terça-feira, 11 de outubro de 2011

Um banco vale mais do que um país?

O estado belga que parece que nem é bem estado acaba de resolver o caso (nem digo escandaloso porque o adjetivo está tão vulgarizado que já perdeu força) do banco Dexia, comprando-o por 4 mil milhões de euros (mM€). Ao mesmo tempo, para poder garantir os depósitos, abriu com a França e o Luxemburgo uma linha de crédito de 90 mM€. Estranho que não esteja em causa qualquer coisa de recapitalização do banco, mas deve ser ignorância minha, de leigo. É que basta comprar o banco e garantir por valor muito mais alto os compromissos, sem recapitalizar? Fico a pensar que, afinal, quando dirigente de organismo, nunca aprendi nada de contabilidade, de ativos e passivos.

Esta é a primeira razão de espanto. Um banco vale 4 mM€ mas tem riscos de débito de mais do que 20 vezes mais. Na prática, o esforço financeiro do estado comprador, neste processo especial de nacionalização, é de uma aquisição de capital a preço efetivo muito superior ao que corresponde ao verdadeiro proveito público, em termos de posse do banco. Os seus acionistas privados, depois, na reprivatização, vão reaver o seu capital ao nível proporcional dos tais 4 mM€, sem entrar um tostão para a proteção dos depositantes, os tais 90 mM€. Ou sou eu, não economista, que estou a ver mal? Admito, sou leigo.

E fiquei a pensar nestes números por comparação com o que aqui nos vai pela casa. Por exemplo, o BPN. O valor do banco, a valer para a sua privatização, foi de 40 milhões - 0,04 mM€ para usarmos a medida acima. Mas já os contribuintes entraram, a vários títulos, com coisa como 4 mM€, se não estou em erro. 100 vezes mais do que o valor do banco, assim como os belgas, franceses e luxemburgueses se comprometeram hoje com 22,5 vezes o valor do Dexia. A ver vamos se não chegarão também às 100 vezes. Se não me engano, as nossas 100 vezes começaram por 15 vezes (600 M€).

Pensemos também na "ajuda" que recebemos da troica. 78 mM€! Não é zero a mais ou a menos, é mesmo menos do que os tais 90 mM€ do Dexia. É o que vale todo um país, menos do que a linha de crédito para salvar um único banco franco-belga. As pessoas não estão a pensar no que representa o poder e o volume do setor financeiro (e só falo dos bancos, nem sequer dos investidores mais ou menos ocultos) em comparação com aquilo que é mais visível, a economia dos estados, os seus défices, as suas dívidas.

Dos tais "nossos" 78 mM€, os "responsáveis", isto é, nós todos, estamos a pagar a fatura com impostos, cortes nos vencimentos, metade do subsídio de Natal, aumento do IVA, da conta da eletricidade, dos transportes. E os banqueiros do Dexia o que é que vão pagar? E não irão até lucrar quando reouverem na reprivatização o banco depois de o dinheiro dos contribuintes, na nacionalização, ter salvo e possivelmente valorizado o banco, com isso valorizando a sua carteira pessoal de ações do banco?

Nos nossos 78 mM€, 12 podem ir para recapitalização da banca. Sabe-se que ela está com a corda na garganta, embora aparentemente protegida das bolhas com que "subprimes", bancos islandeses, espanhois e irlandeses, Dexia e outros nos rebentaram a crise na cara. Mas nenhum banco português estará mesmo na situação do Dexia? Não sei, não sou economista, mas tenho espírito de Zé para desconfiar. Porque é que precipitaram o recurso à troica e agora resistem ao máximo à recapitalização?

Claro que não querem a consequente nacionalização, mesmo que por um estado atento, venerador e obrigado ao capital e principalmente ao capital financeiro, aquele nas mãos de "gente fina é outra coisa!". Não querem, nem que simbolicamente, um administrador nomeado pelo governo, mesmo que tão-financeiramente-tão ortodoxo como eles. Não querem arriscar o rearranjo das relações de poder e da repartição das participações sociais. Não querem jogar na imprevisibilidade do seu peso na altura da reprivatização (porque, não se esqueça, estas privatizações hoje espantosamente "aceitáveis" - ah! PREC! - são sacrifício sempre provisório e quanto mais provisório melhor). Porque afinal eles são medíocres, são tacanhos, são provincianos, como provinciano é todo o mundo político, económico, até académico, que faz esta choldra.

Mas tudo vai bem na frente ocidental! Como sempre entre nós, mesmo quando, com ou sem feliz luar do lado de cá, sempre havia do lado de lá, em Paquetá, uma perninha, de frango ou de galinha.

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