como julgo ter explicado. As coisas estão incertas, acabou-se o diktat Merkozy. E mesmo que se possa ter dúvidas sobre o alcance da mudança Hollande, nada em política é absolutamente negligível. Até qualquer milimétrica guinada do nosso PS, se bem explorada. No entanto, lembro, isto só vale se confrontado com um novo partido.
Dito isto, previno-me contra um risco, o do euroidealismo, que contamina uma certa esquerda e, mais notoriamente, os eurodeputados de várias filiações ou independentes de esquerda. Se, por um lado, não menosprezo qualquer possibilidade de aproveitamento do confronto político a nível da UE, por mais que isso me pareça irrelevante, lento e contraditório, penso, por essas mesmas reservas, que nesta fase a luta se centra no plano nacional. Que mais não seja porque os poderes dominantes conseguiram alienar em seu favor a opinião pública, como nos casos esmagadoramente impressionantes nas sondagens dos alemães formigas a condenar os sulistas cigarras (e muitos sulistas complexados a aceitarem esta fábula, até alguns que conheço que são nas suas vidas pessoais as mais desavergonhadas cigarras).
Ainda outra: sendo fracos e estando nas mãos dos credores, é comer e calar? Muitos economistas e analistas conceituados têm mostrado que a quebra de um elo fraco, Grécia ou Portugal, não tem só o inegável preço nacional mas também um imenso preço para todo o sistema económico e financeiro do euro. Põe em risco a riqueza do norte, porque ela é o outro lado da medalha, o da pobreza do sul. Até Helmudt Schmidt o disse há algum tempo. 

Não é por acaso que, na tentativa de fazer festinhas aos mercados adolescentemente histéricos (?) tem havido declarações de que a Europa está preparada para a saída da Grécia do euro (ao mesmo tempo que se diz que tudo se fará contra isso). É o reconhecimento de que pelo menos é preciso "preparação" para uma saída do euro mesmo de um país tão economicamente execrado e "aberrante" como a Grécia. Afinal, há plano B ou não há? “Gaspar diz que não e Gaspar é um homem honrado” (Shakespeare, “Júlio César”, no mais magnífico discurso irónico da literatura).
Isto quer dizer, como defende a Syriza grega, que os intervencionados podem ir ao Conselho europeu e dizer: “é tanto nosso interesse como vosso que não cheguemos à rotura e ao enorme risco da implosão do euro. Portanto, vamos suspender todos os pagamentos de dívida, todos os compromissos com a troika e vocês vão pensar rapidamente em como isto já começa a queimar-vos as calças”. É chantagem, como agora protestam os fanáticos da religião neoliberal? Mas desde quando é que esta palavra feia, em termos pessoais e sociais, está banida da luta política, mormente da internacional? “It’s politics, stupid!”
Portanto, podemos dar um murro na mesa? Forçar a revisão completa da nossa situação sem sair do euro, jogando com as contradições intrínsecas do sistema do euro? Podemos desobedecer, sabendo que podemos suportar o castigo de quem tem de medir o grau de castigo para não lhe sair o tiro pela culatra? Afinal, a desobediência não é um direito essencial de defesa, das pessoas e dos povos e, ao longo da história, uma eficaz arma política?
Eu não digo que deva ser assim, não sou especialista, mas quero discutir, não aceito de barato os dogmas dos outros e quero que um novo partido promova essa discussão.
O cenário anterior, à Syriza grega, não implicava a reestruturação da dívida, só a suspensão do seu pagamento, com provável renegociação dos seus termos. É o que esperaríamos de proposta de um BE, dito próximo da Syriza, mas proposta que nunca vi assim claramente formulada (e por isto a Syriza é potencial vencedor das próximas eleições e o BE será sempre um clube de opositores diletantes).
Passemos então a outro cenário, o “argentino”. (Anote-se que isto nada tem a ver com economia moral da dívida, legítima ou ilegítima, do tipo das auditorias). Significa, essencialmente, rever politicamente - não moralmente! - o montante da dívida, os seus encargos, as suas maturidades, tudo decidido pelo devedor, não pelos credores (como foi há meses no caso grego de credor submisso). 

Pensar moralmente a política é coisa de quem nunca leu Maquiavel e, se não o fez, é melhor que já não o faça, para não ter confusões na tola.
Importante é saber se essa reestruturação radical (não as eufemísticas "renegociações" - só com a troika? - de que alguns falam cá) é possível no quadro do euro ou obrigatoriamente saindo da moeda única. Os economistas dividem-se. Se permanecendo no euro, só com enorme coragem política do governo português (claro que não este!), confrontado certamente com as maiores pressões e chantagens. Se saindo do euro, certamente que o preço é altíssimo, ninguém realista o nega: fuga de capitais, levantamentos maciços dos depósitos bancários, desvalorização, recessão, recurso obrigatório à produção interna, fim das importações de produtos de luxo, falências de empresas frágeis dependentes do crédito e desemprego, etc. 

No entanto, há planos bem estudados para esta hipótese, pelo menos para que não se diga que é coisa de aventureiros. Ou de "partidos radicais", acusados com este labéu por quem não se digna analisar o que propõem. A propósito, já compararam as propostas do eleito Hollande com a de Mélenchon, o candidato sucesso da Frente de Esquerda?
Saída do euro ou não?
Eu não digo que deva ser assim, não sou especialista, mas quero discutir, não aceito de barato os dogmas dos outros e quero que um novo partido promova essa discussão.
E ainda outro cenário, que vou respigar de um texto já com algum tempo de Jorge Bateira. É uma variante do cenário de “murro na mesa” europeia, ou de desobediência, que referi acima. De quem diz que sempre quer ver o que fazem os que arrotam poderes mas que depois têm de olhar para os seus pés de barro, atolados no sistema. Bluff? Talvez, mas sempre jogaram bem poker os grandes políticos.
“Para executar esta política, precisamos de um governo que rompa com o Memorando, recupere a tutela do Banco de Portugal e ponha em execução um controlo eficaz do sistema financeiro. Recorrendo à monetarização da dívida, esse governo lançaria um programa de estímulo ao crescimento da economia e um programa de criação imediata de emprego em colaboração com autarquias, agências de desenvolvimento local e organizações de solidariedade social.”
Em termos mais esquematicamente elucidativos: 1. Suspensão imediata dos compromissos do memorando. 2. Suspensão de todos os pagamentos da dívida, vencimentos e juros. 3. “Denúncia” - de facto - dos tratados a partir de Maastricht e dos limites impostos pelo PEC. 4. Nova lei do BdP, com total liberdade em relação ao BCE. 5. Congelamento de contas bancárias, acima de um determinado limite diário nas ATM. 6. Congelamento das transferências eletrónicas de capitais, exceto compromissos justificados e inadiáveis. 7. Monetarização progressiva da dívida e “quantitative easing” por parte do BdP, em emissão de moeda eletrónica. 8. Emissão de títulos suportados pelo BdP para investimento num programa de crescimento e emprego. 9. Eventualmente, nacionalização da banca. 

Os economistas que me perdoem alguma incorreção técnica ou que ma emendem, mas creio que, politicamente, o essencial está aqui dito.
Que isto daria uma enorme guerra, se calhar um ultimato à século XIX? Talvez, mas só um cobarde é que não considera sequer, ao menos, a hipótese da luta, desde que ela não seja antecipadamente derrotada. Mas esta é?
Claro que isto tem um enorme busílis. Tudo isto só é viável feito numa sexta feira ao fim da tarde e com entrada em vigor imediata. Não pode ser com decretos com uma semana de promulgação em Belém - se é que Belém promulgaria - nem com fugas de informação, nem com conluios bancários ou maçónicos. Dito claramente, isto só com um poder revolucionário.
Será isto possível, assim visto por um leigo?
Eu não digo que deva ser assim, não sou especialista, mas quero discutir, não aceito de barato os dogmas dos outros e quero que um novo partido promova essa discussão.

E certamente que só com um novo partido.


P. S. (3.6.2012) - Como escrevi repetidamente, como refrão, não sou especialista. Por isto, pedi crítica a um economista que muito prezo. Aqui vai.
“Só tenho a corrigir o seguinte: a economia da Argentina recomeçou a crescer através da procura interna. A ideia de que as exportações (o mito da semente de soja), puxadas por uma conjuntura internacional favorável, foram o principal motor do crescimento é uma ideia errada mas muito divulgada. Foi mesmo através da procura interna. (…). No resto, eu só diria que a nacionalização temporária da banca é condição essencial para minimizar a fuga de capitais. Não pode ser o nº 9 da lista. Tem de ser decretada na tal sexta-feira à noite. Para uma descrição detalhada de um "plano de operações" pensado para a França, ver o texto anexo do Sapir escrito no ano passado.
A ruptura com emissão de euros pelo banco central, pelo menos provisoriamente para ver se a Alemanha abandona o barco, é defendida pelo Parti de Gauche e o seu economista principal, Jacques Généreux. A ideia é a de encontrar um grupo de países que converta o euro em «moeda comum», apenas para as relações com o exterior, a que ficariam ligadas as moedas nacionais por um câmbio flexível.” 

5 comentários:

  1. Respondi-te aqui: http://elementoabsorvente.blogspot.pt/2012/05/relativo-ao-texto-de-joao-vasconcelos.html

    Abraço,
    Alcides

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  2. Li duas vezes o Texto do J:V.C. Nao conheço os outros posts da Esquerda,mas neste vejo que se trata da criaçao d um novo partido.
    Há já algum tempo que acho que ha espaço para um partido novo em Portugal quer pela falencia da social democracia quer pela falencia da direita civilasada dita humanista cristã,proxima da Igreja pos Rerum Novarum.E tambem ja se percebeu que a alternancia ,nao dá ja frutos e o Bloco Central está em grave crise de identidade,porque ambos falharam.A social democracia travestiu se de liberal, e os liberais passaram a ser claramente neo liberais. E o contrato social que mantinham com o os trabalhadores de colarinhos azuis, e com os de colarinho branco rompeu-se.assistimos a a um formidável ataque aos trabalhadores, e outro tanto á classe média dos colarinho brancos.Mas, creio qeu em Portugal pela falencia do BE ,e fixação ideologica do PCP , as opções cristalizaram se, e seria muito dificil a um novo partido abrir o seu espaço neste espaço de desilusaõ e de ileteracia nacional.Teria de ser facto um partido muito novo nas abordagens, na sua constituição,nas propostas, a que teria de estar aberto
    Na proposta do J.V.C so vejo falar em economia, economia para Portugal.Não se fala de mais nada.O que é dito pode ser certo,ou discutível.O pior é que só se fala disso, e ha outros pressupostos que seria bom considerar,e que interessa a esse publico à espera de novas propostas.
    Creio que uma delas tem a ver com desenvolvimento sustentável ,com crescimento zero mas com prosperidade, compaginar as propostas ocidentais com as dos chamadas países emergentes que se libertam do nosso neo colonialismo, de que nós não nos libertamos. Seria bom escutar as exigências dos jovens através dos indignados, dos sem emprego,etc. Falar das novas energias verdes,para deixar o perigoso nuclear,das energias alternativas,para abandonar as fosseis,falar do emprego,e das novas formas de emprego, cooperativas, sociedades auto geridas,o novo Estado Social, etc.Falar da terceira idade/reforma(Mais cedo ou mais tarde?), dos emigrantes, das mulheres, dos minorias,e enfim,falar claro sobre os Direitos Humanos como garantes das Democracias.
    Nao esgotei tudo,porque claro fica a discussão entre marxistas Keinesianos, e neo liberais.Aqui ficam as minhas humildes impressões.E obrigado pelo confiança que me deu ao pedir me opiniao sobre questao tãp importante.Antonio Serzedelo.

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  3. Caro António,

    Compreendo a sua crítica e concordo com a listagem de problemas que faz. Mas não me parece que tenha total razão ao criticar o tom exclusivamente económico deste “post”.

    Não deve ter lido os anteriores, em que dou alguma ideia do que considero dever ser, programática e praticamente um novo partido. Veja, por exemplo, aqui ou aqui. Mesmo noutros, por exemplo este, em que defendo a necessidade de um novo partido, não esqueço a política geral em favor de uma centragem exclusiva na economia (afinal, há economia sem política?).

    É claro que este último “post” só aborda a maneira de ver (discutir, sem ideias preconcebidas) a crise, do ponto de vista económico, mas porque não me parece merecer dúvidas de que, nos tempos próximos, este vai ser o terreno central da luta política. Como disse, o resto já eu tinha escrito antes.

    O António deu-me uma ideia, para evitar estas confusões: vou tentar fazer uma compilação destes textos políticos e disponibilizá-los em texto único, coerente, como e-book claro que gratuito.

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  4. Meu caro João, venho lendo com grande atenção os posts que subordinou à epígrafe "A esquerda". Podia porém ter adoptado como título o "leit Motiv" de todas as suas interessantíssimas reflexões: "Um novo partido?"
    São ninharias o que poderia ser apresentado como diferença, seguramente matéria de estilo e de gosto.
    Não, concordo substantivamente, sem meias tintas, com as suas observações e opiniões. Mas não, lamentavelmente, com a conclusão, aliás precludida através da negação da sua própria lógica com a frase "Dito claramente, isto só com um poder revolucionário".
    Então, partido para quê? É que, então, ou ele não passa de um programa de acção tornada possível através da subversão do poder constituído, perdendo completamente o seu carácter de corpo associativo inspirado num corpo estruturado de ideias, destinado a disputar o poder legitimado pelo voto.
    Excluído que se possa falar de partido e, simultaneamente, exluir-se a legitimação, tudo estaria em saber se tal partido é viável.
    Creio que pode dizer-se que o conceito de partido é uma construção dos séculos. XIX e XX, tendo que ser entendido, no seu sentido e limites, no contexto sociológico desse tempo que sofreu alterações radicais nos anos 80 e seguintes.
    A convulsiva desestruturação ética da sociedade do consumo, expressa no esvaziamento moral da práxis política, afastou o cidadão do voto e, com isso, deslegitimou o poder de tutti quanti, formalmente eleitos a coberto de uma abstracção estatística, deixaram de estar apoiados pela efectiva "maioria".
    Creio esta constatação poderá até legitimar a refundação revolucionária do regime democrático.
    Mas o que não deixará é de mostrar que o descrédito matou o conceito ainda vigente de representatividade democrática. Um novo partido só poderia aspirar à captação dos que se abstêm da participação política. Ora, tudo indica que a tendência vai no sentido de se acentuar o afastamento. Creio que assistiremos, com o enterro da vergonhosa demagogia dos medíocres mentirosos, ao ruir do edifício da "representatividade" ficcionada.
    Ora o partido aventado não escapa a esta lógica. Não tem espaço nem futuro.
    Penso que caminhamos para a implosão. Ela gerará o travejamento do edifício a construir sobre as suas ruínas.
    Os exemplos apontados referem-se a situações quase revolucionárias. Não foi o voto informado e consciente que investiu o poder que alterou o estado das coisas.
    Para mim, salvo levantamento geral, a Alemanha ganhou agora a guerra que perdeu em 1945 no campo de batalha. "Lés jeux sinto faits".

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  5. Corrigenda:
    "Les jeux sont faits".
    Abusos de correctores automáticos, todavia em Português não acordado.

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